Para o senso comum, não há diferença entre os termos índio e indígena. Entretanto, o senso comum é baseado na repetição de ideias e pensamentos, sem que haja fundamentação ou validação na realidade contemporânea. O senso comum é imediatista, superficial e cheio de preconceitos. De antemão, digo: não estamos mais no século 16 e nem aprisionados pelos invasores coloniais, seja pelos grilhões, seja pela moralidade.
Quando portugueses e espanhóis desembarcaram nas terras que nomearam “américas”, havia uma rica diversidade étnica de mais de mil povos, com diferentes fenótipos, territórios, línguas e hábitos de viver e conviver. Éramos mais de 3 milhões de pessoas. Acontece que a confusão etimológica se deu logo no início. O termo índio foi atribuído aos nativos por Cristóvão Colombo, em meados de 1.500, que acreditava ter chegado às Índias. Inclusive, os europeus davam essa designação não apenas aos habitantes da Índia, mas a todos aqueles do sudeste asiático. Daí o termo no plural: índios.
Nesta época, o nome índio era uma maneira de diferenciar os brancos dos nativos, vistos como animalescos e inferiores. Universalizar o nome também foi um mecanismo para apagar as identidades culturais, a ancestralidade e a dignidade dos povos colonizados.
De acordo com Daniel Munduruku, escritor, professor, doutor em Educação, pós-doutor em Linguística, um dos grandes pensadores indígenas do Brasil, a palavra “índio” remete a estereótipos que reduzem os povos originários à selvagens:
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Ou seja, o termo índio é genérico. É baseado em ideias ultrapassadas que não abrangem a pluralidade dos povos nativos. Sendo assim, usá-lo hoje é, além de ato desrespeitoso, um contrassenso.
A ORIGEM DO TERMO INDÍGENA
A palavra Indígena vem do latim e já existia antes das grandes navegações. Indu significa “dentro”, e geno “nascer”. Indígena remete a “natural da terra, nativo, aquele que é originário da terra”.
Ser indígena é ser aquele que já estava ali antes dos outros. É um termo abrangente e justo, pois demonstra diversidade. Exprime que cada povo, de cada etnia, de onde quer que seja, é único, com suas próprias línguas, costumes, tradições e culturas.
Mais de 500 anos depois do primeiro contato entre indígenas e europeus, os povos nativos seguem como parte estruturante e significativa do Brasil. De acordo com dados do último Censo, há aproximadamente 900 mil indígenas no país, pertencentes a 305 etnias, que se comunicam em 274 línguas. Somos quase um 1% da sociedade – e uma riqueza ancestral que merece ser reconhecida e honrada.
Conhecer a perspectiva daqueles que por tanto tempo foram silenciados e subjugados é fundamental para o processo decolonial. Permite que os indígenas deixem de estar à parte da sociedade e possam ocupar o seu lugar de direito, em todos os espaços possíveis que julgarem estar. Entender o contexto histórico, político e econômico da colonização e reconhecer as vivências e saberes indígenas é um convite a olhar os povos originários com mais generosidade e respeito.
Somos Indígenas, e não índios. Utilizar o nome correto é honrar a nossa ancestralidade e faz toda a diferença para o fortalecimento da nossa identidade.
FOTO DE ABERTURA: Nu Abe
Jovens Guaranis da menor demarcação indígena do país, localizada na periferia de São Paulo, contam suas vivências, sonhos e paixões.