Porque “resolvi esperar” não é a melhor solução

21/06/2021

Educação sexual pode diminuir os casos de IST’s, gravidez precoce e prevenir abuso entre jovens periféricos; e o Coletive Zoooom faz isso com perspectivas de raça, gênero, sexualidade e classe.

*Reportagem desenvolvida por Giovanna Pavan, aluna do curso de Jornalismo Ágil da Emerge Mag.

Jahpam de Mendonça, de 21 anos, é arte-educadora, cantora e compositora. Há alguns anos, ela participou da peça de teatro “Ele não me viu”, que abordava tribos urbanas da cidade de São Paulo. “O espetáculo mostrava desigualdade social e miséria e como grupos urbanos são invisibilizadas pelo Estado e sociedade”, diz ela. 

Jahpam foi integrante do Coletive Zoooom, que desenvolve iniciativas de arte periféricas e ações sociais e de saúde, instalado no espaço cultural Periferia Preta, em Sapopemba, na zona leste de São Paulo. Entre as temáticas do coletivo estão educação sexual, prevenção de HIV, autocuidado e saúde mental, com comunicação de jovem para jovem.

É sabido que a classe social determina o acesso que o indivíduo tem sobre informações. Como sexualidade ainda é um tabu, Coletive Zoooom se vale de linguagens artísticas para ganhar corações e mentes dos jovens e abordar educação sexual de forma acessível e engajadora.

“A arte é uma alternativa para atingir a juventude e adentrar espaços para falar de saúde com perspectivas de raça, gênero, sexualidade e classe“, diz Ariane Oliveira, integrante do Coletive Zoooom.

E, sim, precisamos falar de educação sexual nas escolas para sanar dúvidas e orientar os jovens. De acordo com informações da Organização Mundial da Saúde, em regiões pobres, pessoas entre 10 e 19 anos estão expostas a práticas e comportamentos de riscos, como sexo sem proteção, consumo de álcool e outras drogas e violência doméstica. Num recorte sobre ISTs no cenário brasileiro, houve aumento de 64,9% de casos entre jovens de 15 a 19 anos e de 74,8% para os de 20 a 24 anos, entre 2009 e 2019, de a acordo com o Boletim Epidemiológico HIV/Aids 2020. Outro dado alarmante é o averiguado pele Disque Direitos Humanos, do Governo Federal, que computou 9.548 violações sexuais em adolescentes e crianças em 2019. Ou seja, falar sobre métodos de prevenção a ISTs e gravidez (pílulas anticoncepcionais, camisinhas, Prep, entre outros tratamentos) é uma questão de saúde pública.

De acordo com Amanda Cuesta, arte-educadora licenciada pela Universidade Estadual Paulista, as produções artísticas na contemporaneidade refletem parte de nosso cotidiano. “A sexualidade é parte do que somos e de como nos expressamos”, diz Amanda.

Uma série que eu gostei e recomendo é Sex Education, da Netflix, que tem inicio ao mostrar a vida de Otis, personagem jovem, inseguro e virgem, que tem respostas para todas as questões sobre sexo graças à sua mãe, que é terapeuta sexual. Para ajudar a comunidade, o jovem se junta com uma colega de classe rebelde e monta sua própria clínica de saúde sexual na escola. Ariane complementa:

“Quando discutimos educação sexual, também falamos sobre diversidade, LGBTfobia e racismo, temas que devem ser tratados por toda a sociedade e não apenas por quem está dentro das siglas.”

RODA DE CONVERSA SOBRE SAÚDE SEXUAL REALIZADA ANTES DA PANDEMIA PELO COLETIVE ZOOOM, DA ZONA LESTE DE SÃO PAULO.

LEIA TAMBÉM: Cidade que queremos: saúde integral para pessoas trans e em situação de rua.

O PROJETO DE LEI “EU RESOLVI ESPERAR”

A educação sexual nas escolas brasileiras está prevista na Base Nacional Curricular Comum e nos Parâmetros Curriculares Nacionais, documentos que orientam a atuação de professores do país. Os parâmetros preveem que o tema da sexualidade seja tratado transversalmente (em diferentes áreas do conhecimento) e que aborde temas como uso de contraceptivos, prevenção de ISTs, igualdade de gênero, autoconhecimento, entre outros.

No entanto, nas últimas semanas, o tema educação sexual nas escolas causou um burburinho na internet. Isso se deu porque está em discussão na Câmara Municipal de São Paulo o Projeto de Lei 813/2019, do vereador evangélico Rinaldi Digilio (PSL), que instrui no calendário da cidade semanas de palestras para evitar gravidez na adolescência e foi batizado de “Eu Escolhi Esperar”. O PL leva o mesmo nome do movimento criado pelo pastor Nelson Neto Junior, que desde 2011 defende o sexo somente após o casamento. Após críticas de parlamentares de esquerda e da sociedade civil, que alegam que a estratégia de abstinência sexual é comprovadamente ineficaz e tornaria a abstinência sexual como política pública de prevenção a gravidez nas escolas, o nome do programada na cidade de São Paulo foi alterado para “Eu escolhi planejar”.

De acordo com a vereadora Juliana Cardoso (PT), o texto da lei não define as diretrizes que seriam implantadas na prática pelo programa, com o nome, havia risco de a abstinência ser preconizada nas escolas. Por sua vez, a mandato coletiva Bancada Feminista do PSOL, composta pela covereadoras Silvia Ferraro, Paula Nunes, Carolina Iara, Dafne Sena e Natália Chaves, afirma que a proposta é um “grande retrocesso para os direitos das mulheres e para os programas de educação sexual de adolescentes”. Elas também alegam que o slogan do “Eu escolhi esperar” é um modelo que criminaliza a sexualidade adolescente – especialmente a feminina – em vez de propor políticas de educação sexual para o sexo seguro e a prevenção da gravidez precoce. Em nota Silvia afirmou:

“Se o PL for aprovado, ao invés de prevenir a gravidez na adolescência, vai causar mais meninas grávidas sem querer ficarem grávidas, porque este tipo de projeto camufla uma realidade. Ao invés de ter uma educação sexual para prevenir a gravidez precoce, ele vai falar para as pessoas não terem relações sexuais.”

De acordo com as vereadoras, o slogan “Eu escolhi esperar” é um modelo “que criminaliza a sexualidade adolescente – especialmente a feminina – em vez de propor políticas de educação sexual para o sexo seguro e a prevenção da gravidez precoce”.

Para a vereadora Erika Hilton (PSOL) o projeto pretende “levar para o ambiente escolar concepções de ordem fundamentalista, que ferem a laicidade do Estado e das políticas públicas”. A vereadora é autora de outro projeto, o PL117/2021, que institui a Semana Maria da Penha nas escolas do município, “com o objetivo de fomentar a reflexão e aumentar a conscientização sobre violência de gênero”.

Em nota, a prefeitura informou que o parecer que fez a favor do projeto foi técnico e que a abstinência não será usada como política pública – “aham, Claudia, senta lá”. A votação do PL será retomada nesta semana; e nós estaremos de olho.

SERVIÇO
A cidade de São Paulo possui 26 serviços municipais especializados em ISTs/Aids, que incluem nove Centros de Testagem e Aconselhamento (CTAs) e 17 Serviços de Atenção Especializada (SAEs). Veja os endereços abaixo:

Esta reportagem integra o projeto Mapeamento de Artistas, Ativistas e Coletivos Culturais Edição 2021 da Emerge Mag, realizado com apoio da Lei Aldir Blanc na Cidade de São Paulo, da Secretaria Municipal de Cultura/Prefeitura Municipal de São Paulo e do Governo Federal.

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Revista digital de cultura, direitos humanos e economia criativa interseccional e consultoria de diversidade e impacto social (ESG).

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