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A estética política de Diva Green

23/11/2018

Cabeleireira, mãe e empreendedora, Diva Green atua no mundo da beleza para fomentar a autoestima e empoderamento das mulheres negras.

O que Liniker, Tássia Reis, Luedji Luna e Gaby Amarantos têm em comum? Além de serem estrelas da nova MPB, elas compartilham a mesma cabeleireira: Diva Green.

Empreendedora, mãe de duas meninas e profissional da beleza há mais de 15 anos, Diva é designer de cabelos e desenvolve conceitos e penteados para editoriais de moda, desfiles, campanhas publicitárias, videoclipes e shows.

Seu trabalho, baseado em referências que mesclam o estilo das ruas paulistanas, elementos do norte e nordeste e a cultura negra americana – da década de 70 até Beyoncé –, é repleto de cores e extravagância. É ousadia e originalidade para fomentar as diversas identidades negras.

LEIA TAMBÉM: Impacto socioambiental. A moda sustentável de mulheres negras

Nesta mistura de texturas e tonalidades, ela fomenta beleza e também marca um posicionamento, que flui como mensagem potente para transcender. Sua estética é política. É close e empoderamento (no sentido real da palavra).

“A partir do momento que me entendi como uma mulher negra numa sociedade racista, compreendi que me posicionar, mostrar meus desejos e querer outros locais fora daquilo que me era proposto é fazer política”

Diva Green, designer de cabelos

De fala rápida e coesa, Diva encadeia palavras num fluxo que impressiona [logo na primeira resposta da entrevista, ela falou por 15 minutos seguidos]. E ela não titubeia. Seu discurso se assemelha ao da arquiteta e pesquisadora de feminismo negro Joice Berth, autora do livro “O que é Empoderamento“.

Tanto Diva quanto Berth afirmam que o empoderamento é um processo, e que cada mulher está num estágio de autoafirmação, autovalorização e autoconhecimento. Nesse percurso, são compreendidas suas histórias, características culturais, ancestralidade e condição social e política. Munidas de informação, ela descobre poderes e ferramentas para alcançar uma vida melhor.

“A estética é reconstrói a autoestima da mulher negra, que encontra sua identidade e se posiciona de forma afirmativa na sociedade”, diz Diva.

O CLOSE E O CORRE

De acordo com Diva, quando uma mulher negra vai para a rua empoderada, ela compreende, por exemplo, os motivos de empresas coibirem o cabelo crespo em funções em que o penteado não tem nenhuma influência ou porque era orientada, quando criança, a alisar o cabelo para parecer menos “bagunçado”.

E é neste momento em que há o enfrentamento. Parafraseando Angela Davis, filósofa americana e feminista negra, ela diz que quando a mulher negra se movimenta, toda a sociedade se movimenta com ela. Com a autoestima elevada, essas mulheres criam rupturas para sair das estatísticas negativas – e manchetes violentas de jornais.

De acordo com o Atlas da Violência 2018, do IPEA, 4.645 mulheres foram assassinadas no Brasil em 2016. Enquanto a taxa de homicídio entre as brancas foi de 3,1, a de mulheres negras foi de 5,3. A diferença evidencia os impactos das desigualdades raciais no Brasil. Diva lembra o caso de Marielle Franco, calada por forças políticas e policias do Rio de Janeiro.

“Cada uma constrói a revolução dentro do que sabe fazer e do que lhe compete. A minha parte, eu faço dentro da estética”

Diva Green
O CLOSÊ E O CORRE: Diva Green produz conceitos e pentedos para editoriais de moda, publicidade, shows e videoclipes (foto: João Ferreira)

EXPOENTE AFROFUTURISTA

O interesse de Diva por cabelos começou na adolescência. Aos 14 anos, ainda adepta de alisamentos, conheceu uma mulher angolana com tranças e ficou encantada Logo convenceu a sua mãe para começar a fazer box braids, um tipo de trança com fios sintéticos.

Como as tranças exigiam manutenção recorrente, Diva aprendeu a cuidar dos fios sozinha, em casa. A habilidade chamou a atenção de vizinhas e amigas de Itaquera, distrito da zona leste de São Paulo onde reside. Nascia a Diva trancista.

O trabalho fazia com que Diva fosse frequentemente a galeria do rock comprar produtos e insumos. Numas das visitas, uma cabeleireira curtiu tanto o seu penteado que a convidou para trabalhar no seu salão. Numa época que não havia cursos profissionalizantes em estética negra, foi a oportunidade aprender sobre fios, texturas e possibilidades criativas.

Com o tempo, Diva se tornou gerente do salão e chegou a ter seu próprio centro de estética, já com o conceito afrofuturista e foco de elevar a autoestima das pessoas negras.

“Aprendi tudo o que podia com cabeleireiras mais velhas. Foi maravilhoso. Muita mulher preta compartilhando saberes”

Diva Green

Hoje, ela não tem mais ponto fixo e trabalha de forma itinerante. Além de atendimentos, ministra cursos e oficinas de penteados para cabelos crespos e cacheados em coworkings, unidades do Sesc e eventos. A ideia é promover o autocuidado e capacitar novas cabeleireiras, para que elas possam atuar em diferentes bairros da cidade, também como empreendedoras.

FALTA DE REPRESENTATIVIDADE: nas empresas brasileiras, pessoas negras são apenas 4,9% nos conselhos de administração, 4,7% no quadro executivo e 6,3% nas gerências (Foto: João Ferreira)

VEJA TAMBÉM: Opal Tometi: “As pessoas negras sabem que seus direitos estão sendo violados”

ALTERNÂNCIA DE PODER

Um dos maiores objetivos de Diva é aumentar a participação de mulheres negras como donas de empresas no mercado de beleza, com mais ganhos econômico e ascensão social. Ela afirma que indústria da beleza ainda perpetua o racismo.

Embora exista maior presença de influencers e modelos negras na publicidade, a representatividade não chegou aos cargos de gestão das marcas. Ou seja, a representatividade racial é voltada a táticas comerciais, e não uma real alternância de poder.

Outro problema apontado por Diva é a participação de pessoas negras em ações de diversidade sem que elas tenham poder de decisão. Ao mesmo tempo, quando criativos negros buscam empresas para apoio em projetos autorais, as portas são fechadas.

Uma recente pesquisa da consultoria Santo Caos, que consultou 1.798 pessoas, de mais de 150 empresas, apontou que pessoas negros representam apenas 4,9% nos conselhos de administração; 4,7% no quadro de executivos e 6,3% nas gerências. Os entrevistados foram questionados sobre os motivos para a baixa representatividade. Preconceito foi a principal resposta (47%), seguido de dificuldade de acesso à educação (45%) e falta de oportunidade (41%).

Para Diva, a mudança acontecerá apenas com uma iniciativa estratégica e integrada que reúna as empresas e a comunidade negra na liderança, com foco em reparação histórica. Nesse sentido, pesoas pertencentes a classes privilegiadas precisam se responsabilizar e agir para a transformação, sem ser as protagonistas, mas sim cedendo seus espaços e lucros.

Hoje, há um movimento de iniciativas lideras por pessoas negras na publicidade, por exemplo. Um deles é o Mooc. Formado por jovens produtores musicais, designers, estilistas, fotógrafos e publicitários, atua em campanhas de moda, música e audiovisual. Entre os projetos mais relevantes estão a campanha Skolors, da Skol, e o filme “Duas mulheres. Duas Vidas. Uma Luta”, com Elza Soares e patrocínio do Bradesco.

Parafraseando Diva, é muita lacração. Bora fomentar.

Fotografias: João Ferreira, no Museu de Arte de São Paulo (MASP) durante a exposição Histórias Afro-Atlânticas.
Revisão: Igor Rufino e Cíntia Aureliano.

Quem escreveu

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Italo Rufino

Jornalista pós-graduado em marketing com dez anos de experiência. Trabalhou na revista Exame PME (Editora Abril), nos sites Diário do Comércio e Projeto Draft e na ONG de urbanismo social A Cidade Precisa de Você. Natural de Diadema (RMSP). Pai de uma criança de 10 anos. Fundador da Emerge.

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