O esporte é uma ferramenta política poderosíssima, que nos ajuda a compreender questões geopolíticas e sociais. Nunca fui bom em praticar, mas um amante assíduo de suas modalidades. Fiquei intrigado, e ao mesmo tempo assustado, quando me sugeriram fazer uma pauta sobre uma academia de boxe popular. Intrigado porque o boxe carrega inúmeras discussões políticas. Assustado porque teria que fazer uma aula experimental.

O Boxe Vila Anglo é uma academia popular, que busca uma nova forma de pensar e praticar o esporte, o que vai além da modalidade. Guilherme Miranda, professor e fundador da academia, vindo de experiências que são ferramentas de transformação social, como punk e torcidas organizadas, conta que a ideia foi desenvolver uma academia que mostrasse esse esporte enquanto uma prática democrática, diversa e popular. 

Em entrevista para a Revista Vice, Michel de Paula Soares, pesquisador e autor da tese “Boxe é compromisso”: Políticas do corpo, territórios e histórias de vida de boxeadores na cidade de São Paulo, explica que a modalidade é uma maneira de valorização da pessoa vulnerável muito potente. A história do boxe está muito ligada a questões de classe e raciais, especialmente por pessoas pretas. Muhammad Ali, por exemplo, é considerado por muitos o maior atleta do século 20. Mais do que uma referência para qualquer lutador, o boxeador foi uma importante figura para o movimento negro estadunidense que lutava por Direitos Civis durante as décadas de 60 e 70. 

“O boxe historicamente foi um esporte majoritariamente praticado por pessoas negras e periféricas. Isso por si só já torna ele um esporte de resistência”, comenta Guilherme Miranda. Para ele, o boxe representa uma ferramenta sociopolítica não só para o esporte, mas para um contexto mais amplo e diverso de mundo.

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A PRAÇA É A ACADEMIA DO BOXE

As aulas do Boxe Vila Anglo ocorrem em praças e parques da Zona Oeste de São Paulo. O professor conta que a ideia é ocupar os espaços públicos da cidade, prática que também é feita por outras academias. 

A aula é um espaço acolhedor. Entrei sem jeito, tímido, relembrando todas as minhas tentativas em praticar esportes. Era a minha primeira aula de qualquer luta. Somado a isso, senti que poderia atrapalhar o aprendizado dos outros alunos. Só que esse sentimento foi passando com o tempo. 

Guilherme explica que esta forma de dar aula é muito natural e consequência do que ele e os alunos e alunas acreditam enquanto coletivo. A prática não muda, continua sendo um esporte de contato e que trabalha as técnicas e elementos da escola de boxe. Porém, não há aquela noção de competitividade que esportes geralmente proporcionam.

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Eu estava lutando com outra pessoa e sentia que ela queria me ajudar. Tínhamos ritmos e tempos diferentes, mas aprendemos juntos. E isso ajudou muito. Com o decorrer da aula, eu estava mais solto e entendendo melhor as instruções e como me movimentar.

Antes, tinha a impressão de que poderia ser um ambiente estereotipado, uma academia antifascista, que passaria visões e ensinamentos políticos de esquerda entre as etapas da aula. Não era isso. Essa questão de ser uma academia popular de boxe se aplica naturalmente na forma de acolhimento e inserção. “As dimensões políticas e de vida mudam toda essa dinâmica a partir das diversidades que nos acompanham e que caminham por uma mesma ideia de mundo, que luta contra todo tipo de preconceito dentro de qualquer espaço”, aponta Guilherme.

E compreender isso foi fundamental para querer fazer mais aulas. E se você, assim como eu, ficou interessado em praticar boxe, o Boxe Vila Anglo promove aulas na Praça Dr. Vicente Tramonte Garcia segunda e quarta, às 18h30,  e quarta e sexta, às 8h. Terça e quinta, a prática ocorre no Parque da Água Branca, às 8h.

Fotos: Rafael Felix
Edição: Teresa Cristina