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Do malquisto ao desejado. A AMP se mantém contemporânea há duas décadas

04/01/2018

A marca de moda A Mulher do Padre nasceu numa feira de estilistas nos anos 90, se tornou um clube de música eletrônica e sobreviveu a um incêndio. Agora, prepara o lançamento de uma loja em que os clientes poderão vender suas roupas usadas

Nos próximos meses, a marca de moda A Mulher do Padre (AMP) lançará uma nova loja. Num galpão na região central da cidade, serão vendidas peças exclusivas e itens garimpados. A grande novidade será a seção Segunda Via, em que consumidores da marca poderão vender, trocar ou doar suas próprias peças usadas (e modificadas) num tipo de bazar.

A ideia é dar um novo ciclo de vida às roupas – e não simplesmente descartá-las. O modelo faz sentido na medida em que, nos últimos anos, cada vez mais marcas passaram a criar inúmeras coleções a baixo custo e em escala industrial, para provocar o consumo desenfreado.

E quais foram as consequências? Maior gasto de recursos naturais, mais produção de lixo e guarda-roupas apinhados de peças sem utilidade.

“A nova loja será uma válvula de escoamento para um período pós-fast fashion e de diminuição de resíduo.
Também representará uma nova relação com os clientes mais fiéis”, afirma Vinicius Campion, fundador
da AMP (que aparece na imagem de abertura da matéria).

MARCA POSSUI REDE DE 200 GAROTAS PARA DIVULGAÇÃO NO INSTAGRAM

A proposta da marca é baseada no conceito de upcycling, que consiste em aproveitar artigos que seriam descartados para transformá-los em novos produtos.

A tendência não é nova, mas crescente. Desde 2010, por exemplo, a pequena marca alemã Schmidttakahashi cria coleções originais a partir de roupas de descarte. Há mais de um ano, a C&A anunciou um projeto similar, mas que até hoje não chegou às lojas.

O que fez a AMP sobreviver por mais de 20 anos como referência dentro de seu nicho de atuação foi estar atenta às mudanças sociais e aos novos comportamentos jovens.

A marca produz calças, vestidos, macacões, jaquetas, roupas de banho, entre outras peças. O produto carro-feche são as camisetas de corte reto e básico, com estampas de ilustrações, gráficos e frases em diferentes idiomas e alfabetos, como o cirílico, árabe e japonês.

Uma das linhas populares é baseada em imagens encontradas em depósitos de reconsumo, como o site e-Bay. A AMP faz curadoria de ilustrações e as replica em novas camisetas. Já houve peças inspiradas em antigos uniformes de trabalhadores da Ikea de Israel e de uma companhia aérea do Uzbequistão.

Outra linha é a Hello. Nas peças, no lugar de uma etiqueta, há um campo em branco para o consumidor escrever seu próprio nome (ou qualquer outra coisa que desejar). A ideia é ir contra o costume do mercado de imprimir logotipos enormes nos vestuários para conceber ao usuário determinado status.

CENA DE FILME PRODUZIDO PELA AMP PARA REFERÊNCIA INDUSTRIAL

TRANSFORMAÇÕES NO VAREJO DE MODA

A AMP foi fundada em 1995. O primeiro ponto de venda foi um estande no Mercado Mundo Mix, feira itinerante que reunia jovens criadores. O bazar serviu de trampolim para estilistas hoje renomados, como Alexandre Hercovitch, Ronaldo Fraga e Marcelo Sommer.

Já a primeira loja foi aberta na Galeria Ouro Fino, reduto de pequenas marcas da Rua Augusta. Sem condições de bancar o aluguel sozinho, Vinicius dividia o espaço com o amigo Caito Maia, que também dava seus primeiros passos com a marca de óculos Chilli Beans.

Na segunda metade da década de 90, a AMP participou das primeiras edições da São Paulo Fashion Week e da Casa de Criadores. Paralelamente, passou a fornecer peças para lojas multimarcas. Naquela época, esse modelo de loja era responsável por levar às cidades do interior as novidades da capital (o que hoje não faz mais sentido devido ao maior acesso à informação). Depois, a AMP abriu franquias e pontos em shoppings.

Em um movimento contrário à maré da época, a AMP não terceirizou a criação e nem a fabricação das peças. O objetivo era resguardar o processo criativo, que, na AMP, funciona assim:

LOJA DO SHOPPING HIGIENOPÓLIS

O estilista faz um compilado de todas as referências que presenciou no último semestre. Nesse apanhado, entram desde símbolos recorrentes, situações observadas nas ruas e em obras de arte e de cultura pop até histórias do cotidiano.

Aliás, uma dessas histórias teve origem quando Vinicius discutiu com um homem que furou uma fila num aeroporto.

Mais tarde, o caso serviria de inspiração para a criação de uma estampa com 12 rostos sobrepostos – era como se uma pessoa estivesse furando a fila dela mesmo.

Depois, todas as informações coletadas são condensadas em um pequeno filme, que serve como referência para a produção industrial.

Vinicius diz que sempre vê marcas criarem coleções inspiradas na Índia, Marrocos e outras culturas consideradas exóticas. Na AMP é diferente. As referências são orgânicas e precisam desaparecer no decorrer do processo criativo – e não estar literalmente na peça. A ideia é triturar ao máximo diversos assuntos que, aparentemente, não combinam entre si, mas que compõem o conceito do produto final.

CLUBE DE MÚSICA, AGÊNCIA DE DJS E SUCO DE LARANJA

Em 2003, ele fundou a AMP Galaxy. Um prédio de 2 mil metros quadrados que abrigava a sede administrativa, um clube de música eletrônica, estoque, showroom, salão de beleza e restaurante.

Posteriormente, ele também lançou uma gravadora de música e uma agência de representação de DJs internacionais no Brasil. Na época, a agência foi responsável por trazer ao país artistas da icônica Gigolo Records, da Alemanha, e da cena electroclash, de Nova York. Houve shows de Justice, Larry Tee, Martini Brothers e My Robot Friend.

“AMP Galaxy foi uma plataforma de divulgação totalmente disruptiva para a época. A marca expandia sua atuação além do mundo da moda e se tornava referência cultural na cidade”

O movimento atraiu grandes marcas. Houve linhas de mochilas com a Puma, de camisetas com a Miller e Pernod Ricard e até uma marca AMP de suco de laranja em parceria com a Tetra Pak.

A empresa também se tornou representante exclusiva da linha Originals, da Adidas. Na época, a marca alemã não possuía lojas próprias no Brasil.

OS ATORES DANIEL ALVIM E MEL LISBOA, QUE NÃO COBRARAM CACHÊ, PROTAGONIZARAM UM DOS FILMES DA AMP

Tudo ia muito bem até, em 2006, a AMP sofrer um baque que quase a levou à falência: houve um incêndio na fábrica. Com a explosão, o prejuízo acumulado foi de R$ 3 milhões (aproximadamente R$ 10 milhões em valores atuais).

De uma hora para outra, o estilista perdeu tudo. A saída encontrada para a sobrevivência foi licenciar a marca junto a um fornecedor do Espírito Santo por quase três anos. Ele, então, passou a desenvolver as coleções da marca na pequena cidade de Colatina. Sozinho, em um hotel, durante seis meses por ano.

CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS

Atualmente, a AMP possui uma rede de quatro lojas na capital paulista. Há uma unidade mantida em parceria com a Editora Hedra, onde funciona um café, um pequeno restaurante e uma papelaria. Também há uma loja virtual.

Para divulgar as peças na internet, a marca utiliza o Instagram, onde tem mais de 50 mil seguidores. Ainda se tratando de redes sociais, a marca também possui uma rede de 200 garotas consumidoras que postam fotos com peças da AMP em suas contas pessoais. É a era do compartilhamento – e o público não quer ficar mais apenas na plateia.

Vinicius acredita que para um estilista se manter relevante é fundamental criar novos discursos. Quando nasceu, a AMP trazia em seu batismo uma aura contestadora. A inspiração, além do folclore, veio da brincadeira infantil em que ser a mulher do padre era um castigo. A ideia foi transformar o abominado em objeto de desejo. O impulso para criar narrativas. E histórias é o que não falta para o estilista.

IMAGENS: AMP

Quem escreveu

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Italo Rufino

Jornalista pós-graduado em marketing com dez anos de experiência. Trabalhou na revista Exame PME (Editora Abril), nos sites Diário do Comércio e Projeto Draft e na ONG de urbanismo social A Cidade Precisa de Você. Natural de Diadema (RMSP). Pai de uma criança de 10 anos. Fundador da Emerge.

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