Reportagem/Editorial
“Uma mulher negra de pele não escura. Cabelo preto preso em um coque alto. No braço esquerdo, pulseiras pretas e de metal. Na mão, um anel de prata e, outro, de caveira. Uso uma blusa preta — lembrando que preto é cor, negro é raça — com gola branca, para ser inclusiva.”
Foi assim que a ativista Neon Cunha, candidata a vereadora de São Paulo, fez sua autodescrição num evento online do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+. Realizado no Dia Nacional da Visibilidade Lésbica (29/8), a roda de conversa virtual abordou a trajetória de vida de Neon, políticas públicas e garantia dos direitos humanos para pessoas LGBTI+.
Mulher, negra, ameríndia e transgênera, “nessa ordem de importância”, Neon nasceu em Belo Horizonte e se mudou, aos dois anos de idade, para São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo. Filha de empregada doméstica, foi criada entre nove irmãos em plena Ditadura Militar.
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Anos mais tarde, Neon lutou pela redemocratização do país e, desde 1985, passou a atuar como defensora dos Direitos Humanos. Naquela época, era ainda mais comum mulheres trans e travestis serem perseguidas pela polícia, que as fichavam sob o crime de “vadiagem”, que era relacionado com “homossexualismo”, até então considerado um transtorno mental grave equiparado à esquizofrenia.
Outro fato comum eram as violências físicas e agressões sexuais. Durante as abordagens, os policiais selecionavam quais seriam violentadas no mesmo momento, na frente das demais. “Eles negociavam na rua quem devia ser estuprada”, diz Neon. “Como alguém viola outra pessoa apenas por questões de gênero e sexualidade?”
Neon conta que um dos seus maiores medos era ser internada num manicômio. Em 2016, frente a contínua falta de reconhecimento, segurança e dignidade, Neon pediu a Organização dos Estados Americanos (OEA) direito à morte assistida caso não pudesse retificar oficialmente seu nome e gênero, sem que fosse submetida aos processos abusivos, como a emissão de laudo psiquiátrico que era exigido na época. Seu processo criou um novo padrão que beneficiou todas pessoas transgêneras no Brasil.
Durante a conversa com as pessoas que trabalham nas empresas signatárias do Fórum, uma delas compartilhou ser mão de uma criança trans, que tem vivido situações de preconceito no ambiente escolar. “Sei que a criança enfrentará mais desafios”, disse a mãe. “Mas participar dessa conversa me vez ter mais esperança com o futuro”.
SONHOS, TRABALHO E CONQUISTAS
Há mais de 40 anos, Neon é designer gráfica na Prefeitura de São Bernardo do Campo. O trabalho de funcionária pública é conciliado com projetos criativos e políticos. Em 2022, ela foi candidata à deputada estadual em São Paulo e obteve 35 mil votos.
Nos últimos anos, Neon tem atuado fortemente no mundo da moda. Ela é colabora com o Instituto Casa de Criadores e a estilista Isa Isaac Silva [já perfilada pela Emerge]. Em 2019, Neon e Isa apresentaram uma coleção que homenageou Xica Manicongo, a primeira travesti não-indígena do Brasil, que viveu por aqui por volta de 1591. Na última São Paulo Fashion Week, em março, a inspiração foi a música Banho de Folhas, da cantora Luedji Luna, que também desfilou.
Neon também colabora com artistas da música. Inclusive, ela tem destaque no videoclipe de Oração, de Linn da Quebrada. A ativista também é articuladora da Marcha das Mulheres Negras, que aconteceu anualmente no Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e de Tereza de Benguela (25 julho).
Desde 2018, Neon Cunha dá nome a primeira casa de acolhimento para pessoas LGBTI+ do ABCD paulista, região que reúne as principais cidades vizinhas a São Paulo. A casa distribui alimentos e materiais de higiene pessoal e atende, mensalmente, entre 150 e 200 pessoas em situação de vulnerabilidade, principalmente trans.
“Perceba que a maior necessidade dessas pessoas são itens básicos, como alimentação, água e banheiro”, diz Neon.
Fundada pelo ativista maranhense Paulo Araújo, a casa surgiu por causa da ausência de políticas públicas para garantir direitos constitucionais e reduzir as desigualdades socioeconômicas que afetam as comunidades LGBTQIA+.
A candidata ressaltou a necessidade do setor privado no combate as desigualdades. Para ela, é necessário articulação das empresas com o Estado para que haja aplicação de políticas públicas robustas que atendam grupos minorizados. Neon também ressaltou a necessidade de pessoas trans em cargos de poder na política institucional para exigir direitos e representar a comunidade.
“Ainda lidamos com muito preconceito”, finaliza Neon.
INFORMAÇÕES ELEITORIAS
Neon Cunha
Número: 50111
Vereadora – São Paulo
PSOL
Imagem de abertura: Divulgação