Em entrevista exclusiva, Danilo Timm relata processo de tradução de sua identidade em álbum e porquê misturou ritmos
*Este texto contém palavras em linguagem neutra de gênero
Depois de mergulhar em uma nova cultura, explorar novas estruturas de relacionamento e expressar todas suas cores, Danilo Timm ressurge e traz consigo seu primeiro álbum solo. “NiLØ”, nome do primeiro álbum desse multiartista brasiliense, é a junção de sua música com sua personalidade. O título tirado de seu próprio nome é queer como elu, por ser escrito de uma forma que não indique a definição de um gênero (Ø).
Cada faixa musical conta um pouco da sua transformação após a imigração para Berlim, em 2014. Depois de experiências com o teatro musical em Hair (2010) e Elis, a musical (2012), Danilo migrou para a capital alemã, para abraçar novas culturas. “É possível conhecer muita gente em Berlim”, afirma o cantor.
Um de seus encontros, por exemplo, foi com a cantora alemã-palestina Jamila Al-Yousef, com quem gravou o dueto “Ella and Louis”. Canção que referencia o jazz e a soul music de Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, refletindo sobre as delícias e derrotas de um relacionamento de longo prazo.
É também por esses encontros multiétnicos que o álbum é recheado de referências de vários gêneros musicais como MPB, pop, eletrônico, jazz, funk e soul music. Segundo elu, a distância o fez “celebrar suas raízes, os ritmos latinos e as nossas diferenças de forma geral”.
Exemplo é a faixa “Saudade Auf Deutsch”, que traz uma mistura de funk brasileiro e elementos como o triângulo, o violão, uma bateria de samba e o “yodelling” (canto dos Alpes alemães e austríacos). A canção trata da saudade de uma pessoa chegando a um novo país.
Ao todo, “NiLØ” tem dez canções que contam a trajetória de Danilo nos últimos dez anos, como uma espécie de áudio biografia musicalizada. E há um motivo pra isso. Elu explica: “Eu escrevo e canto majoritariamente por necessidade. Chegam volta e meia momentos em que não consigo expressar sentimentos só com palavras, e preciso de melodias e harmonias”.
Em seu retorno ao Brasil, às vésperas de seu show no bar Picles, no próximo dia 20 de maio (saiba mais abaixo), em São Paulo, Danilo Timm conversou com a Emerge Mag sobre o processo de criação de seu trabalho.
Leia entrevista a seguir na íntegra:
Emerge Mag: Como foi o processo de produção do álbum?
Danilo Timm – Depois de selecionar quais músicas entrariam no projeto e entender o lugar de cada uma – eu escolhi um chacra e cor para cada canção – eu preparei as demos pra enviar para o [produtor musical] Emerson Villani, que eu encontrei duas vezes no sul da Alemanha para gravarmos tudo.
Eu já tinha selecionado referências de sons e elementos que eu queria ter no álbum, e eu e o Emerson tivemos uma troca muito legal. Ele sempre começava me ouvindo tocar as canções só com violão e voz para entender a essência de cada uma, e daí sugerir formas diferentes ou como potencializar partes das músicas. O processo foi muito natural. Foi mágico ver cada música nascer dessas novas formas que o Emerson facilitou. No final quando gravamos as vozes finais e eu escutei a produção já mais avançada, me abriu novos entendimentos sobre cada faixa, trazendo uma nova camada para as histórias que eu conto com esse projeto.
Como é estar morando em Berlim e conhecendo artistas de diferentes lugares? Como é a troca cultural?
DT – Eu adoro conhecer música de outras culturas. Tenho uma participação no álbum de Jamila Al-Yousef, que é alemã e palestina, na faixa “Ella & Louis” e, como ela, tenho pessoas que me mostram músicas da Grécia, Polônia, Jordânia, Espanha e por aí vai. Adoro também aprender a cantar músicas em outras línguas.
É possível conhecer muita gente em Berlim e se misturar, mas faltam situações que conectem as culturas e criem interseções. Por exemplo, a comunidade árabe lá é muito grande, mas ainda há segregação, mesma coisa com a comunidade turca. Vivemos lado a lado e consumimos música, comida e certos hábitos uns dos outros, mas não nos encontramos em eventos, bares ou festas.
No álbum, qual é a música que representa a experiência mais impactante que você teve?
DT – Acho que “EnganoDesengano”, não só por ser a primeira música que eu compus em Berlim ao chegar em 2014, mas pelo momento que eu estava vivendo, experimentando a minha primeira relação poliamorosa como um trisal. Eu achava que estava pronte pra aquilo, mas ainda não estava. Tinha acabado uma relação de quatro anos que me deixou com uma grande bagagem emocional para ser trabalhada e aquela experiência me marcou e veio pra me ensinar muita coisa também.
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A sua música é uma forma de terapia para as experiências que você teve?
DT – Totalmente. Eu escrevo e canto majoritariamente por necessidade. Chegam volta e meia momentos em que não consigo expressar sentimentos só com palavras, e preciso de melodias e harmonias para criar e entender melhor os universos dessas questões. É claro que é possível também compor por demanda, mas é muito mais fácil para mim falar sobre questões latentes da minha experiência, e transmutá-las cantando sobre elas pras outras pessoas.
A variedade de tons e sons em suas músicas tem haver com estar em contato com várias culturas, explorando novas “cores”?
DT – Sim, eu sempre fui uma pessoa eclética e bem plural, e por isso também resolvi ficar em Berlim, que é diferente do resto da Alemanha por ser bem um epicentro ali onde realmente muitas culturas se encontram. Lá tem de todo tipo de música e performance, e a cidade em si também tem muita história, o que é de certa forma inspirador.
Com a distância eu comecei também a celebrar não só mais as minhas raízes, mas também ritmos latinos e as nossas diferenças de forma geral.
O que se pode esperar daqui para frente com Danilo Timm?
DT – Muita história que eu quero dividir com o mundo, muita transformação e muitas roupas lindas. Eu não consigo fazer uma coisa só, então vou continuar a dançar, atuar e a dirigir os meus grupos vocais em Berlim, mas também tenho surpresas vindo por aí.
Até aqui eu contei com a ajuda de amigues e fiz tudo de forma independente. Eu espero conseguir aumentar a escala de como eu estou fazendo as coisas, ter uma ponte mais solidificada com o Brasil e tocar para públicos maiores. Ah, e o que mais me interessa – colaborar com artistas que eu admiro.
SERVIÇO
Danilo Timm se apresenta no bar Picles
Data e hora: 20 de maio às 19h (Entrada gratuita até 21h 😉)
Local: Rua Cardeal Arcoverde, 1838 – Pinheiros, São Paulo – SP, 13104-072
Álbum NiLØ – Escute:
Música, mobilidade e anarquia com o Bike System – Emerge Mag
Coletivo usa bicicletas com sistemas de som para ocupar espaços públicos e distribuir itens de higiene para pessoas em situação de rua.