Encurralados pelas cidades e ameaçados por garimpeiros, indígenas urbanos enfrentam desafios diários para garantir seu direito de (co)existir
*Reportagem de Debora Saraiva, Gleice Prado, Hellen Novais, João Rafael e Nathalia Bruscain, alunos do curso de jornalismo da Universidade São Judas Tadeu, parceira da Emerge Mag.
O Biólogo Victor Hugo da Silva Iwakami, 27, dedica-se às pesquisas do povo indígena Kariri-Xocó, que habita a zona urbana de Porto Real do Colégio, em Alagoas. O bairro étnico enfrenta todos os problemas que atingem áreas periféricas das cidades brasileiras, mas para Iwakami, o crescimento das cidades fizeram com que os nativos fossem sufocados pela modernidade e discriminados por seu estilo de vida e costumes.
Nas últimas décadas, a diferença entre zona rural e urbana se tornou mínima tanto no sentido migratório quanto de interação entre ambas, com algumas grandes exceções. Além da expansão das cidades, a crescente inserção de indígenas no ensino superior têm constituído uma releitura acerca da presença indígena na configuração das cidades.
Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, estimam que haja 800 mil indígenas no Brasil e que ao menos 325 mil vivem nas grandes cidades, principalmente em São Paulo, Manaus, Boa Vista e Rio de Janeiro. São povos como os Pankararu, Fulni-ô, Atikum, Kariri-Xocó, Potiguara, Pataxó, Xavante, Xucuru, Xucuru-Kariri e Pankararé.
Kamuu Dan Wapichana, indígena do povo Wapichana, etnia que habita o perímetro urbano da cidade de Boa Vista, capital do estado de Roraima. Ele destaca a participação dos nativos no bem-viver da cidade, a despeito da dinâmica urbana de negação e confrontação sumária dos grupos nativos que se faziam e se fazem presentes. “A água que vocês [“os brancos”, habitantes das grandes cidades] bebem, vem do Amazonas, por exemplo, que é cuidado por nós”, destaca Kamu Wapichana.
OPRESSÃO DELIBERADA, REAÇÃO ALTIVA
Pior que ainda compreensível expansão urbana às terras indígenas, muitas já homólogas (não que precisasse, afinal, eles sempre estiveram aqui #QueManéMarcoTemporal). Está o perigoso avanço do mercantilismo.
“A expansão do agronegócio é mais violenta às comunidades indígenas do que a expansão das cidades”, afirma Iwakami.
A ofensiva contra os povos originários é muitas vezes endossada pelo Estado, que tem por obrigação constitucional protegê-los. Em 1970, durante o governo Médici, o regime militar comandou uma política indigenista, o Plano de Integração Nacional, cujo objetivo era de expandir as fronteiras internas do país, abrir rodovias, criar novas cidades e integrar o indígena ao “mundo civilizado”. Lideranças indígenas que lutaram pelos seus territórios foram perseguidas, presas, torturadas e assassinadas.
A partir de 1992, todos os governos que vieram, independente do partido, fizeram ações de proteção do território indígena. Contudo, com a ascensão de Jair Bolsonaro à presidência do Brasil (2018 – 2022) o ataque as terras dos povos originários retornou, já que o governo abandonou os indígenas, em especial o povo Yanomami, na maior crise sanitária do século e foi condescendente com o garimpo.
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O futuro é ancestral e os novos caminhos só serão possíveis se primeiro olharmos para trás. A proteção às terras indígenas está além da conservação da biodiversidade, que pode ser aproveitada por todos. Trata-se também da preservação de um traço da história e da cultura do Brasil. Kamu diz que viver em sociedade não deveria ser uma luta.
Consultado pela reportagem, o doutor em Educação e cientista social, Glauco Fernandes, acredita que a conscientização social, a inclusão dos nativos à vida do país e a superação das mazelas enfrentadas por eles só serão realizados através da educação e de ações políticas verdadeiras.
A criação dos ministérios dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial, ambos dirigidos por mulheres indígena e negra, são um passo no respeito, valorização e representatividade da cultura indígena. Enquanto ações mais concretas não são realizadas, ativistas e indígenas, unem-se para enfrentar antigos e arraigados e, ao mesmo tempo, renovados desafios.
Em 2021, eles fizeram a maior manifestação indígena pós-Constituinte. Seis mil indígenas de 170 etnias acampados em Brasília manifestaram-se contra o marco temporal.
E como registra Márcio Vera Mirim, líder da aldeia Tekoa Pyau, comunidade indígena urbana localizada no Pico do Jaraguá, parte do distrito de Pirituba, na zona oeste da capital paulista: “A gente segue na luta pelos nossos direitos”.
Foto de abertura: Laycer Tomaz (Agência Câmara) | Edição: Karol Pinheiro