As pessoas que fizeram a diferença em diversidade corporativa em 2025

22/12/2025

O ano foi desafiador, mas lideranças e profissionais que estão na linha de frente nas empresas afirmam que não há margem para retrocessos.

Caçula entre sete filhos de mãe empregada doméstica e pai policial, Isabel Mello costuma dizer que, se houvesse um bingo da diversidade, ela seria uma das vencedoras. Mulher negra, família pobre de Salvador, nordestina e casada com outra mulher, ela também é uma pessoa com deficiência (possui baixa visão do olho esquerdo), tem mais de 50 anos e é do Axé.

A diversidade pautou a sua trajetória de vida. Assistente social, teve participação militante em lutas por direitos de grupos historicamente sub-representados. No entanto, foi somente há dois anos que o termo ganhou destaque no seu currículo. Após 15 anos na área de saúde do trabalhador, ela migrou para a gerência de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) da Petrobras, onde trabalha desde 2008. 

Em 2025, Isabel foi uma das responsáveis pela Caravanas do Orgulho LGBTQIAPN+ da Petrobras. O projeto consiste em apresentações e diálogos que unem letramento e sensibilização. O foco é chegar a trabalhadores de áreas operacionais, como os de refinarias e plataformas.

“Temos ajudado a dar visibilidade às pessoas LGBTQIAPN+ da Petrobras. Abordamos as suas potências e dores para sensibilizar para a humanidade que habitualmente se tenta apagar”.

Isabel Mello, assistente social da gerência de diversidade, equidade e inclusão da Petrobras.

Devido ao êxito, o projeto foi desdobrado para caravanas raciais e, em 2026, haverá ações específicas do Orgulho Trans.

Isabel também participou da revisão dos quesitos de Diversidade Sexual e de Gênero no cadastro das pessoas trabalhadoras, bem como na campanha de incentivo à autodeclaração. Em apenas seis meses, a média de autodeclaração subiu de 15% para 38%. 

Guiada pelo propósito de desenvolvimento pleno e vida feliz para todas as pessoas serem quem realmente são, Isabel se fortalece via estudos e conexões com redes internas e externas, entre elas grupos de afinidades e comitê de diversidade da Petrobras, fóruns e coletivos empresariais, de entidades públicas e não-governamentais. 

Sobre suas referências, ela cita o amigo e companheiro profissional Day Oliveira, que coordena o Grupo de Afinidade LGBTQIAPN+ da Petrobras. “É um parceiro constante nas iniciativas, nos avanços e na busca da construção de caminhos mais justos e inclusivos”.

ISABEL MELLO: propósito de desenvolvimento pleno e feliz para todas as pessoas (foto: Rafael Felix).

LEIA MAIS: Os desafios e avanços no desenvolvimento de líderes LGBTI+ nas empresas.

BOAS OPORTUNIDADES MUDAM A VIDA DAS PESSOAS TRANS

Natural de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, Nathália Fernandes entrou no mercado de trabalho em 2018 — e não foi fácil iniciar a carreira. Foram sete processos seletivos para ter o primeiro estágio em jornalismo. Nas entrevistas e dinâmicas, percebia que não bastava ser boa tecnicamente. Sentia que, logo ao entrar na sala das recrutadoras, estava automaticamente eliminada. Entendeu que precisaria performar uma masculinidade que não lhe era orgânica.

Embora tenha se entendido como mulher trans ainda na infância, na época Nathália ainda era lida como um menino gay afeminado. 

NATHALIA FERNANDES: conteúdo sobre diversidade e carreira (foto: Rafael Felix).

“Comecei a sentir muita angústia, pois pensava que teria que escolher entre ter uma carreira ou ser quem realmente sou”, afirma ela.

A virada de chave começou em 2020. Enquanto trabalhava em homeoffice, o desejo de realizar a transição de gênero aflorava. Na mesma época, uma colega gestora de RH a pediu indicação de profissionais recém formados. Nathália se auto indicou, e foi contratada na administradora de shoppings centers BR Malls. 

Embora a empresa não tivesse políticas, estrutura e programa formal de diversidade corporativa, havia intencionalidade. Logo no primeiro dia, ouviu do RH que poderia se sentir confortável e buscar amparo internamente. Ela, então, foi entendendo a empresa e as dinâmicas dos corredores. No ano seguinte, já com uma promoção e mais segura, se autodeclarou trans na empresa. 

“Meu gestor fez questão de me apresentar novamente para toda a empresa, agora como uma mulher, e agilizou a troca do meu nome em todo sistema de TI e crachá”, diz ela.

Na mesma época, Nathalia passou a produzir conteúdo sobre identidade e carreira no LinkedIn. Um tema recorrente era o fato de que pessoas trans estavam deixando de ser objeto de estudo para se tornarem produtoras de conhecimento. 

Utilizando o caso da artista Linn da Quebrada, na época participante do BBB, os posts de Nathália viralizaram. Logo, foi reconhecida como LinkedIn Top Voice na categoria Diversidade. Atualmente, Nathália soma 83 mil seguidores na rede. 

SAIBA MAIS: Autodeclaração LGBTI+ nas empresas favorece carreiras e políticas públicas.

Já em 2022, ela foi contratada na Alcoa. Embora seja uma indústria do segmento de mineração — ambiente tradicionalmente masculino —, possui programa de diversidade corporativa e reconhecimentos públicos, como o da Human Rights Campaign. Após uma série de promoções, hoje Nathália é designer sênior de pessoas. 

Consciente, ela diz que o que diferencia a sua jornada da de outras pessoas trans é ter tido oportunidade para mostrar o seu profissionalismo e competência. Assim, o seu caso individual não deve ser usado para definir questões coletivas. 

“A população trans necessita e deve ser integrada ao mercado de trabalho com dignidade. Para isso, é necessário que as empresas ofereçam boas oportunidades de contratação e carreira para a comunidade.”

Nathália Fernandes, designer sênior de pessoas da Alcoa.

DIVERSO E COM ALTA DEMANDA SOCIAL, BRASIL PODE SER LÍDER MUNDIAL 

LEANDRO CORRÊA: doação de alimentos para grupos vulneráveis (foto: Rafael Felix).

Em 2025, mais de 1.500 funcionários da Arcos Dorados, operadora da rede McDonald ‘s no Brasil, passaram a receber, mensalmente, cestas básicas de alimentos subsidiadas em todo o país.

Dessas, 340 pessoas são LGBTI+, 1.100 mulheres e 1.000 pessoas negras. Em paralelo, mais de 5.500 pessoas receberam mais de 826 mil refeições. 

A entrega de alimentos foi uma solução imediata frente a um dado revelado pelo último Censo de Diversidade: havia funcionários em situação de insegurança alimentar, sendo a maioria mulheres chefes de família. 

O projeto foi uma realização de Leandro Corrêa, gerente de Diversidade e Inclusão da Arcos Dorados. 

A relação do profissional com a empresa vem de longa data. Aos 16 anos, ele era atendente de um restaurante em Blumenau, cidade catarinense onde nasceu. Desde então, concluiu a graduação em administração e fez especializações em gestão de pessoas e diversidade e inclusão, além de cursos voltados para liderança inclusiva e ESG. 

Homem gay, Leandro é casado uma pessoa autista. Por sua vez, seu pai tem perda auditiva severa e sua mãe era uma pessoa com deficiência física. 

“Viver diariamente a inclusão dentro da família me trouxe uma compreensão profunda sobre acessibilidade, empatia e respeito às diferenças.” 

Leandro Corrêa, gerente de diversidade e inclusão da Arcos Dorados.

Em relação ao cenário de diversidade corporativa de 2026, Leandro estima que haverá mais iniciativas diretamente vinculadas aos objetivos empresariais e com um foco no retorno sobre o investimento, seja em capital humano, reputação de marca ou capacidade de inovação.

Para ele, o protagonismo do Brasil, sustentado também por um conjunto de leis que não permite retrocessos na agenda, pode se desdobrar em investimentos em tecnologias para escalar programas de educação e empregabilidade. Assim, será possível incluir mais pessoas de grupos historicamente sub-representados em posições de influência e decisão nas empresas. 

LEIA MAIS: Empresas usam benefícios inclusivos para reduzir desigualdades.

DIVERSIDADE CADA VEZ MAIS INTEGRADA A SUSTENTABILIDADE DOS NEGÓCIOS

Sênior Vice-Presidente de Comunicação, Sustentabilidade e Responsabilidade Corporativa da Accor Américas, Antonietta Varlese lidera a estratégia da área em 14 países e mais de 450 hotéis. No dia a dia, seu foco está em ESG, DEI, comunicação integrada e engajamento com diferentes grupos de interesse. 

Trabalhar num ambiente multicultural como o da hotelaria, reforçou desde cedo a importância de construir organizações que refletem a pluralidade da sociedade e promovam ambientes seguros, éticos e inclusivos. 

Na Accor, esse compromisso se traduziu em ações concretas e estruturadas, como a implementação da estratégia para pessoas LGBTI+, a criação de comitês regionais, a formação de embaixadores por país, o desenvolvimento de políticas claras e o investimento contínuo em letramento, treinamento e governança. 

“A diversidade deixou de ser apenas um valor institucional para se tornar parte da estratégia de negócio, da experiência do colaborador e do relacionamento com hóspedes, parceiros e comunidades.”

Antonietta Varlese, sênior vice-presidente de comunicação, sustentabilidade e responsabilidade corporativa da Accor Américas.

Um bom exemplo foi o evento Juntos pela Erradicação da LGBTI+fobia, realizado em maio deste ano pela Accor em parceria com o Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+.

ANTONIETTA VARLESE: corresponsabilidade das lideranças (foto: Danilo Borges).

O encontro reuniu autoridades públicas, lideranças empresariais, especialistas e organizações da sociedade civil.

Aliada LGBTI+, Antonietta avalia que 2025 foi marcado por contrastes. De um lado, houve maior compreensão de que a diversidade está diretamente ligada à sustentabilidade dos negócios, à inovação e à atração de talentos. 

Por outro, o contexto político e social, tanto no Brasil quanto internacionalmente, trouxe debates mais polarizados e questionamentos sobre o papel das empresas em pautas sociais.

“Foi um ano que reforçou a importância do diálogo, da escuta ativa e da construção de pontes”, diz ela. 

Para 2026, Antonietta acredita que a interseccionalidade ganhará protagonismo na agenda de diversidade corporativa, assim como a corresponsabilidade das lideranças na construção de culturas organizacionais mais justas e acolhedoras.

INCLUSÃO NÃO NASCE DA DIVERSIDADE. É NECESSÁRIO TER INTENÇÃO

A trajetória de Daniella Donadio foi construída na interseção entre pessoas, cultura e estratégia. Psicóloga com especialização em psicanálise e linguagem, aprimoramento em orientação profissional e carreira, sua base a ofereceu uma lente particular para observar organizações como sistemas vivos, atravessados por discursos e símbolos que as tornam únicas a partir de seus valores e crenças.

A experiência prévia na clínica e na educação, reforçaram nela o quanto, nas empresas, o desenvolvimento humano pode evoluir a partir das estruturas que criamos. Ou seja, como atuamos na construção de ambientes que ofereçam segurança psicológica para que os colaboradores sejam suas melhores versões no trabalho. 

“Cultura organizacional não se constrói apenas com valores declarados, mas com decisões concretas sobre quem participa e quem é ouvido, considerando as pluralidades dos que fazem parte daquele espaço.” 

Daniella Donadio, head de ESG do C6 Bank.

Para ela, falar de diversidade é falar de gente. No entanto, no início de sua carreira em gestão de pessoas, se deparou com a realidade de reconhecer que a inclusão não é uma consequência óbvia da prática da diversidade corporativa. A inclusão exigia intenção, investimento e disposição para rever políticas e práticas estabelecidas. 

DANIELLA DONADIO: desenvolvimento humano e segurança psicólogica.

Em 2018, Daniella, que é aliada LGBTI+, ingressou no C6 Bank, ainda na fase de construção do banco. Participar da definição da cultura organizacional desde o início permitiu integrar temas como DEI, sustentabilidade e ética à estratégia do negócio.

Meses depois, o C6 Bank foi o primeiro banco brasileiro a permitir que clientes usassem nome social no cartão e no aplicativo. 

Nesse sentido, desde 2023 o C6 Bank é parceiro do Orgulho do Meu RG, projeto social que apoia pessoas trans, travestis e não binárias com a alteração de nome e gênero nos documentos de forma gratuita.

Em 2024, a empresa elaborou a Cartilha de Nome Social e Retificação, que traz informação e orientação prática para que mais pessoas possam realizar o processo com autonomia. 

Há poucos dias, a sede do C6 Bank em São Paulo abrigou a terceira edição do Prêmio Fórum Profissionais do Ano 2025, realizado pelo Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+. A celebração marcou o reconhecimento de indivíduos e empresas signatárias que se destacaram por meio de ações voltadas à diversidade corporativa e aos direitos humanos da comunidade [a foto que abre esta reportagem é do evento].

“Não teríamos o grande resultado que tivemos neste ano sem as ações práticas das empresas signatárias e das organizações aliadas e parceiras do Fórum”, afirma Reinaldo Bulgarelli, secretário executivo do Fórum. “Apesar dos desafios enfrentados contra a agenda de DEI e ESG, nossa comunidade se manteve firme na luta a favor dos direitos humanos.”

Fotografia de abertura: Rafael Felix.

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Redação Emerge Mag

Revista digital de cultura, direitos humanos e economia criativa interseccional e consultoria de diversidade e impacto social (ESG).

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