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Documentário “Quem Tem Medo” denuncia censura no governo Bolsonaro

09/08/2022

Mulher com o rosto levantado, foto tirada de baixo, falando alguma coisa. Aparece só dos ombros para cima e ela usa um vestido de paetê prateado. Tem cabelos longos e cacheados.

Documentário entrevista artistas censurades, como Renata Carvalho, e denuncia episódios de violência no governo Bolsonaro.

Documentário “Quem Tem Medo” entrevista artistas censurades, como Renata Carvalho, e denuncia episódios de violência no governo Bolsonaro; desde 2019, foram registrados 223 casos de cerceamento à arte no Brasil

Desde 2018, quando Jair Bolsonaro foi eleito para a presidência do Brasil, muitos direitos foram suprimidos e populações marginalizadas passaram a ser ainda mais perseguidas com a ascensão da extrema direita e do fascismo. Assim como na Ditadura Militar – um dos momentos mais repressivos da história do Brasil -, um dos setores que mais tem sofrido com a censura são os artistas que, de 2019 para cá, ou seja, durante o mandato de Bolsonaro, têm recebido ameaças e passado por episódios de violência como assédio judicial, enfraquecimento de mecanismos de controle, aparelhamento ideológico, estrangulamento financeiro e campanhas de difamação.

Em 2017, um ano antes do atual presidente assumir, o artista Maikon Kempiski foi preso em Brasília no meio de uma mostra teatral. Enquanto apresentava “DNA do DAN”, em que ficava nu dentro de uma bolha com um líquido viscoso que resseca a pele, ele foi detido pela polícia e acusado de ato obsceno. Desde este episódio, iniciou-se uma escalada de casos de censura, que se multiplicam na reta final do governo.

Pessoa com cabelo loiro armado atrás de uma grade. Tem o rosto sério e pintado de branco, com maçãs bem marcadas. Usa colares de pérolas e um vestido rosa.
Mulher Monstro (Fotografia: Dellani Lima)

Segundo dados do Movimento Mobile, rede de organizações que atua na defesa e promoção da liberdade de expressão artística e cultural no Brasil​, houve 223 casos de cerceamento à arte registrados entre 2019 e fevereiro de 2022​. São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul lideram o ranking de Estados em número de obras censuradas. De 2016 a 2018, foram 18 casos de censura; já nos três primeiros anos do governo Bolsonaro, o número explodiu para 195. Só em 2022, foram 28 ocorrências (e olha que o levantamento só analisou os meses de janeiro e fevereiro).

“Esse processo de ‘bolsonarização’ veio para ficar”, alerta Henrique Zanoni, que dirige o documentário “Quem Tem Medo”, que acompanha diverses artistas e perfomers que tiveram suas obras censuradas.

A produção, que também tem direção de Dellani Lima e Ricardo Alves Jr, foi exibida no 27º Festival “É Tudo Verdade” e chegou aos cinemas no último dia 4, com distribuição da Embaúba Filmes. Além de entrevistar Maikon K (PR), o documentário acompanha os casos de Wagner Schwartz (SP), Renata Carvalho (SP), José Neto Barbosa (RN) e das montagens de “Caranguejo Overdrive” (Aquela Cia de Teatro, RJ) e “RES PUBLICA 2023 (A Motosserra Perfumada, SP). Este último foi censurado quando Roberto Alvim – exonerado após publicar um vídeo institucional reproduzindo falas, ambientação e postura nazistas – comandava o centro de artes cênicas da Funarte, a Fundação Nacional de Artes.

Segundo Dellani Lima, o documentário foi filmado “no calor dos acontecimentos”, quando “sentíamos que o medo e a raiva passavam a ser afetos mobilizados pela extrema direita e a violência começou a atravessar a vida de nós artistas”. Ricardo Alves Jr ressalta o foco nos corpos que foram perseguidos: 

“A extrema direita tem como um dos principais alvos os  corpos LGBTQIA+. De forma criminosa, tenta associar a arte e artistas à pedofilia. É uma ação planejada para ativar o ódio da sociedade contra esses grupos” 

ATRIZ RENATA CARVALHO TEVE PEÇA CENSURADA

Uma dessas pessoas é a artista trans Renata Carvalho, que teve sua peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu” censurada pela Justiça em Jundiaí (SP) e em Salvador (BA) após uma reação em massa dos conservadores e da extrema direita. O motivo: o texto, adaptação da obra da britânica Jo Clifford, apresentava o calvário de um Jesus Cristo cujo crime-mor foi ter nascido transexual.

No teatro desde a adolescência, nos anos 1990, Renata sabe o que é sofrer preconceito. Apesar de ter se destacado na cena de Santos (SP) e participado de montagens de grandes nomes da dramaturgia mundial, a atriz teve dificuldades para encontrar papéis devido à transfobia. Segundo reportagem do UOL, em razão disso, ela passou dez anos se dividindo entre a função de diretora teatral e de agente de prevenção e assistência a travestis e transexuais em São Paulo.

Sem dinheiro nem perspectiva, acabou tendo de recorrer a trabalhos de maquiadora, cabelereira e garota de programa. Atualmente, a atriz surge como uma das vozes mais atuantes na militância LGBT e na pesquisa sobre o corpo trans no teatro. É fundadora do Coletivo T, voltado apenas a artistas transgêneros, e participou da criação do Monart (Movimento Nacional de Artistas Trans), que luta pela representatividade em espaços da arte. 

No entanto, além de denunciar a censura e as terríveis consequências nas vidas des artistas decorrentes da violência a que foram submetidos, o documentário “Quem Tem Medo” também mostra como a arte será sempre um espaço de resistência. Isso, nós da Emerge Mag, sabemos bem. Parafraseando Renata Carvalho:

Já me tiraram de todos os lugares, mas, do teatro, vocês não vão me tirar”

Vida longa à arte.

ASSISTA AO TRAILER DO DOCUMENTÁRIO “QUEM TEM MEDO”:

FOTOGRAFIAS: Dellani Lima

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