Em meados do século passado, a ativista Funmilayo Kuti (1900-1978) se destacou como líder nacionalista da Nigéria. Entre seus grandes feitos, está a coordenação da campanha pelo sufrágio feminino e participação ativa no movimento anticolonial das mulheres egbas (grupo étnico iorubá) contra os impostos cobrados pela Inglaterra. Ela também foi a primeira mulher do país a dirigir um carro.
Mais de 40 anos após a sua morte, a líder foi inspiração para a criação da Funmilayo Afrobeat Orquestra. Fundado em 2019 em São Paulo, o grupo reinterpreta a história do gênero musical criado pelo icônico Fela Kuti — filho da ativista — numa valorização das contribuições das mulheres na música.
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A Funmilayo Afrobeat Orquestra oferece uma viagem sonora através de diversas vertentes afrocentradas. Seu repertório eclético combina ritmos da música africana, como o highlife, com elementos de jazz, soul music, rap e ritmos brasileiros, entre eles o maracatu.
A banda também presta homenagem a vozes femininas que deixaram sua marca na história, como Elza Soares, Alcione e as nigerianas The Lijadu Sisters.
A orquestra é formada por 12 integrantes, sendo 11 musicistas e uma dançarina. No palco, brilham Amanda dos Anjos (trombone e coro), AfroJu Zambeleua (percussão), Ana Goes (saxofone e voz), Ana Cruse (teclado e coro), Larissa Oliveira (trompete e voz), Keyth Felix (baixo), Jasper Okan (guitarra e voz), Priscila Hilário (bateria e coro), Rosa Couto (voz e percussão), Sthe Araújo (percussão e voz), Stela Nesrine (saxofone e voz) e Vanessa Soares (dançarina).
De acordo com a cofundadora Stela, 31 anos, o poder transcende a música, manifestando-se em performances que ressoam como espaços de expressão, lembrança e validação. Subir ao palco é tanto um ato de sobrevivência quanto de união.
“O afrobeat personifica a nossa essência. É música, protesto e espiritualidade.”
Stela Nesrine, cofundadora da Funmilayo Afrobeat Orquestra.
A essência falada por Stela é nítida nas apresentações da banda. Corpos se unem em perfeita sintonia com o ritmo contagiante do afrobeat. Instrumentos, vozes e movimentos de dança se entrelaçam, criando uma poderosa declaração de resistência, celebração e conexão com as raízes ancestrais.
Outro ponto de destaque é ser composta apenas por mulheres negras e pessoas LGBTQIAP+.
AFROBEAT: SUBSTANTIVO FEMININO
Nas últimas semanas, a agenda da Funmilayo Afrobeat Orquestra tem estado cheia. Além dos shows e ensaios típicos, a banda está rodando o projeto Afrobeat: Substantivo Feminino.
A iniciativa propõe reflexões sobre a presença política e poética de corpos dissidentes na música, com shows, vivências culturais e homenagens a figuras históricas do gênero.
O projeto abarca quatro shows, um em cada zona da cidade de São Paulo. O próximo, e último, acontece neste sábado (2/8), na Fábrica de Cultura Capão Redondo, na zona sul [saiba mais abaixo].
O projeto também contempla oficinas de dança e uma roda de conversa sobre a música do Atlântico Negro. A ideia é promover um intercâmbio entre saberes e práticas da diáspora africana.
Nos shows, há músicas do álbum autoral Funmilayo, lançado em 2022. Com forte influência das experiências pessoais das integrantes, as composições exploram temas como ancestralidade, feminismo negro e a vida urbana. Há também releituras, como Erora, das Lijadu Sisters, e Upside Down, uma parceria original entre Sandra Izsadore, Fela Kuti e o Afrika 70, lançado originalmente em 1970.
Afrobeat: Substantivo Feminino foi contemplado no Edital de Apoio à Cultura Negra, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. A seleção tem como objetivo fortalecer as produções culturais negras e facilitar o acesso à cultura nas áreas periféricas da cidade.
NOSSAS HISTÓRIAS, DO PASSADO E DO FUTURO
A jornada musical de Stela começou ainda na infância, numa banda da igreja que frequentava em Sorocaba, interior de São Paulo. Depois, ela estudou canto e instrumentos de sopro e participou diversos projetos musicais em São Paulo, onde voltou a morar aos 17 anos.
Em 2014, ela fundou a A Todo Canto, empresa de produção de projetos culturais. No portfólio, há os podcasts Calunguinha, O Cantador de Histórias, vencedor dos prêmios SoundUp Spotify Brasil 2021 e ComKids 2024, e Planetário, que mescla dados reais com uma história ficcional e, de maneira pedagógica e lúdica, promove a divulgação das ciências feitas por pessoas negras.
Graduanda em Educomunicação na Universidade de São Paulo, ela recebeu o Prêmio USP Mães Pesquisadoras 2023, na categoria Comunicação.
Com a Funmilayo Afrobeat, ela conta que encontrou um ambiente onde sua experiência como mulher negra se conecta à arte de maneira política e emocional.
“Preciso do apoio de mais mulheres”, diz ela. “A Funmilayo é tudo o que eu almejava fazer neste momento da minha vida.”
Vivendo o presente e com bons planos para o futuro, a banda está produzindo um novo EP, que pode ser lançado ainda em 2025. As novas composições vão explorar a relação do grupo com a cidade de São Paulo.
Assim como Funmilayo, a ativista, que a Funmilayo, a banda, continue criando narrativas partir de uma perspectiva feminista, negra e anticolonial — é a história que queremos ouvir.
SERVIÇO
Show “Afrobeat: substantivo feminino”
2 de agosto, às 19h.
Fábrica de Cultura Capão Redondo.
Rua Bacia de São Francisco, Conj. Hab. Jardim São Bento, São Paulo (SP).
Gratuito.
FOTOGRAFIA DE ABERTURA: Paris de Araujo.