Em meio a pandemia, associação faz vaquinha online para arrecadar alimentos e produtos de higiene e limpeza para a população transvestigênere
*O texto contém linguagem neutra de gêneros gramaticais
A disseminação silenciosa do coronavírus deixou gritantes os problemas estruturais do Brasil, como a fome, a falta de políticas públicas e a violência contra corpes dissidentes. Na ausência do Estado, nunca fez tanto sentido a frase dita após a eleição de Jair Bolsonaro: “Ninguém solta a mão de ninguém”.
Uma estimativa feita pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), com base em dados colhidos nas regionais da entidade, aponta que 90% das pessoas trans recorrem à prostituição em algum momento da vida. Ou seja, apenas 10% da população tem acesso recorrente ao trabalho formal.
Com as medidas de distanciamento social e o medo do contágio, sobreviver na informalidade ficou ainda mais difícil. Nas últimas semanas, como medida para auxiliar esses profissionais, o governo federal disponibilizou um auxílio emergencial entre R$ 600 e R$ 1.200 para pessoas vulnerabilizadas socialmente e financeiramente, afetadas pela pandemia.
No entanto, o que parece simples para muites, pode ser um grande obstáculo para a população trans. Como já apontado, váries atuam na informalidade, muitas vezes por não possuir os documentos necessários ou nem mesmo ter o nome retificado – uma vez que concluir esses procedimentos é caro e burocrático.
Diante desse cenário, a Casa Chama, uma organização civil de pessoas trans e aliades, que defende a necessidade de criar mais espaços de pesquisa, discussão e ação em causas de gênero, tem fortalecido iniciativas para atender pessoas transvestigêneres, em sua maior parte artistes, que são vulnerabilizades. Atualmente, são assistides 50 pessoas trans de forma recorrente e outras 200 remotamente.
De acordo com Digg Franco, articulador político e fundador da Casa Chama, a associação tem tentando amenizar as lacunas deixadas pelo poder público. Ele resume o panorama:
“A população trans que atua na informalidade sempre esteve rodeada pelos mesmos problemas: falta de moradia e alimentação e baixo acesso a sistemas de atualização e retificação de documentos, que também são burocráticos. Agora, com a crise causada pelo coronavírus, os problemas se agravaram. A violência aumentou, o despejo aumentou e a fome aumentou”
No último mês, a Casa Chama criou uma vaquinha online para arrecadar recursos para comprar cestas básicas, produtos de higiene pessoal e de limpeza, frascos de álcool em gel, medicamentos e máscaras protetoras. A casa também presta auxílio em outras emergências, como pagamentos de aluguéis. Já foram entregues 400 cestas, com o direcionamento de parte delas para outros locais parceiros, como o Instituto Nice e o Coletivo Arouchianos.
Com forte atuação online devido às medidas de distanciamento social, a Casa Chama tem feito lives para divulgar as iniciativas. Já teve conversa ao vivo com Marina Ganzarolli, advogada presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB São Paulo; com a atriz Glamour Garcia e com a cantora Oxa, performer que já estrelou musicais da Disney e da Broadway e participou da edição alemã do The Voice.
MAIS VAGAS
Hoje, em São Paulo, além dos Núcleos de Convivência para Adultos em Situação de Rua, a prefeitura mantém duas unidades da Casa Florescer, serviço de atendimento e acolhida especializada para pessoas travestis e mulheres transexuais com 30 vagas.
De acordo com Digg, as casas de acolhimento e outras ferramentas apoiadas pelo poder municipal estão com pouca infraestrutura. “Está ainda mais evidente a necessidade de mais casas de acolhida para pessoas trans, que continuam sendo abandonadas pelas famílias mesmo no meio de uma crise sanitária”, afirma.
Além de cobrar pelo aumento no número de vagas, Digg ressalta que essas iniciativas deveriam ser construídas por pessoas trans – e não cisgêneras. Para ele, enquanto o Estado não for laico e não houver consequências penais e jurídicas para famílias que abandonam seus filhos por serem trans, esta demanda vai continuar existindo.
“O estado precisa ter responsabilidade pelos corpes abandonados e pelo genocídio dessa população. Precisa ter mais espaços, maior inserção no mercado de trabalho e retificação gratuita de documentos”
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COMO AJUDAR
Casa Chama
Organização civil de ações socioculturais com foco em artistas transvestigêneres.
Doe aqui: Fundo de Emergência para Pessoas Trans.
Contato: Facebook.
Coletivo Arouchianos
Espaço de acolhimento, moradia, apoio, produção de arte e cultura e empoderamento da população LGBTQI+.
Doe aqui: Todos pela Casa Arouchianos.
Contatos: Instagram; coletivoarouchianos@gmail.com; Whatsapp (11) 9 4874-5068 (Helcio Beuclair).
Casa Florescer
ONG que acolhe 30 travestis e mulheres transexuais e oferece atendimento social, psicológico, serviços de saúde, educação e reinserção no mercado de trabalho.
Contato: Instagram.
Trans Sol
Coletivo de artesãos que ensina moda, bonecaria, costura e artesanato em geral para mulheres transexuais e travestis com foco em geração de renda, visibilidade social, empreendedorismo e pensamento plural. Participa de feiras, palestras, oficinas e ações culturais. Veja reportagem da Emerge com o Trans Sol.
Doe aqui: Costurando Solidariedade.
Contatos: Facebook; coletivotrans.sol@gmail.com; Whatsapp (11) 99101-7777 (Otavio Matias) e (11) 9 9823-3004 (Priscila Nunes).
Instituto Nice
Assessoria de garantia de direitos da população LGBTI+, reinserção social e profissional com promoção da cidadania digna para travestis e transexuais, de Franco da Rocha, São Paulo.
Doe diretamente no ponto de arrecadação Leliê Casarão, Rua Doutor Armando Pinto, 02 – Centro de Franco da Rocha, São Paulo. Aberto às segundas, quartas e sextas, das 11h às 17h.
Contato: Instagram.
FOTOS: Maria Eduarda Viana.