O primeiro registro conhecido de uma autobiografia escrita por uma pessoa negra é o de Olaudah Equiano, africano escravizado que publicou, em 1789, The Interesting Narrative of the Life of Olaudah Equiano (A interessante história da vida de Olaudah Equiano). A obra é considerada fundadora da literatura afro diaspórica, por narrar a escravidão e o processo de libertação sob a ótica de quem viveu a violência colonial.
Anos depois, o fortalecimento de movimentos negros, sobretudo nos Estados Unidos, impulsionou uma ampla produção literária conhecida como Renascimento Negro Norte-americano.
Esse movimento, que abrangeu vertentes como o Black Renaissance, o New Negro e o Harlem Renaissance, destacou-se pela valorização das raízes africanas e pela rejeição aos valores impostos pela chamada white middle class, a classe média branca americana. As publicações da década de 1920 abordaram temas como a segregação racial e a luta pela cidadania, tornando-se marcos de conscientização e resistência.
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No Brasil, a literatura negra surge no século XIX, tendo como pioneiros Maria Firmina dos Reis, autora de Úrsula (1859), e Luiz Gama, com Trovas Burlescas (1859). No entanto, o reconhecimento crítico e conceitual dessa produção ganhou força apenas a partir da década de 1970, quando estudos literários e movimentos sociais passaram a valorizar tanto as obras contemporâneas quanto aquelas que, antes, haviam sido invisibilizadas.

Ao longo do século XX, as mulheres negras conquistaram cada vez mais espaço, trazendo para a literatura suas vivências, memórias e questionamentos. Suas vozes revelam o inconformismo diante dos espaços limitados — sociais e simbólicos —, historicamente destinados às mulheres, sobretudo às mulheres negras.
Assim, a escrita dessas autoras, herdeiras de nomes como Maria Firmina dos Reis, transforma-se em escrevivência: uma forma de narrar e resistir, de existir e reescrever a própria história.
Para dar visibilidade ao protagonismo feminino, apresentamos seis escritoras negras contemporâneas cuja produção literária se constitui em um poderoso instrumento de resistência e afirmação.
MEL DUARTE
Com mais de 10 anos de carreira como educadora e no movimento dos slams — batalhas de poesia falada —, tem como destaque os livros Fragmentos Dispersos (2013) e Colmeia: Poemas Reunidos (2021). Em 2016, foi primeira mulher a vencer o Rio Poetry Slam, campeonato internacional de poesia. Como cantora, seu último álbum, Colmeia, traz versões musicadas de seus poemas mais conhecidos, em ritmos com soul, MPB, funk brasileiro, trap e pagodão baiano.
LÍLIAN GUERRA
Tem o direito à cidade como ponto alto de suas obras, que costumam retratar mulheres de periferias. Após Perifobia (2018) e Rua do larguinho (2021), publicou O Céu para os bastardos (2023), romance que apresenta a história de uma trabalhadora doméstica que ocupa o centro da vida social graças à sua sensibilidade, simpatia e humanidade. “Quase nunca a gente tem nome. É a moça do café, a tia da limpeza, a moça da merenda. Quero que as pessoas tenham nome, rosto, história”, diz a autora.
CIDINHA DA SILVA
Já publicou mais de 20 livros, distribuídos pelos gêneros crônica, conto, ensaio, dramaturgia e infantil/juvenil. As obras abordam principalmente ancestralidade, história dos orixás e intersecções entre contemporaneidade e tradições, como africanas, afro-brasileiras e afro-indígenas. Seu último livro, Só bato em cachorro grande, do meu tamanho ou maior (2025), reúne lições que aprendeu com Sueli Carneiro, uma das maiores intelectuais brasileiras.
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ELIANA ALVES CRUZ
Jornalista e apresentadora do Programa Trilha de Letras (TV Brasil), se destacou como autora com o romance Água de Barrela (2016), fruto de cinco anos de pesquisa sobre a história de sua família desde os tempos da escravidão. Outro sucesso foi O crime do cais do Valongo (2018), romance histórico e policial que se inicia em Moçambique e chega até o Rio de Janeiro. Em 2022, venceu o Prêmio Jabuti de Contos, com a obra A Vestida.

RYANE LEÃO
Poeta e educadora, se consagrou nas redes sociais com a página Onde jazz meu coração, onde publica seus poemas de empoderamento negro e feminino para mais de 600 mil seguidores. Possui três livros lançados: Tudo nela brilha e queima (2017), Jamais peço desculpas por me derramar (2019) e Ninguém pode parar uma mulher ventania (2025).
JARID ARRAES
Natural do sertão cearense, ganhou notoriedade com o premiado livro de contos Redemoinho em dia quente (2019) e com o romance Corpo Desfeito (2022), que conta a história de uma família que vive uma sequência de abusos. O trauma é um tema recorrente em suas obras, inclusive a motivou a criar o Hub Górgona, iniciativa que reúne múltiplos projetos que trabalham o tema do trauma na literatura, como cursos, clube de leitura e selo editorial.
Foto de abertura: Mel Duarte, por Helen Salomão.







