“É os ‘boyceta’ que tá no comando”, cantou uma multidão de cerca de 10 mil pessoas — segundo informações do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT) —, enquanto caminhavam da Av. Paulista até a Praça Roosevelt, na Rua Augusta, no último domingo (1). Era a 1ª Marcha Transmasculina de São Paulo que estava na psita. Com organização do IBRAT, em cima do trio passaram personalidades políticas, como a CoDeputada Estadual de São Paulo da Bancada Feminista do PSOL, Carolina Lara, e a ativista Neon Cunha, e apresentações artísticas de vários gêneros, incluindo os blocos de carnaval Siga Bem Caminhoneira e o Bloco Feminista e uma apresentação Ballroom Transmasc.
Do respeito aos seus corpos e o fim da invisibilidade e estigmatização, à garantia dos direitos sexuais e reprodutivos e o acesso ao mercado de trabalho e à saúde de qualidade — o que envolve a disponibilidade de hormônios gratuitos no Sistema Universal de Saúde (SUS), distribuição de absorventes, aborto legal e seguro, entre outros. Sob o sol quente da tarde — a marcha ocorreu das 14h às 18h do domingo — homens trans de várias idades, corpas, etnias e origens celebraram sua existência e bradaram suas reivindicações.
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O clima da 1ª Marcha Transmasculina foi de confraternização e acolhimento, mas principalmente de liberdade. Quem teve a oportunidade de estar em marcha ou quem passou pela avenida viu homens livres, dançando alegres e celebrando o espaço seguro que tomaram para si, em um domingo que adquiriu status de história.
A pluralidade da existência trans foi bastante visível e celebrada, o que transbordou na presença em peso de outras pessoas da sigla LGBTQI+ e cisgêneras, mostrando que a luta é — e deve ser cada vez mais — coletiva.
“O direito de existir com dignidade é para todas as pessoas nesse país. Nós somos pessoas e ninguém tem o direito de dizer se eu sou ou não uma patologia. As transmasculinidades existem, resistem e persistem”
FABIAN ALGARTE, COORDENADOR NACIONAL DO IBRAT
Segundo Kyem Ferreiro, coordenador geral do núcleo de São Paulo do IBRAT, a marcha foi resultado de um trabalho intenso de articulações com o poder público e outras organizações LGBTQIA+, que durou todo 2023. “A invisibilidade transmasculina não acontece apenas fora da comunidade LGBT, acontece dentro também. Foi necessário disputar ferrenhamente os espaços e, por isso, decidimos criar um que fosse sobre o protagonismo transmasculino”.
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FÉ NA JUVENTUDE ESPERANÇA NO CRESCER
O grande destaque ficou para a presença de diferentes gerações na rua. É esperançoso ver como a turma de adolescentes está chegando pesadona e com muita coragem de enfrentar as opressões nossas de cada dia. É o caso de Noah Cavallari Cavalcanti, de apenas 14 anos. “Me sinto em um espaço seguro e cheio de esperança, porque vejo que estamos ganhando representatividade e isso é muito importante para o futuro”.
Noah foi à 1ª Marcha Transmasculina acompanhado da mãe, Kelly Cavallari, integrante do coletivo nacional Mães da Resistência, composto por famílias de pessoas LGBTQIA+. “Nós somos as mães e eles a resistência”, defendeu. “Meu filho transicionou com nove anos, então já tem um tempo que estamos nessa jornada. Vejo como é importante para ele estar com outras pessoas como ele e por isso celebro a marcha. Espero que seja só o começo”. Kelly destacou, ainda, a importância do acolhimento e da presença das famílias para que os adolescentes e jovens adultos se sintam seguros, um dos principais ideais do coletivo.
A 1ª Marcha Transmasculina do Brasil foi significativa não só para quem esteve pela primeira vez em uma manifestação LGBTQIA+, como é o caso de Noah, mas também para aquelus que viveram tempos outros, em que a transmaculinidade mal era reconhecida socialmente. Nick Bernardes é um exemplo.
Em 1997, à época com 15 anos, ele saiu escondido de casa no interior de São Paulo para a capital para participar de uma manifestação GLS (sigla em desuso para Gays, Lésbicas e Simpatizantes). Hoje, com 41 anos, celebra a existência de uma marcha para homens como ele. “É histórico. É um sentimento único estar entre os seus, é uma sensação de vida mesmo. A mensagem que eu deixaria para a juventude é que importante resistir e continuar vivo”.
Fotos: Kalinca Maki