O que é necropolítica?

13/05/2021

Segurança pública pautada por ações policiais violentas em territórios periféricos é exemplo de Necropolítica, a política da morte.

Recentemente, uma ação policial na Favela do Jacarezinho resultou em 28 mortes, incluindo a de um policial. Ao menos 13 dos mortos não tinham qualquer relação com a investigação, mas o número que pode ser ainda maior porque 11 corpos ainda não foram identificados. Vale lembrar que Jacarezinho é uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, com mais de 60 mil moradores [como os na foto que abre esta reportagem].

Críticas em relação as políticas de segurança pública e a atuação das polícias tem levantado nas redes sociais a discussão sobre o conceito de necropolítica.

A necropolítica descreve como o Estado define como e quem dever morrer dentro nas sociedades capitalistas. Essa política da morte se vale de discursos que reforçam estereótipos, segregações e genocídios deliberados.

Dessa forma, o Estado — e a elite econômica que o mantém — administra a morte ao definir, por exemplo, quais territórios e população terão acesso a serviços de saúde de qualidade e quais locais terão operações policiais violentas.

ORIGEM DO TERMO NECROPOLÍTICA

O conceito foi cunhado pelo camaronês Achille Mbembe. Filósofo, teórico político, professor universitário e especialista em estudos da descolonização, da negritude e escravidão, Mbembe é autor do ensaio Necropolítica, publicado em 2003.

Homem negro de pé vestindo terno e recostado numa parede de pedra.
ACHILLE MBEMBE: controle social é disfarçado como “ordem e progresso”.

O trabalho de Mbembe foi inspirado por grandes nomes do pensamento crítico, como Franz Fanon, Sigmund Freud e Michel Foucault. Nos estudos deste último, encontramos os termos “biopolítica” e “biopoder”, em que o francês aborda algumas formas de controle que disciplinam os corpos das pessoas.

De acordo com Foucault, esses controles aparecem nos padrões de beleza, majoritariamente branco e eurocêntrico, e em detalhes do cotidiano, como a forma que os indivíduos devem se comportar no trabalho.

A partir de conceitos de Foucault, Mbembe argumenta que o controle social, disfarçado como “ordem e progresso”, por exemplo, pode ser cruel ao determinar como as pessoas vão viver e vão morrer.

Assim, Mbembe propõe uma noção de necropolítica e de necropoder. Ele mostra como armas de fogo são dispostas e utilizadas com o objetivo de provocar a destruição máxima de pessoas. Neste caso, as marcas criam “mundos de morte”, nas quais vastas populações são submetidas a condições de vida que lhes conferem o estatuto de “mortos-vivos”.

Para demonstrar a questão, o autor cita a relação entre Metrópole e Colônia ao longo da história. Um caso analisado é como os colonizadores europeus tomaram o continente africano, um processo que teve a morte como parte do processo.

Mbembe diz que nunca foi interesse da metrópole oferecer para a colônia o mesmo tratamento ofertado aos europeus — afinal, eles (os brancos) eram seres superiores e civilizados. Isso permitiu que os colonizadores cometessem diversas atrocidades e lucrassem com a exploração negra.

No século XVIII, o tráfico negreiro chegou a representar metade do lucro das exportações dos países europeus, sendo que a Inglaterra foi responsável pelo transporte de 50% dos africanos escravizados. Essa riqueza foi usada como combustível para a Revolução Industrial e fortalecimento do Império Britânico. Em seu auge, foi o maior império da história e dominava cerca de 458 milhões de pessoas em 1920.

“O sistema capitalista é baseado na distribuição desigual da oportunidade de viver e de morrer […] Esse sistema sempre operou com a ideia de que alguém vale mais que os outros. Quem não tem valor pode ser descartado.”

Achille Mbembe, Filósofo e teórico político.

A CIDADE DO COLONIZADO

No livro Necropolítica, Mbembe faz referência ao termo “cidade do colonizado” para descrever as regiões, bairros e comunidades que carregam estereótipos negativos e que, por consequência, perpetuam imagens das pessoas que vivem lá, como “marginais” e “não civilizadas”. O termo também aparece em obras de Fanon.

“A cidade do colonizado, ou pelo menos a cidade indígena, a cidade negra, a medina, a reserva, é um lugar povoado de homens mal afamados. Aí se nasce, não importa onde, não importa de quê. É um mundo sem intervalos, onde homens estão uns sobre os outros, as casas umas sobre as outras.”

Frantz Fanon, psiquiatra e filósofo político,

Voltando ao Brasil, o direito à vida é inviolável e está firmado como uma garantia fundamental prevista no artigo 5º da Constituição Federal. No entanto, num país marcado por profunda desigualdade socioeconômica, o que está em evidência é o projeto do Estado em não garantir saúde e segurança com equidade para a população.

FOTOGRAFIA DE ABERTURA: Mauro Pimentel/AFP.

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