Dos bastidores à frente da swingueira, mulheres contam como têm sido atuar no pagode baiano, um gênero predominantemente masculino.
Quem nasceu no Sudeste do Brasil, quando escuta a palavra “pagode”, provavelmente as primeiras imagens que vêm na mente são “Exaltasamba”, “Turma do Pagode” ou “Raça Negra”. Se essa mesma palavra for dita a um baiano e mais especificamente a um soteropolitano, no entanto, possivelmente os nomes serão completamente diferentes: “Harmonia”, “Léo Santana”, “Parangolé” e companhia.
Apesar dos ritmos serem completamente distintos (saiba mais abaixo), infelizmente as bandas têm algo em comum: são compostas exclusivamente por homens. Mas, ao que tudo indica, por pouco tempo. Desde sempre dominado pela masculinidade, o gênero vem se atualizando e dando de cara com mulheres que estão “metendo o pé na porta”, e mostrando para a sociedade que a “swingueira” também é coisa de mulher.
O Pagode Por Elas (PPE) surgiu em 2019 e é a primeira iniciativa com o intuito de elucidar o pagode baiano a partir da lente de gênero e colocar o protagonismo nas mulheres cis* e trans.
Criado pelas jornalistas Joyce Melo e Beatriz Almeida, o Pagode Por Elas já mapeou e divulgou mais de 25 mulheres vocalistas de pagode baiano, estabeleceu conexões para que a grande mídia pautasse o movimento, produziu uma minissérie e um podcast, além de ter fomentado a criação de uma rede de colaboração entre mulheres.
Em abril deste ano, a plataforma realizou ainda um festival digital – que em breve se tornará presencial – com line-up 100% feminino. “Foi muito marcante realizar o evento digital e materializar geração de renda para as mulheres do pagode baiano, jogando esse espaço para que elas se apresentassem”, conta Joyce Melo, que é pós-graduanda em Gestão Financeira e Controladoria, fellow do Instituto Four e Embaixadora da Juventude UNODC. A jornalista promete:
Autointitulada – porque pode – como “a mãe do pagode”, em alusão ao nome da banda que fazia parte, Daiana Leone é uma das mulheres mapeadas pelo Pagode Por Elas. Conectada com a plataforma, começou a carreira musical cantando samba e foi vocalista da banda Swing de Mãe, formada por ex-alunos do Colégio Estadual Manoel Novaes, que iniciava estudantes na música.
Além de cantar pagode, Dai aposta no sub ritmo pagotrap, uma mistura de pagode baiano com o trap. No Youtube, um de seus vídeos chegou a quase 10 mil visualizações. Já no TikTok, plataforma onde divulga grande parte dos seus trabalhos, a cantora tem mais de 98 mil seguidores e meio milhão de curtidas.
“Vi dentro do pagode uma oportunidade. É um ritmo para frente, que eu gosto bastante. Quando resolvi me inserir nesse mercado, foi realmente para fazer do limão uma limonada, já que na época não existiam tantas mulheres de destaque nesse ramo”, conta a cantora.
MULHERES DO PAGODE BAIANO ENFRENTAM DIFICULDADES
Quem escuta Daiana pode não imaginar, mas quase toda a sua produção é realizada em casa, desde as músicas que ela mesma compõe e produz ao lado do DJ Rodrigo Hit, até os looks de suas apresentações.
A vocalista já chegou, inclusive, a editar um clipe próprio, da música “Provocar“, que conta com coreografia no Tik Tok – assim como muitos de seus outros singles. No entanto, mesmo com todo o investimento na carreira, ela conta que o pagode baiano não é sua principal fonte de renda.
Segundo a própria cantora, essa dificuldade vem de um lugar de subalternização no qual estão colocadas as mulheres dentro desse gênero musical. “As marcas simplesmente ignoram a nossa existência e nossos colegas muitas vezes são indiferentes quanto a nossa presença”, afirma. Além disso, Dai explica que ser mulher e cantar pagode baiano é um desafio duplo, já que o gênero também é marginalizado por possuir público majoritariamente de baixa renda e tocar principalmente nas periferias da cidade.
Escute Dai nas plataformas de streaming e siga nas redes sociais.
Porém, mesmo com os perrengues que enfrenta, Dai não perde a fé no pagode. A cantora é otimista ao dizer que acredita que ainda é possível realizar uma virada de chave em direção a uma maior representatividade feminina nos próximos anos.
Para Joyce, a maior dificuldade dentro do Pagode Por Elas é suprir as inúmeras lacunas que foram encontradas no cenário. “Quando a gente entra, percebe que além da falta de oportunidade e visibilização das grandes mídias, as mulheres do pagode baiano não sabem como monetizar a sua própria música”, explica a gestora.
Para exemplificar, ela conta que, quando conheceu “A Dama do Pagode”, a Alannah Sara, que é uma das mulheres vocalistas mais conhecidas na cena, a artista sequer tinha as músicas inseridas no Spotify. “Nosso objetivo se tornou fazer com que essas mulheres que não dialogavam pudessem se fortalecer, apoiar umas às outras a desenvolverem seus trabalhos. Nos tornamos ‘a ouvidoria do pagode’ pois nos colocamos para não só para gerir, mas também para fazer conexões”, diz.
QUAL É A DIFERENÇA DO PAGODE BAIANO?
Nominalmente conhecido como “pagodão”, “swingueira”, “quebradeira”, “gruvadeira” e muito mais, o pagode baiano é um gênero musical brasileiro criado em Salvador (BA) e reconhecido pela mistura entre as técnicas do pagode carioca e do samba-reggae, outro gênero surgido na capital baiana. Sua musicalidade é marcada pelo ritmo acelerado da percussão, acompanhado de coreografias, das mais simples até as mais complexas.
No Brasil, o pagode baiano ficou conhecido especialmente pelo sucesso do grupo É O Tchan na década de 90, mas tiveram outros precursores, como o grupo Gera Samba, Terra Samba e Companhia do Pagode.
*Pessoas que tem conformação à identidade exterior que possuem de acordo com a denominação homem e mulher, mas que podem lutar para que esses padrões de gênero sofram uma alteração.
FOTOGRAFIA: Lane Silvão e arquivo pessoal.