Em cima de uma ponte de madeira, um jovem indígena da etnia Krenak toca um instrumento musical que lembra uma longa flauta de madeira. Embaixo dele, corre o Rio Doce, cujo seu curso representa uma das mais importantes bacias hidrográficas da região Sudeste.
No entanto, em vez de peixes, a água está cheia de resíduos. A poluição é tão grande que o rio está tingido de vermelho sangue.
A cena que mostra um ritual xamânico faz parte do curta-metragem À Cura do Rio, que traz uma nova abordagem da tragédia ambiental de Mariana, em Minas Gerais, quando uma barragem da mineradora Samarco se rompeu no final de 2015.
O filme da diretora Mariana Fagundes faz parte da programação do mês de setembro do Cine Jardin, cineclube organizado pelo selo cultural Guaxuma em parceria com o Jardin do Centro, floricultura e cafeteria instalado no centro de São Paulo.
A mostra de curtas acontece duas vezes na semana. Às quartas-feiras, a sessão começa às 18h, momento ideal para quem não quer pegar o horário de pico após o trabalho. Aos sábados, as exibições têm início às 16h. Cada sessão reúne quatro filmes que são exibidos sequencialmente, totalizando cerca de uma hora de mostra.
Com curadoria do Guaxuma, o tema (e os filmes) do Cine Jardin mudam a cada mês.
Em setembro, o mote é A Política da Mata, com curtas que tratam sobre preservação da natureza e dos povos e tradições indígenas – um contraposto ao ego dos homens brancos instalados no poder.
Numa tarde de sábado, eu assisti aos quatro curtas. Além de À Cura do Rio, foram exibidos Plantae (2017); Histórias do Cumaru (2018) e Entre Parentes (2018).
Após a exibição, fica nítido como deixamos de lado, como sociedade, a importância dos povos originários na resistência pela floresta.
Os curtas, com fotografias dramáticas, imagens em preto e branco, alto contraste e saturação – tudo muito cru e real –, escancaram a iminência da situação vivida pelos indígenas.
Ao mesmo tempo, utilizar a experiência estética que o cinema propõe é uma forma de comunicar com urgência e significado o clamor pela preservação do meio ambiente. Assim, o cinema consegue comunicar e politizar a necessidade de não se abster das pautas ambientais.
De acordo com Isabela Lazarini, fundadora do Guaxuma, o nome A Política da Mata faz referência a morte enquanto ação deliberada de matar o meio ambiente e o povo que nele vive. Ela comenta:
“Os filmes trazem uma realidade indígena que, para nós, é difícil de imaginar. São povos que resistem para manter suas tradições ao mesmo tempo que tentam ocupar seu espaço na sociedade branca. Povos essencialmente brasileiros que não tem participação na democracia do país em que vivem”
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SELO CULTURAL
Fundado em maio de 2019, o Guaxuma nasceu voltado a curadoria, produção e direção de arte para projetos de música, fotografia e cinema.
Já a ideia de criar o Cineclube surgiu quando Isabela e Belisa Bagiani, cofundadora do projeto, descobriram a existência de um auditório com 30 poltronas nos fundos do Jardin do Centro.
Foi a oportunidade certa para utilizar o cinema como ferramenta para transmitir, sensibilizar e gerar reflexões sobre temas contemporâneos.
O projeto se consolidou após participação na Virada Cultural com o Corujão Cine Jardin, que exibiu filmes ao longo de uma madrugada. Após um breve hiato, o Cine Jardin volta com a proposta de exibir filmes brasileiros independentes de forma gratuita.
“Hoje, no Brasil, são produzidos filmes que pouquíssimas pessoas assistem. Assim, os filmes acabam tendo uma vida de exibição muito curta. Projetos como o Cine Jardin vem para aumentar a circulação de filmes e fomentar o acesso ao cinema e a cultura”
Vale lembrar que o Cine Jardin está aberto a novas propostas e parceiros de curadoria de curtas. Tem interesse em participar, entre em contato (eventos@jardin.eco.br).
Atualmente, há outros cineclubes na mesma região onde fica o Jardin do Centro.
Somente nos bairros República, Vila Buarque e Santa Cecília há os cineclubes do Matilha Cultural; do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo; do Instituto dos Arquitetos do Brasil e do Bar Das.
Como morador da região, recomendo visitas a todos – e tenham uma ótima sessão.
SERVIÇO
Cine Jardin
Cineclube do Jardin do Centro com exibições gratuitas de curtas-metragens independentes
Toda quarta-feira às 18h e aos sábados às 16h
Jardin Do Centro
Cafeteria e loja de plantas. Um pequeno oásis verde no centrão de São Paulo.
Rua General Jardim, 490, Vila Buarque – São Paulo (SP).
De segunda a sábado, das 9h às 20h, e domingo, das 10h às 17h.
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Diálogos e Café
Diálogos e Café é a nova editoria da Emerge Mag, fruto de uma parceria com o Jardin do Centro, que congrega a marca homônima; o Quintal do Centro; o Bento 43 e a Quadra 27. A parceria de mídia consiste, principalmente, na cobertura de eventos culturais, artísticos e de viés social de diferentes vertentes.
FOTOS: Gabriel Nevez, Felipe Barreto e Anba