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Provoque reações

07/12/2017

Migrante nordestino, Ismael Oliveira chegou a São Paulo com R$ 300,00 no bolso e o sonho de cursar moda. Hoje, tem sua própria marca de acessórios fetichistas e integra um coletivo de artistas underground.

Ismael é uma pessoa que sempre tem histórias para contar. Nascido e criado em Vitória da Conquista, a maior cidade do sertão baiano, quando criança, caiu de uma enorme árvore. O acidente rendeu uma pequena cicatriz no lado direito da face.

Na adolescência, houve boatos que ele era uma bruxa. Aos 15, após furtar uma caneta, foi apreendido pela Polícia Militar. Acabou dando uma volta pela cidade dentro da viatura.

Introvertido, Ismael extrai energia a partir de si mesmo. Prefere concentração e tranquilidade – algo que foi bem difícil conseguir quando mudou para a capital paulista, aos 18 anos. Semanas antes, havia conseguido uma bolsa de estudos para cursar design de moda numa faculdade.

Pisou na metrópole com pouco dinheiro e logo passou a morar numa república com outras 60 pessoas. Dividia o quarto com oito jovens.

Mas o objetivo de estudar foi muito maior do que todas as adversidades. Seu interesse em moda teve início com a convivência com sua avó e tias, que eram costureiras.

Sua brincadeira predileta, além de subir em árvores (e eventualmente cair), era desenhar e pintar mulheres e suas roupas. Autodidata, passou a estudar moda por meio de livros que folheava em bibliotecas públicas e livrarias de sua cidade natal.

Aplicava seu conhecimento customizando roupas para si mesmo e para os colegas da escola, inclusive para aqueles que achavam que ele era realmente uma bruxa.

Confeccionou sua primeira peça nas aulas de ergonomia, ainda no início da graduação. O modelo produzido, prezando estética e conforto, foi uma saia reta de algodão cru.

Foi também durante a graduação que Ismael percebeu, pela primeira vez, que poderia ser alvo de preconceito. Na universidade voltada para jovens de classe média, ele era um dos poucos estudantes negros. Na época, ainda buscava sua identidade. Durante toda sua infância e adolescência, era chamada de “filho pardo” pelos familiares, a maioria negros de pele retinta.

Em São Paulo, ele afirma que o contato com pessoas de culturas totalmente opostas à sua fez com que enxergasse melhor a si próprio.

“O racismo me atinge de uma forma mais precisa por se tratar da minha própria pele. E a minha pele cobre todo o meu corpo. É a minha armadura.”

E quem tem armadura está preparado para a luta. Quase cinco anos após deixar Vitória da Conquista, ele se prepara para concluir a graduação. No último ano, também criou sua própria marca de acessórios fetichistas, a Ismagia.

Os produtos da Ismagia são desenvolvidos com materiais atípicos, como plástico, lona, placas reflexivas e folhas de radiografia (sim, aquelas de exame de imagem).

O posicionamento da marca foi concebido para quebrar padrões estabelecidos de estética e comportamento. Também há o propósito de gerar a discussão sobre temas como sexualidade, moda e desenvolvimento sustentável.

“Faço acessórios fetichistas na intenção de pôr para fora meus desejos mais sórdidos em forma de arte.”

Nos últimos meses, Ismael tem participado de diversas feiras, grande parte em festas de música eletrônica, como Mamba Negra e Sangra Muta.[vc_row][vc_column offset=”vc_col-md-5″][post_gallery caption=”Veja a galeria de fotos”][/vc_column][vc_column offset=”vc_col-md-7″][vc_column_text]Um dia após completar 24 anos, ele subiu ao palco pela primeira vez. Ismael realizou uma performance no evento Coletividade Mamba Namíbia Negra, durante o SP na Rua 2017, em novembro.

Aliás, os convites para os eventos foram fomentados após Ismael integrar a Coletividade Namíbia, que conecta artistas negros que atuam em artes visuais, música, dança, moda e teatro.

Seja no palco, seja nas ruas, seja no ateliê, a presença de Ismael é marcante. Não somente por causa de sua estética, construída com muitos acessórios coloridos e tatuagens feitas em casa.

Sua voz é concisa e suave. Sua inteligência abrangente.

Ismael reflete como poucos uma premissa valorosa da vida: melhor do que reagir a provocações, é provocar reações.

Ismael veste Ismagia e Brechó Quimera

FOTOS: Rafael Dardes 

Quem escreveu

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Italo Rufino

Jornalista pós-graduado em marketing com dez anos de experiência. Trabalhou na revista Exame PME (Editora Abril), nos sites Diário do Comércio e Projeto Draft e na ONG de urbanismo social A Cidade Precisa de Você. Natural de Diadema (RMSP). Pai de uma criança de 10 anos. Fundador da Emerge.

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