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Só progresso para Lay e as pretas periféricas

25/03/2019

Rapper lançou recentemente Dama do Bling, música que exalta a autoestima e autonomia das jovens negras. Single é o segundo do EP Gatilho

Autonomia. Essa é a palavra que pode resumir a mensagem da nova música da cantora Lay. Batizada de Dama do Bling, a faixa foi lançada há poucos dias, já acompanhada de um videoclipe (veja abaixo).

O single é um dancehall com inspiração no estilo “bling-bling” (som das caixas registradoras). A vertente tem sido fortemente usada por rappers dos anos 90 em diante.

A estética e o estilo de vida do “bling-bling” retrata o crescimento financeiro dos rappers, em sua forte maioria negros e de periferia.

A ideia é mostrar que, diferente do local que a sociedade racista reserva para os negros, eles estão no sucesso, gastando seu dinheiro como querem – seja comprando joias ou fortalecendo outras parceiras e parceiros a também atingir o triunfo.

Lembram da música Paper Planes, da rapper inglesa M.I.A.? O conceito “bling-bling” está lá quando ela canta “all I wanna do is bang bang bang bang and take your money” (tudo que eu quero é fazer bang, bang, bang e pegar seu dinheiro).

A letra é uma crítica à visão contrária do governo dos Estados Unidos em relação aos imigrantes. A frase é cantada junto aos sons de tiros, gatilhos e… caixas registradoras.

Voltando a Lay, não pense que Dama do Bling é apenas sobre ostentação. A composição, seguindo o estilo da cantora, também aborda feminismo e autoestima.

“Diferente do que é reforçado diariamente pela maioria das pessoas, que dizem que somos incapazes, Dama do Bling é sobre o progresso preto, principalmente o feminino, e sobre todas as mulheres que trabalham para garantir seus desejos”

A letra já tinha sido escrita por Lay desde 2014 – inclusive, foi sua primeira composição. A produção, que aconteceu nos últimos meses, foi feita em conjunto com a KLMúsica, Filiph Neo e Comboio Records. Fernanda Calil assina produção executiva.

LEIA TAMBÉM: A Estética Política De Diva Green

CENA DO CLIPE DAMA DO BLING: QUEM VAI DOMINAR É AS MANA E AS GAY (Foto: Noto Films)

Já o clipe, com uma qualidade de imagem incrível, apresenta uma pequena narrativa.

A história mostra mulheres dentro um carro enquanto cantam sobre seu sucesso contra o homem branco opressor (será referência ao clipe de Bad Girl, também da M.I.A.?). Tudo é permeado por um jogo de luzes em tons de vermelho, azul e verde.

Também rola uma coreografia pesada de dançarinas com diferentes tipos de corpos e um styling de opulência, com muitas joias e balaclava.

O clipe conta com a participação de Barbara Vieira, Jheniffer Batista, Talita Martins, Daiane Benites (Força Queens), Thamy Rodrigues (Dancehall Queen) e Almeyda De La Riddim. Todas elas são referências para Lay dentro da estética Bling.

A produção do clipe ficou nas mãos da Cão com Asas, com direção de Jorge Dayeh. A Cão com Asas também assina a produção de Mina de Ninguém, primeiro single do EP Gatilho. A música foi lançada em janeiro.

Em Mina de Ninguém, Lay apresenta um trap de 150bpm, com rimas pesadas típicas do rap. Há frases como “na cabeceira da minha cama, ostento livros, não grana; conhecimento, não fama”. Ao término da música, ela dispara: “quem vai dominar é as mana e as gay”.

Por sua vez, o clipe mostra Lay andando pelas ruas de sua quebrada, compondo dentro de seu quarto e dançando na frente de um paredão de caixa de som.

Em toda trajetória de Lay, é notável a combinação entre músicas e vídeos. Em 2016, por exemplo, ela foi indicada, com Ghetto Woman, na categoria de melhor clipe no Music Video Festival (MVF).

“A importância do audiovisual é enorme. No entanto, a maturidade me permitiu entender que é melhor ter qualidade do que quantidade, mesmo num momento que praticamente somos obrigadas a uma enorme produção de conteúdo”

INTERNET, MODA E FEMINISMO

Nascida e criada em Osasco, Lay, que tem 27 anos, fez bastante coisa antes de explorar seu apreço por música.

Ainda adolescente, aos 15 anos, se interessou por feminismo. Acabou fazendo uma tatuagem, no cóccix, do símbolo da causa (o punho sobre a representação da deusa Vênus). Na época, ouvia de punk rock a reggae.

Ela também nutria interesse por moda, uma vez que foi criada no ateliê da avó costureira. Mais tarde, passou a garimpar peças em brechós de São Paulo e chegou a montar um guarda-roupa com peças de grifes como Dolce & Gabbana e Chanel.

Após a conclusão do Ensino Médio, ela cursou paisagismo – uma de suas paixões são plantas. Nesse período, já atuava como produtora no selo Killa Prod e era estilista em sua própria marca, a Lay Moretti Clothing (Moretti é seu sobrenome).

Lay também mantinha o Tumblr Bucepower Gang, que reunia textos e convidava mulheres anônimas a postarem fotos nuas. O objetivo era estimular a discussão sobre liberdade sexual da mulher.

LAY EM 2015: O CORRE É SE MANTER FIEL ÀS RAÍZES PERIFÉRICAS.

Num texto de 2015, ela lembra que o projeto era uma forma de protesto.

“Não teria outro sentido explorar esse lado mulher se não fosse em prol de libertação do corpo”, disse ela.

Inclusive, os textos que divulgava na internet foram o pontapé inicial para Lay começar a escrever letras de músicas. Vem daí a alta dose de feminismo e autoconfiança em suas composições. Na abertura de um show, em 2015, ela bradava “saudação a todas as bucetas, mais peitos e menos tretas”.

No ano seguinte, ela lançou seu primeiro EP, o 129129. Com a música “Ghetto Woman” como carro chefe, Lay fez shows em grandes casas noturnas de São Paulo e passou a transitar por diferentes estilos, como rap, reggae, trap e funk.

Sempre falando sobre o papel da mulher na sociedade, ela chegou a estrelar uma campanha publicitária da Avon, ao lado de MC Carol e Karol Conka.

Também foi personagem de um minidocumentário da revista inglesa I-D, sendo entrevistada por Grace Neutral na série “Beyond Beauty”. A chamada do vídeo deixava evidente o propósito de Lay: “As brasileiras que lutam pela liberdade de expressão, combatem o assédio sexual e desafiam as circunstâncias que as rodeiam”.

MATURIDADE

Lay afirma que o EP Gatilho simboliza a virada de um ciclo – uma renovação após quase cinco anos de carreira.

“O autoconhecimento é um processo interrompido pela morte. Ou seja, farei enquanto respirar”

As reflexões de Lay nos apresenta uma realidade única que envolve questões econômicas, sociais e culturais. Já quando fala de seu universo – o micro –, ela costuma reforçar sua pluralidade estética, de afetos e de necessidades.

Falando sobre representatividade, Lay comenta que foi a necessidade de se reconhecer nos espaços que a levou a começar a fazer música. Afrontosa, ela sentia um poder e queria escancará-lo.

Até hoje, Lay se mantém como uma artista independente – e fazer música sem depender de marcas, gravadoras e “panelas” de artistas é um grande desafio. O corre é se manter fiel às raízes periféricas.

Ela, por exemplo, elogia os governos federal do Partido dos Trabalhadores (2002-2016) que, por meio de políticas públicas, fizeram com que movimentos oriundos da periferia, de mulheres e de negros crescessem de forma, até então, inédita no país.

Ao mesmo tempo, ela observa que pautas identitárias já foram assimiladas pela indústria. Um exemplo são as marcas de roupas que copiam estilos de origem periférica para lançar produtos muitas vezes não acessíveis às populações de baixa renda.

“É uma prática antiga do mainstream copiar conceitos do underground para ampliar sua potência mercadológica, desvirtuando a essência original. Isso faz mais parte de uma lógica capitalista do que de práticas individuais”

No entanto, para Lay, a periferia tem consciência de classe e cria estratégias para fomentar a si mesma, pois sabe que é um grande filão dentro do mercado consumidor. E é verdade: após anos de retração de poder de compra, a Classe C voltou a crescer no Brasil em 2018. Hoje, representa 51% da população.

De acordo com o Instituto Locomotiva, ano passado, a renda desse contingente cresceu 0,9%. A alta ainda é tímida, mas representa um poder de consumo estimado em 1,57 trilhão em 2019.

E nem precisávamos de tantos números para saber disso. Como diz Lay em Dama do Bling, “Ghetosas fazem din, din, din”.

https://www.youtube.com/watch?v=mWq3oSwIWJ8
https://www.youtube.com/watch?v=yZDAyneoPWc

IMAGENS:Noto Films

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