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BadSista: “Se eu chegasse muito suave, tomaria pisada”

06/12/2017

Fundadora do coletivo Bandida e diretora musical do álbum Pajubá, de Linn da Quebrada, conta os desafios enfrentados para ganhar notoriedade no cenário musical paulistano.

Recentemente, o lançamento do disco de estreia de Linn da Quebrada causou furor no meio musical. Intitulado Pajubá, o álbum trouxe músicas já conhecidas da artista terrorista de gênero, como Bicha Preta e (+ Muito) Talento.

Entre as faixas até então inéditas, se destaca Bomba Pra Caralho. Com uma letra crua e reta (“fatura da viatura que não atura pobre, preta, revoltada”), a canção é apoiada por batidas eletrônicas em que a fala e a rima ganham destaque.

O álbum como um todo segue a linha que elevou Linn a símbolo de uma geração. E o sucesso foi imediato: logo na semana de estreia, teve mais de 250 mil acessos no Spotify. Há poucos dias, a Associação Paulista dos Críticos de Arte elegeu Pajubá um dos 25 melhores discos nacionais lançados no segundo semestre.

E uma das responsáveis pela façanha é a produtora e DJ BadSista, de 24 anos, que assina a direção musical de Pajubá.

Nascida em Itaquera, BadSista tem ganhado notoriedade devido aos seus sets intensos, que mesclam funk, brega funk (ritmo de origem pernambucana), arrocha, dance dos anos 90, R&B, techno e bass.

BADSISTA DURANTE A FESTA BANDIDA + MORMAÇO DE RUA/Reprodução Facebook

Ao longo de quatro anos de carreira, a lista de parcerias da jovem produtora é extensa. Em junho, ela participou do álbum de remixes de A Mulher do Fim do Mundo, de Elza Soares. No disco, BadSista remixou a faixa Firmeza, junto com a dupla Marginal Men.

Há pouco mais de um ano, ela também fez parte de uma instalação da artista plástica Vivian Cacuri, durante a 32ª Bienal de Arte de São Paulo. Lá, se apresentou utilizando um sistema de som feito com alto-falantes empilhados. Os equipamentos costumam ser usados em festas de rua na cidade de Acra, em Gana, onde Vivian realizou pesquisas para conceber a obra Tabombass.

Outro trampo foi a produção do álbum Quem Tem Fé Tá Vivo, de Lei Di Dai. Lançado em 2016, o disco marcou os dez anos de carreira da cantora de dancehall, estilo de música de origem jamaicana.

Vale lembrar que Lei Di Dai foi uma das responsáveis pela inserção de BadSista na cena musical paulistana. Ainda em 2015, a cantora a convidou para conhecer o projeto Pulso, que reúne diferentes artistas emergentes no Red Bull Station, em São Paulo.

“No dia do evento, fiquei tão ansiosa que esqueci meus óculos em casa”, diz Badsista. “Passei a tarde inteira conhecendo gente que achava muito foda vendo só borrões.”

Entre as pessoas que Badsista achava “muito foda” estavam produtores ligados à gravadora Beatwise. As conversas informais renderam convites para ela tocar em diferentes festas, como a Wobble, que acontecia no Bar Secreto.

Poucos meses depois, BadSista se apresentaria no Rio de Janeiro, na festa de estreia do curta-metragem Kbela. Dirigido por Yasmin Thayná, o filme aborda o racismo cotidiano vivido por mulheres negras. Elas, então, passam a enxergar seus cabelos crespos como forma de empoderamento.

Na mesma época, BadSista lançou a música Na Madruga, parceria com o produtor brasiliense Tap, que saiu pela gravadora Beatwise. A partir do carnaval de 2016, passou a viajar por diversas cidades brasileiras, como Curitiba, Sorocaba e Natal. Desde então, não parou mais.

DE RBD A RAUL SEIXAS

A iniciação de BadSista na música começou aos seis anos. Em casa, seu passatempo era brincar de tocar violão – o que rendia broncas dos familiares devido ao barulho ensurdecedor.

Aos 11 anos, ela deixou São Paulo rumo a Natal, no Rio Grande do Norte, estado de origem de sua família. Tímida e sem muitos amigos, sua diversão era estudar violão com ajuda de revistinhas cifradas. Nos anos seguintes, o interesse por música só crescia. Aprendeu a tocar teclado num curso popular e teve aulas de violão clássico, quando refinou sua técnica ao aprender Bossa Nova.

E o que a futura produtora musical ouvia?

“Gostava muito de RBD, a banda da novela mexicana Rebelde, e de Pitty. Por influência da família, também ouvia muito forró, pagode e Raul Seixas.”

Ao voltar para São Paulo, em 2007, surgiu o interesse por computadores. Nas lan houses de sua vizinhança, ela era a única menina entre os garotos fãs de jogos de guerra.

A junção entre música e tecnologia só veio acontecer quando BadSista conseguiu uma bolsa para cursar produção de música eletrônica, na Universidade Anhembi Morumbi.

O início do curso causou desconforto devido à disparidade de renda dos alunos e o fato de a sala ter apenas três meninas. No entanto, a faculdade foi uma oportunidade para BadSista ter acesso a equipamentos profissionais.

Paralelamente à graduação, BadSista ganhava dinheiro tocando violão e cantando em barzinhos de Santo Amaro, Itaquera e Mooca. No repertório, havia músicas de sertanejo, MPB e rock nacional.

A vida como cantora chegou ao fim somente em meados de 2015, quando ela passou a tocar em festas de música eletrônica e ganhou liberdade financeira.

LEMBRE-SE DO MEU NOME

Ainda na época da faculdade, BadSista passou a divulgar suas produções no SoundCloud, famosa plataforma de compartilhamento de música. Ao criar seu perfil, sentiu a necessidade de um nome artístico. A inspiração veio das constantes brigas que tinha com o irmão Thiago, durante a adolescência.

O nome mordaz também foi uma forma de transmitir segurança e impor respeito, logo de cara, num meio musical dominado por homens.

“Sou mina, sou lésbica, sou periférica. Se eu chegasse muito suave, tomaria pisada. Não poderia deixar dúvidas sobre quem eu sou.”

No início da carreira, era comum BadSista sofrer preconceito pelo fato de ser mulher. Ao chegar nas festas, costumava ser interpelada por homens, que perguntavam se ela sabia o que estava fazendo ao montar seus equipamentos.

Também era comum receber convites para tocar de graça – enquanto DJs homens com o mesmo nível de experiência recebiam centenas de reais como cachê.

Hoje, ela se sente privilegiada por ter ganhado respeito no meio musical. O fato fez com que ela criasse o coletivo Bandida, formado exclusivamente por mulheres DJs e produtoras (grande parte negra e de periferia).

“É uma responsabilidade social fazer com que outras DJs possam crescer junto comigo, fazer festas, ganhar cachês justos e serem respeitadas como profissionais.”

Atualmente, além de BadSista, o coletivo tem como integrantes as DJs Blackat, Sijeh, Tati Lisbon e a produtora cultural Jéssica Pauline.

Agora, BadSista tem planos de transformar o coletivo num núcleo maior de empoderamento feminino, com a criação de workshops de produção musical e discotecagem.

FESTA DO COLETIVO BANDIDA: EMPODERAMENTO DE MULHERES DJS/Foto: Marcus David

Numa simbiose entre discurso e atuação prática, BadSista mantém um posicionamento feminista. A abertura de um de seus sets aborda os desafios de ser mulher lésbica na periferia.

Questionada sobre como é possível criar uma sinergia entre um discurso feminista e as músicas de funk com apelo sexual presentes em seus sets, BadSista afirma que não pode deslegitimar “a arte da quebrada”:

“Muitos MCs fazem músicas de putaria, pois é isso que está pegando. Por outro lado, não toco músicas que pregam a violência contra a mulher.”

Atualmente, BadSista está participando da segunda edição do Meio Fio. A iniciativa é realizada pela marca Melissa, que fomenta projetos de pessoas criativas que atuam na música, artes plásticas e moda.

Em novembro, ela também foi indicada ao prêmio Women’s Music Event Awards, na categoria melhor DJ. O evento foi organizado pela VEVO Brasil e pelo Women’s Music Event, plataforma digital criada para aumentar o protagonismo da mulher na música.

Para ela, o importante é conversar com pessoas diferentes e circular por ambientes distintos. É a sua fonte de inspiração. É assim que BadSista se resolve: “Sempre soube chegar e sair dos lugares por onde passei.”

Siga BadSista no Soundcloud.

FOTO: Kalinca Maki

Quem escreveu

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Italo Rufino

Jornalista pós-graduado em marketing com dez anos de experiência. Trabalhou na revista Exame PME (Editora Abril), nos sites Diário do Comércio e Projeto Draft e na ONG de urbanismo social A Cidade Precisa de Você. Natural de Diadema (RMSP). Pai de uma criança de 10 anos. Fundador da Emerge.

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