Bares criam drink para mulheres comunicar violência

30/12/2025

Medida criativa aciona Protocolo Não Se Cale, criado para combater violência de gênero em espaços de lazer.

O “Protocolo Não Se Cale”, também conhecido como “No Callem” ou “Protocolo Barcelona”, foi criado em 2018 após a pressão da sociedade sobre as autoridades da cidade espanhola. Apesar dos diferentes nomes, o objetivo é o mesmo: combater a violência sexual contra mulheres em espaços de lazer.

O protocolo surgiu após um caso de estupro coletivo ganhar repercussão internacional. O crime aconteceu durante a tradicional festa de San Fermín.

Na época, a decisão judicial não considerou o crime como estupro, mas sim como “abuso sexual”, o que gerou protestos e revolta em todo o país. A ampla repercussão levou o governo espanhol a criar uma lei voltado à proteção de vítimas de violência sexual.

LEIA MAIS: Uma brasileira na revolução das mulheres no Oriente Médio.

No Brasil, o protocolo ficou conhecido após a denúncia contra o ex-jogador da seleção brasileira Daniel Alves, acusado de estupro e abuso sexual em uma balada em Barcelona. Alves ficou preso por um ano e quatro meses. A vítima acionou o protocolo no local, o que deu agilidade na investigação da ocorrência.

Inspirado na experiência espanhola, o protocolo chegou ao Brasil e se tornou lei em 2023 (Lei nº 17.621/23), sancionada pelo Governo do Estado de São Paulo. O regulamento obriga estabelecimentos a adotarem medidas de auxílio a mulheres em situação de risco. A fiscalização do cumprimento da lei cabe ao Procon.

De acordo com Mayara Cruz Sacoman, assistente social da 5ª Delegacia de Defesa da Mulher, na zona leste, os funcionários dos estabelecimentos devem receber treinamento para compreender o regulamento e aplicá-lo quando necessário.

“Em caso de violência contra mulheres em bares, baladas e restaurante, os funcionários devem ainda acionar a Polícia Militar ou a Guarda Municipal e encaminhar a vítima à Delegacia de Defesa da Mulher.”

Mayara Sacoman, assistente social da 5ª Delegacia de Defesa da Mulher.

Com o objetivo de cumprir a lei, alguns bares e restaurantes criaram um código em forma de drink secreto para que as clientes possam acionar o protocolo discretamente e com mais segurança.

Um exemplo é o Quiosque Mooca, na zona leste de São Paulo. No banheiro feminino, há um cartaz que informa sobre o procedimento. Mulheres que se sintam desconfortáveis ou em situação de risco acionam o protocolo ao pedir ao garçom o “Drink Maria”. Na sequência, o funcionário deve comunicar o gerente, oferecer apoio à vítima e, se necessário, acionar a polícia.

A ideia de adaptar o protocolo num pedido de drink surgiu do setor de marketing do estabelecimento. Segundo Wagner dos Reis, proprietário do Quiosque Mooca, o local é bastante engajado nas redes sociais e busca constantemente aprimorar a segurança dos clientes.

“Todos os funcionários, inclusive os freelancers, recebem treinamento para saber como agir diante de situações de violência”, afirma Wagner.

Para Adriana Ribeiro, 28 anos, cliente do estabelecimento, a iniciativa é de extrema importância. “Acredito que isso torna o local mais seguro e confiável para as consumidoras mulheres”, diz.

Até junho de 2025, o “Drink Maria” ainda não havia sido solicitado.

EFETIVIDADE DEPENDE DE ESTABELECIMENTOS E FUNCIONÁRIOS PREPARADOS

Também localizado na Mooca, o Deck Lounge Bar é outro estabelecimento que adota o drink secreto como medida de segurança. A utilização do protocolo é conhecida entre os frequentadores.

Camila Duarte, 28, cliente do local, explica que soube da lei que instituiu o protocolo por campanhas realizadas pelo bar nas redes sociais. Agora, costuma buscar placas informativas nos banheiros de outros bares que frequenta.

Mas ela alerta: “a iniciativa só faz diferença se o estabelecimento e os funcionários estiverem realmente preparados para acolher a vítima e denunciar o agressor”.

VEJA TAMBÉM: Detox de homem. Mulheres têm evitado relacionamentos.

Já a estudante Beatriz Rossi, 20, frequentadora do Bar Janela, na zona leste de São Paulo, diz que não conhecia o protocolo. Ela acredita que os bares da cidade ainda não estão totalmente preparados para lidar com casos de assédio, já que o número de ocorrências continua alto e as medidas adotadas, segundo ela, ainda são insuficientes.

Beatriz relata já ter sido vítima de assédio em um bar e conta que, na ocasião, o estabelecimento não tomou nenhuma providência. Apesar disso, considera positiva a existência do protocolo, pois acredita que sua implementação contribui para que as mulheres se sintam mais seguras ao frequentar bares e restaurantes.

“A adoção dessa medida transmite uma sensação de segurança para nós, mulheres”, diz Beatriz.

A aplicação do “Protocolo Não Se Cale” em espaços de lazer em São Paulo representa uma ação significativa no combate à violência contra as mulheres. Dados recentes reforçam a urgência dessas medidas.

Em 2024, o Brasil registrou cerca de 1.450 casos de feminicídio, um aumento em relação ao ano anterior, segundo a Agência Brasil. Além disso, o relatório do Laboratório de Estudos de Feminicídio (LESFEM) aponta que, apenas no primeiro semestre de 2024, foram registrados 905 casos consumados.

Quem escreveu

Foto de Redação Emerge Mag

Redação Emerge Mag

Revista digital de cultura, direitos humanos e economia criativa interseccional e consultoria de diversidade e impacto social (ESG).

Inscreva-se na nossa

newsletter

MATÉRIAS MAIS LIDAS

ÚLTIMAS MATÉRIAS

NEWSLETTER EMERGE MAG

Os principais conteúdos, debates e assuntos de cultura, direitos humanos e economia criativa interseccional no seu e-mail. Envio quinzenal, às quartas-feiras.