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Informação e orgulho no fone de ouvido: podcasts de quebrada

12/07/2023

Moradores de periferias encontram nas narrativas populares em áudio um caminho para trocar informações confiáveis e contar suas histórias

No começo da pandemia de Covid-19, o Whatsapp da jornalista e educadora social Gisele Alexandre não parava de apitar. Moradora do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, amigos e familiares enviavam notícias, seguidas da pergunta “é fake news ou posso confiar?”. A maior parte das dúvidas eram sobre o auxílio emergencial e as vacinas.

A experiência em checagem de notícias, somada à credibilidade junto à vizinhança, motivou Gisele a criar o ZapCast, um serviço de transmissão de notícias sobre a pandemia via Whatsapp, com foco na população periférica. Funcionava assim: Gisele fazia uma curadoria de notícias em veículos confiáveis e as resumia em linguagem acessível, em áudios. Os disparos aconteciam três vezes por semana.

Os áudios gravados dentro de um guarda-roupa – tática de Gisele para não captar o barulho vindo das ruas – evoluíram para um programa de podcast, o Manda Notícias. Entre março e agosto de 2020, foram 60 capítulos.

Mãe solo e líder das organizações EduCapão e Pauta Periférica, que unem comunicação e Direitos Humanos, Gisele conta que, por um momento, pensou em desistir da iniciativa. “No auge da pandemia, os leitores enviavam mensagens comunicando mortes de parentes e amigos”, diz ela. “As pautas densas fizeram eu dar uma pausa no trabalho”.

Hoje, dois anos depois, o Manda Notícias é um veículo formal de jornalismo local e educomunicação, com conteúdo gratuito e mais de 1.000 assinantes. A organização possui seis integrantes, tem parceria com o Sesc São Paulo e obtém recursos financeiros via editais, como o Fomento à Cultura da Periferia, da Prefeitura de São Paulo.

Além do podcast, que está na quinta temporada, o Manda Notícias mantém uma agenda cultural colaborativa e um programa de capacitação de jornalismo e conteúdo multimídia para adolescentes. De acordo com Gisele, narrativas populares são um mecanismo para fomentar o direito à informação. 

“O Manda Notícias desconstrói estereótipos perversos sobre as periferias e contribui na redução de lacunas de informação deixadas pela mídia tradicional”

GISELE ALEXANDRE, JORNALISTA

CONTEÚDO, TECNOLOGIA E PROPÓSITO

A história do Manda Notícias se relaciona com três tendências do cenário jornalístico brasileiro. A primeira é um mau sinal: a baixa confiança no jornalismo. Em 2015, 62% dos brasileiros diziam que confiavam em notícias. Ano após ano, o índice tem caído. Em 2023, atingiu a parcela de 43%, de acordo com o último estudo Digital News Report, do Instituto Reuters. Ou seja, menos da metade dos brasileiros confiam no que os veículos jornalísticos têm a dizer. A falta de credibilidade é resultado, entre outros fatores, de campanhas de desinformação que assolaram o país nos últimos anos, muitas delas institucionalizadas.

A segunda é sobre canal de distribuição. Hoje, o Whatsapp é a principal rede de transmissão de notícias no Brasil, bem à frente do Facebook por exemplo (43% contra 35%).

Até aqui, é possível concluir que o Manda Notícias mandou muito bem ao combater a desinformação – uma real necessidade tanto do público quanto dos profissionais da comunicação – por meio de listas de transmissão no Whats. Para melhorar, há a questão do formato.

A terceira tendência é que o consumo de conteúdo em áudio tem ganhado espaço nos fones dos brasileiros. O Brasil é, inclusive, o país que mais consome podcast no mundo. Quase 43% dos usuários de internet, entre 16 e 64 anos, escutam podcast toda semana, segundo o relatório DataReportal 2023.

Entre os programas mais ouvidos estão o “Podpah” apresentado por Igão e Mítico, “A Mulher da Casa Abandonada” da Folha de S. Paulo e Chico Felitti e “Mano a Mano” apresentado por Mano Brown. O podcast jornalístico mais ouvido entre os veículos tradicionais é “O Assunto”, da Globo, com média semanal de mais de 533 mil downloads, apenas em fevereiro deste ano, segundo a Triton Digital.

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PERTENCIMENTO E INSPIRAÇÃO

Com mais de 230 episódios, o Social Podcast é outro que tem tido bons resultados. Criado em janeiro de 2021, pelo produtor audiovisual Fabio Cardoso e o fotógrafo Eduardo Cruz, o objetivo é trazer histórias de moradores da região para gerar pertencimento e orgulho de morar na periferia, especificamente na região de Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo, onde moram os jovens. 

Artistas, empreendedores, líderes de movimentos sociais, atletas e influenciadores costumam ser os entrevistados. Hoje, são cerca de 3.700 inscritos e quase 120 mil visualizações. 

Ano passado, o Social Podcast foi um dos vencedores do Realiza, Perifa – O Desafio das Quebradas, competição de inovação social que selecionou criativos de periferias para um programa de incubação. Por quatro meses, Fabio e Eduardo receberam formação, mentoria e uma quantia mensal em dinheiro para aprimorar o modelo de negócio.

Atualmente, o Social Podcast é mantido por verba de anunciantes. São seis patrocinadores, a maior parte pequenas empresas da própria Cidade Ademar, como hamburguerias e pizzarias. O podcast também gera receita com serviços de cobertura de eventos que dialogam com periferias. Recentemente, foi feita a cobertura da Super Copa Pioneer, torneio de futebol de várzea.

“Queremos inspirar a criação de novos projetos e empreendimentos e reforçar o senso de pertencimento na quebrada”

FÁBIO CARDOSO, PRODUTOR AUDIOVISUAL

E os jovens estão se inspirando mesmo. Ano passado, Fábio recebeu um convite da vizinha Tainá Ferreira para participar como entrevistado de um trabalho acadêmico – Tainá é estudante de Rádio e TV. A sinergia entre os dois foi forte. Eles gravaram curtas-metragens e episódios de podcast. Daí, surgiu a ideia de ter um programa só com mulheres. Nascia o Socielas, com foco em entrevistas com empreendedoras de periferias. 

O objetivo do Socielas é divulgar o trabalho de mulheres empresárias entre os moradores da região e, assim, movimentar a economia local. A maior parte das convidadas são de Cidade Ademar, Diadema e Pedreira, onde fica o estúdio de gravação. Por lá, já passaram desde trancistas, maquiadoras e esteticistas, a donas de lojas de roupas e empresas de contabilidade. 

Há poucos dias, o Socielas realizou um encontro de mulheres empreendedoras, o primeiro evento presencial da iniciativa. De acordo com Tainá, o grande lance foi conectar e inspirar mulheres. 

“Ver uma mulher de periferia numa posição de destaque faz com que outras mulheres percebam que podem ser protagonistas. Na quebrada há mais desafios, mas também é possível”

TAINÁ FERREIRA, ESTUDANTE

Foto de capa: Rafael Felix

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