Em 2022, as paulistanas Isabella Galvão e Vitória Grassi fizeram uma pesquisa online para entender a quão inclusiva era o pole dance entre jovens. Elas queriam descobrir se pessoas de periferias se sentiam confortável em frequentar estúdios e como a prática poderia promover a autoestima. Das 126 respondentes da pesquisa, mais da metade afirmou que não via com frequência pessoas de minorias sociais em aulas; 14% disseram nunca terem vistos.
De fato, pole dance não é uma prática popular. Primeiro, não é comum agenda regular em equipamentos culturais ou esportivos públicos. Por sua vez, a prática individual envolve custos. Em sites de comércio eletrônico, uma barra de aço inox, dessas que vai do chão ao teto, custa R$ 1.400, em média. Já o preço de uma aula particular avulsa gira em torno de R$ 70. Além disso, estúdios de pole dance são mais comuns em bairros de classes a partir de média alta, majoritariamente brancos.
Diante do panorama, somado a relatos de jovens que foram vítimas de discriminação no meio, Isabella e Vitória fundaram o Perifa no Pole. Há quatro anos, a iniciativa promove a inclusão de pessoas periféricas, principalmente negras, trans e indígenas urbanas na técnica esportiva e artística de subir, descer e dançar em postes de aço.
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Atualmente, a Perifa no Pole oferece aulas de duas modalidades de pole dance. O Acrobático tem como objetivo criar maior consciência corporal, com bastante foco em força muscular, posições isoladas e alguns giros. O Coreográfico envolve mais elementos de dança, com transições ritmadas entre um movimento e outro, embalado a músicas que vão desde erudita a pop e funk.
De acordo Fellipe Sótnas, aluno e assistente de projetos do Perifa, o maior benefício do pole dance é entender o próprio corpo e ter controle emocional. Ator, produtor e arte-educador, Fellipe é um homem negro e gay. A sua autoestima não é das melhores — um dos efeitos mais comuns do racismo e homofobia. Embora esteja acostumado a trabalhar em cima de palcos, sentia que sua confiança deixava a desejar em situações do cotidiano.
Nas aulas, enquanto aprende se sustentar nas barras, Fellipe se sente mais potente. Junto a pessoas similares, o pole dance se torna um lugar de aquilombamento. O apreço ao risco ganha forma aos poucos. No estúdio — e na vida — ele sabe que, caso caia, há companhias para lhe segurar.
“O pole dance me tranquiliza. Tenho acolhido melhor as minhas emoções e impulsos, mesmo em lugares que me despertavam ansiedade e tensão.”
Fellipe Sótnas, aluno do Perifa no Pole
Desde janeiro, as atividades do Perifa no Pole são realizadas no Centro Cultural Olido, equipamento da Prefeitura no centro de São Paulo. As aulas acontecem de segunda a quinta, das 18h30 às 19h30 e das 19h30 às 20h30. Em média há de seis a 10 participantes. As atividades são gratuitas.
Além de Isabella e Vitória, fazem parte do time as professoras Ana Almeida, Beatriz Oliva e Mayara Vieira. No total, cerca de 80 pessoas são beneficiadas.
HIPERSEXUALIZAÇÃO ESTÁ NOS OLHOS DE QUEM JULGA
Em agosto, foi realizado o primeiro festival do Perifa No Pole. O evento teve 39 apresentações, entre solos, duplas e coletivas, com oito ou mais integrantes. Mais de 20 alunas e alunos participaram. No palco, uma grande diversidade de biotipos de corpos, com maiôs que iam do PP ao GG.
Apesar de o imaginário popular associar o pole dance a hipersexualização, professoras e alunas destacam que o foco é se sentir bem com o próprio corpo. Mostrá-lo em público seria uma consequência da autoaceitação e melhora na autoestima.
Por sua vez, a sexualização da prática parte dos olhos do outro, geralmente homens, e tem origem no machismo. Importante lembrar que mulheres são objetificadas em diferentes contextos, independentemente de suas roupas e comportamentos.
“Muitas alunas tinham vergonha do próprio corpo antes de fazer as aulas. O pole dance passa a ser ferramenta de libertação e amor-próprio.”
Isabella Galvão, professora do Perifa no Pole
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SUSTENTABILIDADE AMEAÇADA
Desde sua criação, o Perifa no Pole enfrenta uma série de desafios. O primeiro foi conseguir um espaço para realizar as atividades. Em 2023, a iniciativa foi aceita na Casa de Cultura Vila Guilherme, equipamento público na zona norte de São Paulo.
Embora houvesse um local, ainda faltavam os equipamentos. Foi aí que as fundadoras Isabella e Vitoria fizeram uma vaquinha online, que arrecadou mais de R$ 9 mil. O valor foi usado para comprar quatro barras e um visor de iluminação. Por sua vez, roupas e sapatos de salto alto para as alunas vieram de doações.
Após sete meses, a parceria com a Casa de Cultura da Vila Guilherme foi descontinuada, quando o espaço foi fechado para manutenção em outubro do ano passado. Até firmar a atual parceria com o Centro Cultural Olido, foram três meses sem aulas.
No primeiro semestre deste ano, o Perifa no Pole se manteve com recursos do Valorização de Iniciativas Culturais (VAI), programa da prefeitura que apoia financeiramente coletivos culturais de regiões com maior precariedade de recursos e equipamentos culturais. O incentivo foi usado para comprar mais duas barras e um palco portátil e na contratação de mais uma professora.
Hoje, o Perifa No Pole não possui verba. As atividades têm sido mantidas de forma voluntária pelas professoras. Vitoria gera renda como figurinista. Isabella, que cursa graduação de Educação Física, faz estágio em uma assessoria esportiva.
Para Lyv e Gabi, alunas do Periferia, a expectativa é que a iniciativa firme parcerias com organizações que possam financiar as atividades, além de vencer editais que terão os resultados divulgados nos próximos meses.
Elas citam que ter aulas em centros culturais públicos as incentivaram a participar de outras atividades que acontecem nos locais. “Há um sentimento de pertencimento a cidade”, diz Lyv, natural de Gama, cidade ao lado de Brasília. “O Perifa no Pole democratizou algo que era distante de nós”, afirma Gabi.
SERVIÇO
Perifa no Pole
Aulas gratuitas
Segunda à quinta, das 18h30 às 19h30 e 19h30 às 20h
Centro Cultural Olido
Av. São João, 473, Centro, São Paulo
Fotografias: Jorge Sato