Pesquisar
Close this search box.
Pesquisar
Close this search box.

Maria Beatriz Nascimento, a pensadora da ancestralidade

16/06/2021

emerge-mag-maria-beatriz-nascimento-arquivo-arte-kalinca-maki

A memória de intelectuais e personalidades pretas sofre apagamento e silenciamento histórico, por isso grandes nomes ainda são desconhecidos

A memória de intelectuais e personalidades pretas sofre apagamento e silenciamento histórico, por isso grandes nomes ainda são desconhecidos, como o de Maria Beatriz Nascimento

“Audaciosa nas ideias, bela na imagem, altiva na interlocução e toda vestida de dourado, parecendo uma manifestação de Oxum¹ em terra”, foi assim que a filósofa Sueli Carneiro descreveu Maria Beatriz do Nascimento, a intelectual, historiadora, poeta, roteirista, professora, pesquisadora e ativista. Nascida em Aracaju, Sergipe, no dia 17 de julho de 1942, Beatriz foi uma personagem singular do Movimento Negro Brasileiro.

Sua trajetória é semelhante à de outras mulheres negras brasileiras: seu pai Francisco Xavier (pedreiro) e sua mãe Rubina Pereira (dona de casa) saíram do Sergipe para o Rio de Janeiro na década de 1950 em busca de melhores condições de vida para seus 10 filhos. Em terras cariocas, Beatriz se graduou em História em 1971 na Universidade Federal do Rio de Janeiro e fez pós-graduação em História do Brasil na Universidade Federal Fluminense. Ela também foi professora na rede pública de ensino do estado.

O trabalho de Beatriz, realizado durante três décadas, apresenta a perspectiva da mulher negra sobre mulheridade, raça e migração nordestina. Entre os aspectos centrais estão questões de gênero.

Uma das suas principais obras é o documentário Ôrí², de sua autoria e narração e dirigido pela socióloga e documentarista Raquel Gerber. A produção acompanhou movimentos negros brasileiros entre 1977 e 1988 e, tendo quilombo como ideia central, aborda as relações entre Brasil e África como fator essencial para compreensão da história brasileira. O filme teve estreia internacional em 4 março de 1989 no Festival Panafricano de Cinema e Televisão de Ouagadougou, em Burkina Faso, onde recebeu o prêmio Paul Robeson para filmes produzidos fora do continente africano.

De acordo com Beatriz, quilombos não eram apenas territórios onde negros se refugiavam, mas sim lugares de liberdade e individualidade do povo preto. Assim, podemos compreender como espaços de aquilombamento outros territórios historicamente subalternizados, como escolas de samba, bailes black, favelas e terreiros de candomblé.

LEIA TAMBÉM: O que é o Afrofuturismo?

CONEXÕES CULTURAIS

Beatriz visitou Angola e Senegal entre as décadas de 1970 e 1980, e, talvez, tenha sido a primeira militante do movimento negro a receber um convite para visitar um país africano para realizar estudos.

MARIA BEATRIZ NASNCIMENTO: MULHERIDADE, RAÇA E MIGRAÇÃO

Beatriz ainda trabalhou como pesquisadora no Arquivo Nacional e na Fundação Getúlio Vargas, ministrou diversos cursos e participou de simpósios e seminários. Em 1986, foi eleita Mulher do Ano pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Desde 2017, Beatriz dá o nome a biblioteca do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, que recebeu em 1999 o seu acervo de publicações acadêmicas e estudos.

Como dito anteriormente, a história da ativista é semelhante à de outras mulheres negras. Em 28 de janeiro de 1995, Beatriz foi assassinada com cinco tiros num crime de feminicídio cometido pelo companheiro de uma amiga, que sofria violência doméstica – na época, Beatriz apoiava a mulher a sair do relacionamento.

Aos 52 anos Beatriz partiu para o Orum³, porém sua morte física não foi o fim: seu pensamento continua vivo e cabe a nós manter vivo seu legado e encontrar nele possibilidades de se pensar resistências negras no Brasil. Beatriz se dedicou ao ativismo e à escrita combativa, na luta para existir num país que negava seu lugar na história, sua memória e experiência. Ela usou sua escrita e vivências para reencontrar suas raízes; e foi protagonista de sua história. Sua trajetória foi significativa para abrir caminhos e, apesar das dificuldades, suas ideias continuam vivas através de monografias, teses e dissertações realizadas por estudantes de todo o país.

Para conhecer mais Maria Beatriz Nascimento, a Emerge recomenda o documentário Ôrí (1989) e os livros: Eu sou atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento (2007), Beatriz Nascimento: intelectual e quilombola: possibilidade nos dias de destruição (2018) e Uma História Feita por Mãos Negras (2021).

NOTAS
¹ Oxum: orixá feminino que reina sobre as águas doces, considerada a senhora da beleza, da fertilidade, do dinheiro e da sensibilidade em religiões de matriz africana.
² Ôrí: cabeça; termo de origem Iorubá, povo da África Ocidental, que, por extensão, também designa a consciência negra na sua relação com o tempo, a história e a memória.
³ Orum: o mundo espiritual na mitologia iorubá; a representação do céu.

Quem escreveu

Inscreva-se na nossa

newsletter

MATÉRIAS MAIS LIDAS

ÚLTIMAS MATÉRIAS

NEWSLETTER EMERGE MAG

Os principais conteúdos, debates e assuntos de cultura, direitos humanos e economia criativa interseccional no seu e-mail. Envio quinzenal, às quartas-feiras.