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Luedji Luna imerge na humanidade das mulheres negras

22/10/2020

Luedji Luna em foto meio tremida, com um top creme e uma saia creme. Ela é negra e tem black power

No novo álbum "Bom Mesmo é Estar Debaixo D’Água", cantora versa sobre a sua própria experiência de amar, ser amada e desamar, outros desejos e sentimentos

No novo álbum “Bom Mesmo é Estar Debaixo D’Água”, Luedji Luna versa sobre a sua própria experiência de amar, ser amada e desamar, além de outros desejos

Bom Mesmo é Estar Debaixo D’Água“, o segundo álbum da cantora e compositora baiana Luedji Luna, foi lançado no dia 14 de outubro nas plataformas de streaming e vem recheado de boas surpresas. Parte das músicas foram gravadas em países da África, como Quênia, Burundi e Madagascar, com participações de músicos locais e coprodução do guitarrista queniano Kato Change.

Luedji Luna, mulher negra com cabelos pretos black power, em uma foto nua, com os braços tapando os seios. Ela está olhando para o lado
LUEDJI LUNA: ARTE COMO RESPIRO

Nas canções, a delicada voz da cantora versa sobre a afetividade e a humanidade das mulheres negras e dá continuidade ao icônico “Um Corpo no Mundo”, disco lançado há três anos que retratava a conexão de Luedji com a ancestralidade e um olhar da cantora para si mesma.

Eu sempre utilizo a arte como um respiro em meio ao caos que vivemos – e o álbum de Luedji Luna veio como um presente neste ano tão turbulento. Por meio da arte, principalmente da música, consigo me distrair e enfrentar meus problemas pessoais com mais leveza. Além de estarmos atravessando uma pandemia, tenho minhas crises de ansiedade, fico sobrecarregada com trabalho e as atividades da faculdade, vivo meus desamores e, por último, mas não menos importante, sou uma mulher negra, o que me leva a estar sempre resistindo na sociedade.

Semanas antes da chegada do álbum, a cantora nos deu uma amostra do que estava por vir com o lançamento do single que batiza o álbum. A música é uma parceria da compositora baiana com François Muleka, cantor e multi-instrumentista filho de congoleses nascido em São Paulo, e fala sobre tempos de afeto e respeitar o tempo do outro. O single veio acompanhado de um videoclipe emocionante com cenas de Luedji grávida em uma praia vazia. Ao assistir, eu já fiquei totalmente submersa e encantada com as referências a Oxum, orixá feminino ligado ao amor e maternidade.

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Sou fã incondicional do trabalho da Luedji Luna e sabia que viria coisa boa quando ela começou a soltar de mansinho alguns detalhes do novo álbum em suas redes sociais, com textos que me tocavam profundamente. Lembro que eram 00h do dia 14 quando o álbum foi apresentado nas plataformas digitais. Eu estava passando por uma crise de ansiedade e rapidamente fui ouvir para tentar me acalmar. Apaguei a luz do quarto, coloquei os fones de ouvido, deitei-me na cama e, logo na primeira frase do álbum, as lágrimas vieram.

Ao ouvir a estrofe “o amor é coisa que mói muximba e depois o mesmo o que faz curar”, da canção que inicia o álbum “Uanga”, logo pensei “OBRIGADA POR EXISTIR, LUEDJI!!!”. A frase é do poeta Lande Onawale, autor da epígrafe “reaja à violência policial, beije sua preta em praça pública“.

As músicas do disco, que estão no meu modo repeat desde o lançamento, são uma mistura de jazz, MPB, reggae e ritmos africanos. O álbum é recheado de 12 faixas que colocam a mulher negra falando em primeira pessoa sobre amores, desamores, humanidade, desejo e sentimentos.

Parte do rosto de Luedji Luna, mulher negra de cabelo preso em um coque. Ela olha para a câmera, mas parte do rosto está tapado por um objeto branco
NOVO DISCO FOI PRODUZIDO DURANTE A GESTAÇÃO DA CANTORA E FINALIZADO EM PLENA PANDEMIA

A música Lençóis foi composta com a escritora Cidinha da Silva e gravada com a participação da poeta Tatiane Nascimento; Recado é uma parceria com a poeta baiana Dejanira Rainha Santos Melo; Erro é uma parceria com a compositora Marissol Mwaba; Ain’t Got No é uma canção de Nina Simone, que na regravação de Luedji Luna traz ao final Conceição Evaristo recitando seu poema “A noite não adormece nos olhos das mulheres”. E o impacto persiste com a faixa Ain’t I a Woman, em que Luedji canta “Eu sou a preta que tu come e não assume (…), por acaso, eu não sou uma mulher ?”, que é uma referência ao livro da teórica feminista bell hooks “E eu não sou uma mulher?”, onde a escritora discorre sobre a mulher negra e questões socioculturais. Em todo o trabalho, é recorrente a figura da mulher negra de forma potente, poética e sensível, com letras que ecoam o que muitas mulheres pretas têm entalado na garganta.

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ESPLENDOR VISUAL

Pera, pera, ainda não acabou. Além de toda a riqueza das músicas, Luedji Luna ainda nos presenteou com um álbum visual (#abalou). Disponível no YouTube, o filme aumenta a potência e significado de cura através da arte. O trabalho foi gravado durante a gestação de Luedji e possui cenas que se desdobram entre o mar e as ruas, numa quarta de cinzas em Salvador. Há também uma chuva de elementos ancestrais, como quando a cantora faz referência a uma pomba gira e aos orixás femininos através de elementos da natureza e as conexões entre o espiritual e o humano. O filme, com 23 minutos de duração, foi dirigido por Joyce Prado e construído por uma equipe de pessoas pretas.

Por muitas vezes, falar sobre amor é uma ação complexa para a comunidade negra, onde o tema acaba virando sinônimo de dor. No livro Vivendo de Amor, a escritora bell hooks diz: “muitas mulheres negras sentem que em suas vidas existe pouco ou nenhum amor. Essa é uma de nossas verdades privadas que raramente é discutida em público. Essa realidade é tão dolorosa que as mulheres negras raramente falam abertamente sobre isso”.

E é aí que reside mais um grande trunfo de Luedji Luna: conseguir falar e transmitir sobre o amor com maestria e potência, principalmente para nós, mulheres negras

Se você é um homem negro, te aconselho a ouvir o álbum e entender nossas dores e medos com a mesma sensibilidade que a cantora coloca em seu trabalho. É um álbum necessário e que conversa com os nossos sentimentos, desperta nossas memórias e fala diretamente sobre amor em suas diversas facetas.

Por tudo isso, me arrepiei, chorei, sorri, fui levada para uma outra dimensão… Em cada play, as músicas tocam uma ferida ao mesmo tempo em que trazem uma cura. É reflexão que nos faz transbordar. É afeto que traz acalanto. É potência ancestral que nos inunda a alma. É profundidade que faz a gente desaguar. Ouça, assista e mergulhe de peito aberto no novo da cantora – e se deixe afogar sem medo, pois bom mesmo é estar debaixo d’água com Luedji.

FOTOGRAFIAS: Helen Salomão

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