No coração do Brasil, uma natureza exuberante pulsa e ensina o que é abundância. Onde a diversidade e a luta se entrelaçam, eu, mulher e negra, me vejo em um momento decisivo. O som frenético da metrópole é agora eco distante. O que há é um sussurro suave do interior. No entanto, cada dia traz desafios e descobertas. De fato, não é uma simples mudança de endereço. É uma busca por identidade e pertencimento, em um mundo que frequentemente tenta silenciar vozes como a minha.
Meu nome é Cassandra Veloso. Há quase quatro anos, tomei a tão sonhada — e difícil — decisão de deixar para trás a agitação e a correria de Brasília, onde vivi a maior parte da vida, em busca de um novo lar na encantadora Chapada dos Veadeiros. Ao explorar a beleza e as dificuldades neste novo cenário, convido você a embarcar comigo nessa narrativa que transcende fronteiras e revela a força que reside em cada passo dado.
VEJA TAMBÉM: Por que a alimentação saudável ainda é um privilégio?
Geralmente, há muita expectativa quando uma pessoa decide sair da cidade grande. Eu desejava uma maior conexão com a natureza e um ritmo de vida mais tranquilo. No entanto, ao firmar os pés neste solo repleto de cristais, me deparei, sob outra perspectiva, com as mesmas normas hegemônicas da nossa sociedade.
Alto Paraíso de Goiás, cidade com 10 mil habitantes onde moro, vem passando por um processo de gentrificação. Está em curso uma transformação na paisagem, na arquitetura e no perfil social dos bairros. O custo de vida aumentou drasticamente e a especulação imobiliária também. A consequência tem sido a expulsão de antigos moradores, que acabam indo ainda mais para as margens da cidade.
O caso da Chapada dos Veadeiros não é isolado. Nos últimos anos, sobretudo depois da pandemia, aumentou o fluxo de pessoas para o interior do país, principalmente áreas turísticas e rurais. Dados do IBGE apontam que o crescimento populacional foi maior no interior do que em capitais — 66,58% dos novos habitantes estão fora dos grandes centros urbanos.
Todo dia vejo a chegada de mais gringos, herdeiros, famosos, globais e gurus. Confesso que acabei caindo num período de muita comparação e, consequentemente, frustração. Falta um pouco para dizer que minha casa está pronta. Ainda não tenho energia elétrica, por exemplo.
LEIA TAMBÉM: Hortas comunitárias no combate às mudanças climáticas
Para driblar os percalços, tenho acessado cada vez mais tecnologias ancestrais. Yoga, aromaterapia e ayurveda me fazem ressignificar diariamente a minha caminhada. E continuo acreditando: se nós podemos sonhar, podemos realizar. Vivo um poderoso processo de autoconhecimento. Entender as minhas emoções, valores e experiências tem sido fundamental para a minha autopreservação. E isso é ainda mais libertador para pessoas pretas.
Importante frisar que Alto Paraíso de Goiás possui uma ancestralidade quilombola. Com cerca de 500 habitantes, a Comunidade Quilombola Povoado do Moinho, fundada no século 17, mantém tradições de práticas agrícolas sustentáveis e preserva conhecimentos sobre plantas medicinais nativas do cerrado. Em 2014, o povoado foi certificado como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares.
Aprendi e continuo aprendendo a celebrar a minha negritude, valorizar minhas raízes e cultivar meu senso de merecimento e pertencimento.
É uma questão de evolução e redução de danos. Essa experiência não é apenas minha. É um reflexo da luta de muitas mulheres, que buscam viver de maneira plena e autêntica. Agora, no meu caso, na Chapada dos Veadeiros.
Frente a uma estrutura criada e mantida para suprimir nossos sonhos, dons e talentos, que sequestra a forma como nos alimentamos, nos relacionamos e vivemos, te convido a uma reflexão sobre movimentos.
Olhemos de forma integrada para a nossa existência (física, emocional e energética). Pelo exercício simultâneo da vontade, intuição, raciocínio e afeto, vamos juntos sentir a força que emerge da vulnerabilidade e a beleza que reside na diversidade das experiências.
Fotos: arquivo pessoal