#Emergereposta: Texto de Vitória Guilhermina com Edição Evelyn Vilhena originalmente publicado no Desenrola e Não Me Enrola
A camiseta do Brasil é como um símbolo dentro das periferias, mas há algum tempo passou a ter uma relação diferente, seja pelo contexto político vivenciado nos últimos anos no país ou até mesmo pela onda do Brasil Core. Muitas pessoas seguiram usando a camiseta, mas outras deixaram de usar a peça, por vezes associada a uma ligação política.
Com a chegada da Copa do Mundo e esse simbolismo criado em torno da camiseta, principalmente a verde e amarela, marcas de quebrada estão retomando uma narrativa e estética periférica.
“Não tem peça de roupa mais simbólica que a camiseta da seleção brasileira dentro da quebrada”, afirma Milena Nascimento, 24, moradora do Grajaú, zona sul de São Paulo, fundadora e editora criativa da MILE LAB. A marca criada por Milena, representa uma moda marginal, ativista e em prol do reconhecimento de corpos periféricos no mundo.
Milena conta que a criação da marca foi a chance de colocar sua identidade no mapa, de registrar e legitimar sua estética de forma que nenhum processo histórico ou político apague isso. Para ela, essa expressão marginal está presente de forma viva na história da moda e a partir disso constrói a imagem de suas peças e da sua marca.
A editora criativa aponta que conversa com um público que por muito tempo não teve sua história contada. “O nosso público alvo é quem é alvo do sistema. Pessoas que são criminalizadas, marginalizadas, apagadas, silenciadas cotidianamente. As que podem sofrer qualquer violência a qualquer momento, porque a gente não tem direito que resguarde as nossas vidas.” afirma Milena Nascimento, que tem como pilar da marca fazer com que esse público vista a própria história.
A camiseta do Brasil lançada por Milena Nascimento na Mile Lab, a “Brasil Favela”, traz elementos lidos como marginais para dentro das cores verde e amarela. Símbolos que remetem as periferias e que por vezes fazem vários minas e manos serem enquadrados diariamente.
“Vestir o amarelo e verde hoje traz um peso muito grande pensando no que ela se tornou nos últimos tempos. Mas ao mesmo tempo você está ali de pé, falando ‘eu vou usar sim’. Se está incomodando os outros, que bom. É realmente a gente tomar isso de volta. O quanto de coisa nossa que já não roubaram a vida inteira.” aponta Milena Nascimento, criadora da Mile Lab.
Ela ressalta que para não restarem dúvidas que a amarelinha é também da quebrada, estampou referências que fazem parte dessa estética. “Elementos que muitas vezes são carregados nas peitas de quebrada, que é chamado de chave de enquadro, que é break, são elementos que são lidos como marginais”, afirma.
“Quantos amigos meus já não foram enquadrados pelas roupas que usam e justamente roupas que carregam o que? Um tio patinhas, irmãos metralha, ‘chora agora e ri depois’, ‘dois por amor e um por dinheiro’. Quis juntar tudo isso na camiseta amarelinha que tem toda essa questão de resgate e tornar de fato essa armadura”
MILENA NASCIMENTO
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Milena ainda aponta que sua a maior admiração são os moleques da quebrada, que mesmo sabendo que os elementos que carregam nas roupas podem fazer com que sejam abordados, não os deixam de usar, porque contam a história deles e fazem parte de quem são. Para ela, isso representa um ato político e de resistência que admira, pois “o que estamos criando na quebrada é a verdadeira tendência do que é moda brasileira”.
“A marca vem do lugar de entender a importância que a roupa tem para quem é de quebrada, quanto é importante se vestir bem usando algo que te representa”, afirma Fabrício Rodrigues.
Fabrício Rodrigues, 29, morador do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, é historiador e um dos criadores da Corre Store, marca de quebrada para quem está no corre.
A camiseta “Brazuca”, lançada pela Corre, surge do entendimento dos criadores da marca sobre a necessidade de existir uma camisa que dialogue com o futebol, sem deixar de pontuar as questões políticas e sociais que atravessam as cores verde e amarelo ou até mesmo do emblema da CBF – Confederação Brasileira de Futebol.
Fabrício conta que a primeira camiseta da Corre em referência ao Brasil é branca e azul, e traz o emblema da seleção brasileira rachado no meio.
“Sabemos que esse emblema da CBF é muito questionado. É uma instituição que existe índices de corrupção há muitos anos. Teve desvio de conduta, de ética, então olhando para isso pensamos em manter o símbolo, mas também colocar uma rachadura para representar que ela é meio quebrada, que não representa o povo”, afirma Fabrício.
O co-criador da Corre e também historiador, explica que a palavra “Brazuca”, que dá nome à peça da marca, era utilizada pelos portugueses com caráter depreciativo para apontar os brasileiros como algo inferior. Aqueles que não prestam, que não servem.
“Os jogos da Copa de 1992, falava-se muito isso, os brazucas. Vamos resgatar esse nome e o nome Brasil. Vamos pensar melhor em como representar nossa seleção, porque querendo ou não a seleção é nossa, a gente discorda de tudo que está lá, de como está, mas ela é nossa”, aponta Fabrício.
“Basta você ver a quanto saiu a camiseta da Copa pela Nike. Saiu a 300 reais. A gente gosta da seleção, mas a quebra [do símbolo da CBF] é nosso desconforto, mostrar que a gente apoia o futebol, mas que existe um desconforto da parte da massa em concordar com as instituições”
FABRÍCIO RODRIGUES
Ele ressalta que para além da camiseta do Brasil, a marca aborda a importância que a roupa tem para quem é da quebrada. “Conseguimos construir um público que sabe a importância de consumir de uma marca de quebrada. A galera quer comprar e ter acesso a uma marca que foi criada no seu território”, finaliza Fabrício, ressaltando que a primeira remessa da Brazuca acabou em 10 dias e estão na produção.
“Retomar a camiseta do Brasil é sobre autoestima. Sempre foi um símbolo nosso”, aponta Gleison Andrade.
Brasil Street é o nome da camiseta criada pela Andrart, que se coloca como a marca do gueto. Além de criador da Andrart, Gleison Andrade, 25, é design gráfico, estampador e morador do bairro Jardim Conquista, no distrito de Perus, zona noroeste de São Paulo.
Gleison compartilha que a ideia da camiseta em referência ao Brasil surgiu em 2021, mas que não queria utilizar a cor amarela “por conta desse presidente e tudo que ele fez a nossa camiseta do Brasil representar”, afirma.
O design gráfico quis fazer algo com a estética da sua marca, mantendo o preto e branco, mas com algo que representasse as cores do Brasil.
“Coloquei o verde, amarelo e azul no meio em degradê. O logo de um lado branco e o brasão do Brasil em branco também, porque não nos representa esse brasão”, aponta Gleison em uma referência semelhante à marca Corre Store.
A camiseta Brasil Street também faz menção ao hip hop, o que para Gleison torna mais confortável para as pessoas usarem a partir dessa abordagem sobre o Brasil. Além de representar o futebol, a camiseta mostra a identidade e referências do criador.
“A camiseta sempre foi um símbolo nosso, então criar uma e fazer com que os meus usem, fazer com que a quebrada consuma, é trabalhar nossa autoestima também. O próprio ensaio da camiseta é um trabalho de autoestima, de estar bonito com a camiseta no meio da favela”
GLEISON ANDRADE
A marca também representa a ideia de fortalecimento coletivo na quebrada, pois começou a ser criada dentro do quarto de Gleison e hoje se desenvolve em um espaço colaborativo em Perus, a Casa Preta Perus, criada junto com a Afro Perifa, marca também da quebrada.
Gleison é quem cria suas todas etapas de produção de suas peças. “Como eu trabalho com serigrafia, eu mesmo estampo, crio a estampa, na parte da serigrafia eu mesmo monto as telas e faço nas camisetas”, compartilha.
As principais referências para a criação da camiseta da marca vem da união do rap, futebol e funk. Pensada para representar a vivência de quem é da quebrada e a autoestima para pessoas pretas e periféricas que não se sentem pertencentes em usar uma camiseta oficial do Brasil.
“O mais importante é atingir quem é igual a mim e se identifica, porque eu trago muita referência no meu trabalho, muita a vivência, e quem é, sabe. Isso é sobre autoestima”, finaliza Gleison.
Este texto foi originalmente publicado no Desenrola e Não Me Enrola
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