Com baixa oferta de emprego na pandemia, jovens produzem pornografia digital e tiram o sustento do Twitter e Only Fans
Paulistanos contam como vendem pornografia no Twitter e Only Fans em meio a pandemia e desemprego no Brasil
Bruno Amaral é um universitário de 28 anos. Com a pandemia, ele perdeu o emprego e precisava encontrar alguma forma de ganhar dinheiro enquanto cursa mestrado em biologia. Com perfil exibicionista, o jovem já gostava de tirar fotos nu e ser observado durante o sexo. Quando leu sobre o quanto o dólar estava valorizado, uniu o útil ao agradável e passou a vender conteúdo pornográfico no Only Fans – e tudo sem sair de casa. “Eu já andava com a libido nas alturas e me masturbava todo dia”, diz ele. “Então, por que não monetizar essa punheta?”.
Criado na Inglaterra em 2016, o Only Fans é uma das plataformas que Bruno utiliza. Para quem não conhece, a rede social permite que pessoas cobrem acesso aos seus posts, por meio de uma assinatura mensal ou venda avulsa. Os valores variam entre 5 e 50 dólares (mais ou menos 30 e 270 reais). Do montante pago pelos clientes, 80% fica para o produtor do conteúdo e 20% vai para a OnlyFans.
A plataforma funciona para qualquer conteúdo exclusivo, como vídeo aulas e lançamentos musicais – artistas como Cardi B, Tyga e Chris Brown são exemplos de famosos que estão na plataforma. No entanto, o que predomina na cauda longa da rede é a venda de conteúdos sexuais: de nudes com lingerie bafo a sexo explícito.
Para convencer as pessoas a pagarem pelo conteúdo, os produtores se valem de alguns artifícios, entre eles soltar um pequeno vídeo em que as partes mais provocativas são tampadas com figurinhas e emojis. Para ver mais, só abrindo o bolso.
A mesma lógica do Only Fans pode ser aplicada no Twitter. Se no Instagram até seios à mostra são censurados, na rede social do passarinho azul tudo é permitido. “Meu trabalho não cobria meus custos. Comecei a vender conteúdo no Twitter e , hoje, 75% da minha renda vem da pornografia digital”, diz Luá, de 23 anos, que costuma tirar no mês R$ 1.500.
Quando o assunto é falta de renda na pandemia, Bruno e Luá não estão sozinhes. Num Brasil que agoniza em plena pandemia, a taxa de desemprego entre 18 e 30 anos é de 21% — um contingente de 3 milhões de pessoas de acordo com o IBGE. Aí, vender pack do pezinho se torna uma forma de sustento.
Bruno conta que foi atraído pelo mercado da pornografia digital ao ouvir histórias de pessoas que estavam bombando nas redes, ganhando presentes e muito dinheiro. Pela possibilidade de ser feito em casa e com horários flexíveis, acreditou que poderia trabalhar menos e ganhar mais. “Mas eu levei um balde d’água fria”, diz. Para o negócio deslanchar, ele teve que aprender a usar softwares de edição de fotos e vídeos e gestão de redes sociais, além de criar uma rotina de trabalho. Trabalhando cinco horas por dia, ele levou cinco meses para angariar 60 assinantes, que geravam R$ 1.500 por mês. Agora, com 80 clientes fixos, fatura 2 mil.
Outro ponto de atenção é que, num ambiente onde o anonimato reina, as problemáticas vão muito além do machismo. Corpes dissidentes têm mais dificuldades em conseguir clientes e dinheiro. Digo mais, de acordo com as pessoas consultadas pela Emerge Mag, mulheres brancas dentro do padrão de beleza cisheteronormativo são mais valorizadas. Luá diz:
“Vejo isso pelo esforço das pessoas gordas e trans, que levam mais tempo para crescer e vender e, mesmo que você consiga muitos seguidores, ainda vai ser ‘exótique’ num meio repleto de mulheres cis brancas”
Por sua vez, Bruno comenta que há pluralidade de corpes e que, por mais que o padrão seja valorizado, não basta ter uma barriga tanquinho para conquistar os fãs:
“Se a pessoa quiser um corpo padrão, vai assinar um corpo padrão. Mas ela vai se tornar fã pelo conteúdo, carisma e fetiche que você oferece”, conta ele. Bruno, que atua no nicho BDSM, relata também que entre outras categorias estão os Ursos, pessoas com corpos grandes e peludos; os Twinkies, bem magros e sem pelos; e Os Bombados, popularmente conhecidos como “as bichas The Week”. E fica a dica: uma categoria em ascensão é o Pet Play, que consiste num fetiche em que um dos participantes encena ser um animal doméstico – “vem cá, Rex”.
A exploração da imagem
Nos últimos anos, dezenas de denúncias envolvendo abusos e violência contra atrizes na indústria pornô vieram à tona. Embora algumas pessoas acreditem que fazer pornô é “ganhar dinheiro fácil”, a atividade é cheia de horas de trabalho e traumas psicológicos. De acordo com Priscila Magossi, doutora em comunicação e semiótica, uma das obscuras faces da indústria adulta é o poder das plataformas frente as modelos:
O mercado não é regulado. É um faroeste digital onde vale tudo. Sem legislação, não há discussão e ganha quem tem mais poder: as grandes empresas
Priscila Magossi, Doutora
PRISCILA, DA NEW CAMMING PERSPECTIVE: AS MODELOS PRECISAM TER NOÇÃO DO PODER DAS PLATAFORMAS
Frente ao modus operandi da indústria pornográfica, Priscila faz uma “contenção de dados”. Ela é criadora da New Camming Perspective, que orienta as profissionais de webcamming sobre direitos trabalhistas. O movimento também prega a não rivalidade entre as modelos. “Queremos que o trabalho seja positivo para as pessoas e, para isso, elas precisam ter pensamento crítico para medir as consequências de suas escolhas”, diz ela.
Uma das armadilhas citadas por Priscila são contratos em que as modelos cedem o direito de uso de sua imagem (inclusive as retiradas de sessões privadas) de forma ilimitada e irrevogável à plataforma e seus parceiros. Dessa forma, os sites podem utilizar as fotos em anúncios publicitários sem nova autorização. “Uma modelo que vende fotos e vídeos na internet precisa saber que está legalmente desamparada”, diz Priscila. “Os sites tem poder sobre conteúdo das modelos e os utilizam para fazer ainda mais dinheiro.” Assim, não há acolhimento quando a meta é gerar lucro.
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