A estudante Fernanda*, 25 anos, não tem namorado, e pretende continuar solteira por um bom tempo. Seu último relacionamento durou dez anos – e foi uma gangorra de emoções. Entre 2012 e 2022, ela namorou Caique*. Da Brasilândia, na zona noroeste de São Paulo, o casal morava junto e falava em casamento, civil e religioso. A crença na relação, somada a valores de uma sociedade machista, fazia com que Fernanda fosse extremamente dedicada ao lar. Enquanto Caique esteve desempregado, ela bancou sozinha as contas e as tarefas da casa.
No entanto, a expectativa de dias melhores chegou ao fim de forma repentina. Após descobrir que Caique mantinha relacionamentos secretos com outras jovens do bairro, Fernanda terminou o namoro. “Fiquei arrasada”, diz ela. “Minha autoestima foi ao chão e chorei durante semanas”. Findado o luto, Fernanda tem se reconstruído com ajuda de tratamento psicológico e dedicação a faculdade de Letras.
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Assim como Fernanda, outras mulheres têm escolhido não se relacionar com homens, emocional e sexualmente. Entre os motivos: falta de responsabilidade afetiva, machismo e outros comportamentos tóxicos por parte deles. O celibato voluntário delas tem nome: heteropessimismo. O termo foi criado pelo escritor britânico Asa Seresin, em 2019.
O heteropessimismo é um neologismo que descreve uma visão descrente e pessimista dos relacionamentos heterossexuais. O descontentamento envolve desde a frustração após uma série de dates ruins até a vergonha de fazer parte da comunidade hétero (sai, hétero).
O que tem rolado é que as mulheres estão cansadas das dinâmicas tradicionais de gênero e de relacionamentos, que têm gerado péssimas experiências para elas. Do outro lado, em boa parte dos casos, o que se vê são homens sem vontade de entender e acolher os seus sentimentos. Na real, parece que o heteropessimismo é mais uma pá de terra jogada em cima das histórias de princesas e contos de fada, com mocinhas e mochinhos que vivem felizes para sempre.
SINAIS VERMELHOS NO RELACIONAMENTO
Em 2021, a jornalista Marcela Casagrande, a Martchela, criou o podcast Lambisgoia. Ao lado de convidadas, ela compartilha histórias de dates ruins, dá risadas das próprias enrascadas e orienta mulheres sobre a toxicidade masculina. Marcela conta que é comum receber mensagens de ouvintes sobre como o podcast as ajudou a identificarem que estavam em relacionamentos abusivos – e criarem forças para se livrar do macho chernobyl.
“O Lambisgoia é um podcast é de humor. Porém, as histórias trazem sinais de alerta de relacionamentos que são ciladas”.
Os sinais mais comuns são o homem evitar falar sobre os próprios sentimentos, ter altos e baixos contínuos de demonstração de interesse, não apresentar a mulher aos amigos e procurá-la somente quando deseja sexo.
Esses comportamentos fazem com que as mulheres criem uma barreira sentimental. Como uma estratégia de autopreservação, elas passam a nem cogitar a possibilidade de sair com um homem, mesmo que seja somente para um encontro sexual.
No momento, Marcela está em celibato. Os dates ruins deram espaço para mais passeios com amigos, encontros com pessoas que não via há muito tempo e leituras.
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CHORAR POR HOMEM? NÃO MAIS
Relacionamentos ruins criam uma sensação de impotência e desamparo. É tipo aquele pensamento “será que eu tenho o dedo podre?”. Quando recorrente, minam a autoestima.
Fragilizadas, as mulheres se sentem incapazes de exercer poder e autonomia nos relacionamentos seguintes. Nesse caso, o perigo aumenta. Elas podem entrar num ciclo de ansiedade, desilusão e depressão.
A engenheira Camila Moraes, 33 anos, afirma que os últimos relacionamentos afetaram a sua autoestima. Ela costuma perceber que oferece mais do que recebe, seja em atenção e companheirismo quanto na qualidade do sexo.
Ela cita que por mais de uma vez recebeu o famoso ghosting – termo que faz alusão a um término repentino de relacionamento ou interação sem explicação, também conhecido como “dar um gelo”, só que mais longo. Aviso para aqueles se fazem de sonso: se você está conversando regularmente com uma mulher e para de responder, sem deixar explícito o motivo, você está dando ghosting.
O ghosting representa uma falta de maturidade do outro, que não consegue comunicar suas intenções e expectativas. Por exemplo, é comum os homens sumirem por medo de se envolver intimamente. Às vezes, inclusive, só de imaginar que o lance, talvez, se torne um relacionamento, eles correm.
Para Camila, o ghosting é nitidamente um sinal de falta de reciprocidade. No passado, ela até que insistia, porém sentia que era humilhante. Hoje, ao menor sinal de desinteresse, ela pula do barco – às vezes, antes mesmo ter entrado com os dois pés. Espontânea e divertida, ela resume o que muitas de nós pensam:
Atualmente, Camila tem dedicado mais tempo para o seu negócio, um estúdio de arquitetura e reformas de construção civil, criado com uma amiga, que também é um “mulherão da porra”.
A psicóloga Renata de Azevedo, especialista em relacionamentos, explica que o nível de ansiedade aumenta quando a pessoa tem expectativas frustradas. Quando as experiências negativas são recorrentes, a mulher acaba se sentindo culpada ou, até mesmo, merecedora daquela infelicidade.
“A ansiedade pode fazer com que elas tenham dificuldades em iniciar um novo relacionamento”, diz a psicóloga. “Em outros casos, há mulheres que preferem manter relacionamentos ruins pelo receio de se sentirem sozinhas”.
O que podemos encontrar em comum entre as histórias dessas mulheres? Todas afirmam que frustrações, relações superficialidade e falta de reciprocidade fizeram com que perdessem a confiança nos homens.
Por outro lado, a escolha de tirar um tempo para o autocuidado tem criado bons horizontes, com maior autoestima e qualidade de vida, com experiências integradas em saúde, social, trabalho e estudos.
*Nomes fictícios, a pedido da fonte.