Documentário “Quem Tem Medo” denuncia censura no governo Bolsonaro

Documentário entrevista artistas censurades, como Renata Carvalho, e denuncia episódios de violência no governo Bolsonaro.
Luíza Fazio: lésbicas na frente e atrás das câmeras

Roteirista de “Sintonia”, Luíza Fazio escreve longa-metragem infantil sobre um amor lésbico e quer subverter normatividade que ronda o cinema Histórias de amor lésbico são documentadas há pelo menos 2,6 mil anos. No século 6 a.C., a poeta Safo já colocava como tema central de suas obras relacionamentos homossexuais entre mulheres. Inclusive, é por causa dela que usamos a palavra lésbica, que originalmente designa “alguém de Lesbos”, ilha grega em que a poeta vivia. Por que, então, é tão difícil vermos essas relações representadas na televisão, nos livros ou no cinema? Escritora de séries como “Sintonia” (Netflix), “Sentença” (Amazon Prime), “LOV3” (Amazon Prime) e “Cidade Invisível” (2ª temporada/Netflix), a roteirista Luíza Fazio tenta subverter essa normatividade que ronda as histórias que assistimos nas telas e lemos nas páginas dos livros. Em sua trajetória, a brasileira conta histórias de protagonistas diversos, sobretudo mulheres e pessoas LGBTQIAP+, com o objetivo de ampliar olhares e narrativas e mostrar contextos poucos vistos nas telas. Luiza diz que o lance é não imaginar personagens dentro de estereótipos, e sim humanizá-los dentro de suas diferenças. “Quando há personagens complexos, lidando com diferentes problemas, o público engaja e torce por eles. Humanizamos a experiência de alguém que existe na vida real” Recentemente, a roteirista foi nomeada pela embaixada dos Estados Unidos em Brasília para a residência artística The International Writing Program (IWP) da University of Iowa (EUA). Desde 1967, o programa reúne anualmente 35 escritores de todas as partes do mundo, incluindo os brasileiros Milton Hatoum e João Ubaldo Ribeiro. Além disso, ela escreve uma série de comédia para a Paris Entretenimento e, ao lado de Anahí Borges, seu primeiro longa-metragem de animação: uma adaptação para o cinema do livro “A Princesa e a Costureira” (2015), de Janaína Leslão, que conta a história de uma princesa que se apaixona pela costureira de seu vestido de noiva. Em entrevista à Emerge Mag, a roteirista Luíza Fazio conta como tem sido a experiência de integrar a residência artística mais antiga do mundo, fala sobre os seus novos projetos e comenta sobre diversidade na frente e atrás das câmeras. Confira abaixo a entrevista completa com a roteirista Luíza Fazio Falando dos seus projetos futuros… Vi que você está trabalhando em uma animação. Poderia me falar mais sobre isso? Essa animação é uma adaptação de um livro infantil da Janaína Leslão “A Princesa e a Costureira”, em que uma princesa se apaixona pela costureira do seu vestido de noiva. Eu e a Anahí Borges (corroteirista) estamos adaptando esse livro para um longa-metragem e é a minha primeira vez trabalhando com longa e animação. Eu decidi entrar nesse projeto porque sempre foi o meu sonho escrever um longa infantil, especialmente um musical, e a história e a temática me envolvem muito. Acho que pode ser algo muito bonito e que traz a perspectiva de um relacionamento lésbico atual para crianças de uma maneira muito natural e fofa, porque é assim que é. Você acredita que o cinema vem dando mais espaço a relacionamentos lésbicos? Como você enxerga as narrativas dessas personagens? Acredita que ainda são muito apagadas/fetichizadas? Acho que o cinema vem dando mais espaço para relacionamentos lésbicos, mas a narrativa ainda é muito sobre duas mulheres brancas e femininas. É uma estética de casamentos lésbicos que “vendem”. É muito difícil vermos um relacionamento entre duas mulheres butches, duas mulheres negras, ou gordas. São relacionamentos que têm dilemas e questões diferentes do que o casal lésbico padrão. Como agora as coisas estão se abrindo um pouco mais, dá para explorarmos outras narrativas. Uma tentativa interessante foi em Euphoria, onde temos a relação entre a Rue (Zendaya) e a Jules (Hunter Schafer), que é uma menina trans. O caminho que foi levado na segunda temporada foi horroroso mas, enquanto primeira temporada, tem questões muito interessantes da sexualidade da Jules em relação a Rue, que são outras complexidades. Em várias entrevistas suas, você comenta sobre a falta de diversidade por trás das câmeras. Como você acha que isso impacta na falta de diversidade em frente às câmeras? Acredita que uma coisa está diretamente relacionada à outra? Sim, com certeza. Eu falo muito da representatividade LGBTQIAP+ porque a gente sente na pele o “cadê eu”. E esse sentimento faz a gente criar um senso crítico do quão importante é colocar diferentes narrativas, vozes e pessoas em tela para mostrar que elas existem e são complexas. É uma forma de ajudar a visibilizar diferentes narrativas que não só a “hollywoodiana” do homem cisgênero, branco e hétero. Acho que quanto mais a gente consegue diversificar as pessoas que estão atrás das câmeras, mais esse assunto é tratado com naturalidade e sai de uma esfera “a gente precisa ter um personagem gay porque senão seremos cancelados na internet”. Sai da necessidade de ser apenas uma estratégia de marketing para ser algo que as pessoas realmente se importam. Como está sendo a experiência de ser uma das 35 escritoras escolhidas para viver a residência artística The International Writing Program nos Estados Unidos? Quais momentos têm sido mais marcantes para você? As trocas que estamos tendo aqui são muito intensas e incríveis, porque tem pessoas do mundo todo e de diferentes backgrounds. Cada um tem a sua forma de arte e de escrita específica. Uma pessoa que me marcou muito foi Tariro Ndoro, uma poeta do Zimbábue, que é um país que não recebemos muitas notícias aqui no Brasil por milhares de fatores. Ela conta muito sobre como é a realidade no Zimbábue diante de uma inflação que se assemelha muito à que o Brasil vivia nos anos 1980. Mas, ao mesmo tempo, é incrível como as pessoas conseguem colocar isso na sua arte. O Zimbábue tem uma cena literária muito efervescente, e vários aspectos disso nós não temos acesso com tanta facilidade na mídia brasileira. Isso me inspira muito a pensar em diferentes narrativas, pessoas e realidades. Você está conhecendo pessoas de todas as partes do mundo na residência artística. Como você sente essa troca cultural das percepções
Transversais subverte censura e estreia nos cinemas

Filme TRANSVERSAIS, censurado pelo governo Bolsonaro, será exibido nos cinemas a partir de 17 de fevereiro e traz depoimentos de quatro pessoas trans, além da mãe de uma adolescente TRANSVERSAIS, o primeiro longa do jornalista e cineasta Émerson Maranhão, subverte a tentativa de censura do governo Jair Bolsonaro e será exibido nos cinemas a partir do dia 17 de fevereiro. Inicialmente, havia sido anunciado que o filme seria “abortado” do edital da Ancine em que era finalista, por “não ter cabimento uma produção com este tema”. Produzido por Allan Deberton (“Pacarrete”), o documentário apresenta os depoimentos de quatro pessoas trans que resgatam suas histórias, seus processos de autodescoberta e de trânsitos e jornadas, além do relato de uma mulher cisgênera, mãe de uma adolescente trans. O longa fez parte da seção Programa Queer.doc do 29º Festival Mix Brasil, e também esteve em outros eventos brasileiros, como a 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e o Cine Ceará. Os protagonistas da produção são Samilla Marques, uma funcionária pública; Érikah Alcântara, uma professora; Caio José, um enfermeiro; e o acadêmico Kaio Lemos. Elus passaram por um delicado processo de auto aceitação até compreenderem a sua subjetividade. Já a jornalista Mara Beatriz, mulher cisgênero, enfrentou a transfobia de perto e refez sua vida ao tomar conhecimento que era mãe de uma adolescente transgênero. Hoje, é uma das mais ativas militantes do grupo Mães pela Diversidade no Ceará. Desconstrução e diálogo com a sociedade Kaio Lemos, que participa do longa, aponta os retrocessos que a população LGBTQIAP+ vem sofrendo desde 2018, quando o governo fascista de Bolsonaro chegou ao poder. “Nós estamos vivendo uma pandemia de Covid-19, mas também vivemos uma pandemia de discursos de ódio, de violência e de morte. É um cenário de pavor. E a população trans é uma das mais atacadas, numa violência legitimada por esse desgoverno atual”, afirma. Para ele, a importância de TRANSVERSAIS é a potência de desconstrução e de estabelecer um diálogo com a sociedade e, dessa forma, combater essa violência que não é só discursiva, mas também de ações. “Ao mostrar a nossa realidade, o filme se torna uma eficaz ferramenta de combate ao patriarcado, ao machismo e ao falocentrismo tão vigentes”, completa. Érikah Alcântara chama a atenção para a oportunidade de dar visibilidade a pessoas trans dentro de diversos contextos, para além da segregação social imposta, com que comumente são representades. Ela explica: O filme mostra que, diferentemente do que a sociedade costuma apontar, nós podemos ser o que quisermos, vivenciar rotinas familiares, rotinas de afeto, rotinas profissionais. Isso tudo de uma maneira muito natural. Já Samilla Marques Aires define TRANSVERSAIS como “um rompimento de paradigmas”. “É desconstruir padrões da nossa sociedade cisheteronormartiva, mostrando nossos corpos e nossas corpas de pessoas trans. Mais que um filme, TRANSVERSAIS para mim é um ato político no momento que a gente vive no País.” FOTOGRAFIA: Juno Braga e Linga Acacio Reportagem produzida com o apoio da Sinny Assessoria e Comunicação, especializada em cinema e cultura.