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Territórios em disputa: a mina da Braskem e outros desastres ambientais

08/01/2024

Territórios em disputa. Braskem. Maceió. Belo Monte. Brumadinho. Vale

Projetos de grandes corporações, como a mina da Braskem, tem causado tragédias ambientais em territórios habitados por comunidades nativos.

Projetos de grandes corporações, como a mina da Braskem, têm causado tragédias ambientais em territórios habitados por comunidades nativos.

Imagine as seguintes situações. Primeira: a sua família mora no mesmo bairro há gerações. Seus avós e pais trabalharam anos para construir sua casa. Então, alguém entra e destrói tudo a marretadas. Segunda: gerações do seu povo viveram no mesmo território, mas alguém decide que está na hora de realizar por ali uma obra gigante, que impactará todo o ecossistema local e as vidas existentes de forma permanente.

Hidrelétricas, barragens, minas e outros projetos de exploração de recursos naturais causam um impacto ambiental enorme e afetam as comunidades, fauna e flora local. As atividades acarretam distúrbios no ecossistema, como a perda da biodiversidade de plantas e retirada de animais de seus habitats.

Devido a falhas em programas de gestão de riscos, há também a chance de desastres ambientais, como o recente caso do colapso da mina da Braskem em Maceió e a quebra da barragem de Mariana. Numa associação com a Marginal Fic, consultoria de tendências com foco na América Latina, Emerge Mag apresenta casos em que territórios foram disputados entre interesses corporativos e o bem-estar de comunidades.

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AS MINAS DAS BRASKEM E O COLAPSO EM MACEIÓ

O ano de 2024 começou ainda pior para os moradores de Maceió, em Alagoas. O iminente colapso das minas da Braskem atingiu um novo nível. O rompimento da mina 18, em dezembro, causou a morte de milhares de peixes da lagoa Mundaú nos primeiros dias do ano (veja vídeos gravados pelos moradores).

O fato já era esperado. Desde 2018, casas começaram a ruir em Maceió, impactando 14 mil residências e 60 mil pessoas em cinco bairros periféricos, que representam cerca de 5% da capital alagoana. A responsável pelo desastre é a mineradora Braskem, que por mais de 40 anos explorou sal-gema às margens da lagoa. A suspeita de crimes ambientais é investigada pela Polícia Federal.

Um dos imóveis interditados é o Caldinho do Viera, bar fundado em 1974 que se tornou patrimônio cultural alagoano em 2020. Infelizmente, o seu fundador, José Viera dos Anjos, faleceu aos 78 anos no dia 14 de dezembro. Sua neta, Isacarla dos Anjos, dizia que o bar era ao mesmo tempo um negócio de família e um lar. A família tinha esperança de continuar com o bar para as futuras gerações.

“Quando   passei   na   minha   rua   antes   de   fecharem   as   rotas,   foi   um   misto   de sentimentos.   Vi   meu   sonho   destruído.  Aquela   casa   em   que   a   gente   tanto confraternizou, com tantas histórias e lembranças, era onde as gerações do meu avô morariam”

Isacarla dos Anjos, moradora de Maceió
ISACARLA AO LADO DO AVÔ JOSÉ VIEIRA E A FACHADA DO BAR DA FAMÍLIA APÓS INTERDIÇÃO (Fotos: arquivo pessoal)

USINA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE

O caso da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, é distinto em termos de natureza do impacto. Idealizada na década de 1980, as obras começaram em 2011 e foi concluída oito anos depois, após ser interrompida várias vezes. Desde o início do projeto, houve críticas de ativistas e comunidades locais devido ao impacto socioambiental, como o deslocamento de populações indígenas e a alteração do ecossistema fluvial. 

Entre os principais impactos está a possível inundação permanente de importantes igarapés, usados como meio de locomoção por comunidades ribeirinhas para as cidades do interior do Pará, como Altamira, importante centro comercial da região.

A própria Altamira foi afetada radicalmente pela construção de Belo Monte. Com a demanda das obras para a usina, cidades da região tiveram um crescimento de mais de 50% da sua população em um espaço de cinco anos. O crescimento súbito trouxe problemas como lotação em hospitais, falta de moradia, aumento no custo de vida e um aumento na criminalidade, como tráfico de drogas, assassinatos e prostituição. 

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VALE E O ROMPIMENTO DAS BARRAGENS EM BRUMADINHO

Em janeiro de 2019, ocorreu o rompimento da barragem de rejeitos da Vale na cidade de Brumadinho, em Minas Gerais. O desastre causou uma torrente de lama que destruiu casas, infraestruturas urbanas e ecossistemas. Houve 272 mortes, devastação ambiental e danos socioeconômicos significativos.

Nos dias seguintes ao rompimento, a avalanche de lama atravessou o estado e chegou ao rio Paraopeba, que abastece a região metropolitana de Belo Horizonte, a cerca de 50 quilômetros de Brumadinho. Comunidades e aldeias indígenas que dependiam do rio, como a aldeia Pataxó Hã-hã-hãe, foram evacuadas.

Quase doze milhões de metros cúbicos de rejeito foram espalhados após o rompimento. Embora os efeitos sejam menores do que o de Mariana, em 2015, segundo Fabio Schvartsman, presidente da Vale, os metais dos rejeitos permanecem no solo e na água. Ambas as barragens utilizavam um sistema de construção chamada “montante”, que permite ampliações para cima do dique usando o próprio rejeito como fundação. O sistema é instável, mas foi um dos mais usados para formação de barragens no Brasil. Em 2020, a Lei Nº 14.066 proibiu a construção de novas barragens pelo uso da montante.

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QUANTO VALE O TERRITÓRIO?

Tragédias anunciadas, como Brumadinho e Maceió, trouxeram à tona questões sobre prevenção, responsabilização e gestão socioambiental na mineração, e os impactos das atividades nos territórios. O que temos percebido é que a tentativa de avaliação territórios e vidas muitas vezes é obscurecida pela busca incessante por progresso econômico, levando a um cenário onde as vozes das comunidades são frequentemente menosprezadas em detrimento de interesses corporativos.

O desequilíbrio na avaliação de impactos desperta a urgência de uma abordagem mais crítica e equitativa na gestão de projetos de grande escala. Há uma necessidade urgente de revisão e implementação de medidas mais rigorosas para prevenir desastres semelhantes no futuro. E, para isso, é preciso escutar as pessoas. A terra não tem apenas valor econômico. Terra também é sobre cultura e símbolos. É onde se constroem famílias, tradições e novos futuros possíveis.

Nesse sentido, como avaliar o preço das ruas onde as crianças cresceram e brincaram, das escolas que moldaram mentes e das casas que viram vidas sendo nutridas? 

No cerne da questão, está a busca coletiva por justiça, respeito e equidade. Deve-se priorizar as pessoas do território tão quanto é priorizado os interesses dos acionistas das corporações. Para isso, um diálogo transparente e inclusivo é essencial.

#FICAADICA
Para se aprofundar no tema, conheça os livros A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção, de Milton Santos, e o podcast Terra Arrasada: Os atingidos por Belo Monte.

FOTO DE ABERTURA: Joédson Alves/Agência Brasil

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