Funmilayo Afrobeat: música e ancestralidade para contar histórias

31/07/2025

Banda oferece uma viagem sonora afrocentrada com protagonismo feminino, protesto e espiritualidade.

Em meados do século passado, a ativista Funmilayo Kuti (1900-1978) se destacou como líder nacionalista da Nigéria. Entre seus grandes feitos, está a coordenação da campanha pelo sufrágio feminino e participação ativa no movimento anticolonial das mulheres egbas (grupo étnico iorubá) contra os impostos cobrados pela Inglaterra. Ela também foi a primeira mulher do país a dirigir um carro. 

Mais de 40 anos após a sua morte, a líder foi inspiração para a criação da Funmilayo Afrobeat Orquestra. Fundado em 2019 em São Paulo, o grupo reinterpreta a história do gênero musical criado pelo icônico Fela Kuti — filho da ativista — numa valorização das contribuições das mulheres na música.

LEIA MAIS: Miss Tacacá, a DJ Rainha do Tecnomelody.

A Funmilayo Afrobeat Orquestra oferece uma viagem sonora através de diversas vertentes afrocentradas. Seu repertório eclético combina ritmos da música africana, como o highlife, com elementos de jazz, soul music, rap e ritmos brasileiros, entre eles o maracatu.  

A banda também presta homenagem a vozes femininas que deixaram sua marca na história, como Elza Soares, Alcione e as nigerianas The Lijadu Sisters.

Funmilayo Afrobeat
FUNMILAYO AFROBEAT ORQUESTRA: reinterpreta a história do gênero musical criado por Fela Kuti (foto: Sergio Fernandes).

A orquestra é formada por 12 integrantes, sendo 11 musicistas e uma dançarina. No palco, brilham Amanda dos Anjos (trombone e coro), AfroJu Zambeleua (percussão), Ana Goes (saxofone e voz), Ana Cruse (teclado e coro), Larissa Oliveira (trompete e voz), Keyth Felix (baixo), Jasper Okan (guitarra e voz), Priscila Hilário (bateria e coro), Rosa Couto (voz e percussão), Sthe Araújo (percussão e voz), Stela Nesrine (saxofone e voz) e Vanessa Soares (dançarina).

De acordo com a cofundadora Stela, 31 anos, o poder transcende a música, manifestando-se em performances que ressoam como espaços de expressão, lembrança e validação. Subir ao palco é tanto um ato de sobrevivência quanto de união. 

“O afrobeat personifica a nossa essência. É música, protesto e espiritualidade.”

Stela Nesrine, cofundadora da Funmilayo Afrobeat Orquestra.

A essência falada por Stela é nítida nas apresentações da banda. Corpos se unem em perfeita sintonia com o ritmo contagiante do afrobeat. Instrumentos, vozes e movimentos de dança se entrelaçam, criando uma poderosa declaração de resistência, celebração e conexão com as raízes ancestrais.

Outro ponto de destaque é ser composta apenas por mulheres negras e pessoas LGBTQIAP+.

AFROBEAT: SUBSTANTIVO FEMININO

Nas últimas semanas, a agenda da Funmilayo Afrobeat Orquestra tem estado cheia. Além dos shows e ensaios típicos, a banda está rodando o projeto Afrobeat: Substantivo Feminino

A iniciativa propõe reflexões sobre a presença política e poética de corpos dissidentes na música, com shows, vivências culturais e homenagens a figuras históricas do gênero. 

O projeto abarca quatro shows, um em cada zona da cidade de São Paulo. O próximo, e último, acontece neste sábado (2/8), na Fábrica de Cultura Capão Redondo, na zona sul [saiba mais abaixo]. 

O projeto também contempla oficinas de dança e uma roda de conversa sobre a música do Atlântico Negro. A ideia é promover um intercâmbio entre saberes e práticas da diáspora africana.

Funmilayo Afrobeat
ESPIRITUALIDADE E PROTESTO: banda lançou disco de músicas autorais em 2022 (foto: Sergio Fernandes).

Nos shows, há músicas do álbum autoral Funmilayo, lançado em 2022. Com forte influência das experiências pessoais das integrantes, as composições exploram temas como ancestralidade, feminismo negro e a vida urbana. Há também releituras, como Erora, das Lijadu Sisters, e Upside Down, uma parceria original entre Sandra Izsadore, Fela Kuti e o Afrika 70, lançado originalmente em 1970.

Afrobeat: Substantivo Feminino foi contemplado no Edital de Apoio à Cultura Negra, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. A seleção tem como objetivo fortalecer as produções culturais negras e facilitar o acesso à cultura nas áreas periféricas da cidade.

NOSSAS HISTÓRIAS, DO PASSADO E DO FUTURO

A jornada musical de Stela começou ainda na infância, numa banda da igreja que frequentava em Sorocaba, interior de São Paulo. Depois, ela estudou canto e instrumentos de sopro e participou diversos projetos musicais em São Paulo, onde voltou a morar aos 17 anos.

Em 2014, ela fundou a A Todo Canto, empresa de produção de projetos culturais. No portfólio, há os podcasts Calunguinha, O Cantador de Histórias, vencedor dos prêmios SoundUp Spotify Brasil 2021 e ComKids 2024, e Planetário, que mescla dados reais com uma história ficcional e, de maneira pedagógica e lúdica, promove a divulgação das ciências feitas por pessoas negras.

FUNMILAYO KUTI: líder nigeriana foi inspiração para a banda (foto: autor desconhecido).

Graduanda em Educomunicação na Universidade de São Paulo, ela recebeu o Prêmio USP Mães Pesquisadoras 2023, na categoria Comunicação. 

Com a Funmilayo Afrobeat, ela conta que encontrou um ambiente onde sua experiência como mulher negra se conecta à arte de maneira política e emocional.

“Preciso do apoio de mais mulheres”, diz ela. “A Funmilayo é tudo o que eu almejava fazer neste momento da minha vida.”

Vivendo o presente e com bons planos para o futuro, a banda está produzindo um novo EP, que pode ser lançado ainda em 2025. As novas composições vão explorar a relação do grupo com a cidade de São Paulo.

Assim como Funmilayo, a ativista, que a Funmilayo, a banda, continue criando narrativas partir de uma perspectiva feminista, negra e anticolonial — é a história que queremos ouvir. 

SERVIÇO

Show “Afrobeat: substantivo feminino”
2 de agosto, às 19h.
Fábrica de Cultura Capão Redondo.
Rua Bacia de São Francisco, Conj. Hab. Jardim São Bento, São Paulo (SP).
Gratuito. 

FOTOGRAFIA DE ABERTURA: Paris de Araujo

Quem escreveu

Foto de Ester Peixoto

Ester Peixoto

Natural do norte de Minas Gerais, é estudante de jornalismo da Universidade Estadual de Londrina. Tem paixão pela arte e pela comunicação. Autora do livro de poesias Criticando. Militante do movimento negro e feminista, tem as causas como ponto de partida para escrita, pesquisa e olhar para o mundo.

Inscreva-se na nossa

newsletter

MATÉRIAS MAIS LIDAS

ÚLTIMAS MATÉRIAS

NEWSLETTER EMERGE MAG

Os principais conteúdos, debates e assuntos de cultura, direitos humanos e economia criativa interseccional no seu e-mail. Envio quinzenal, às quartas-feiras.