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Jovens LGBTQIA+ querem trabalho

14/06/2021

Frente ao cenário de desemprego recorde, o ateliê Vou Assim capacita profissionais para o mercado de moda, cenografia, audiovisual e social media

Frente ao cenário de desemprego recorde, o ateliê Vou Assim capacita profissionais para o mercado de moda, cenografia, audiovisual e social media

*Reportagem desenvolvida por Victor Menezes, alune do curso de Jornalismo Ágil da Emerge Mag.

As luzes se acendem para despertar a sensação do calor do sertão da Bahia. No centro do holofote, corpas vivas representam a beleza de SerTransneja, ou “bichas afeminadas” de Caldas do Jorro, no munícipio de Tucano, destino turístico conhecido por suas fontes de águas termais e terapêuticas. SerTransneja é um fashion filme idealizado pelo ateliê Vou Assim, baseado na pesquisa de Tertuliana Lustosa junto ao Coletivo Xica Manicongo e TRANSportado, que foi exibido na 47ª edição da Casa dos Criadores, realizada no final de 2020 (veja o vídeo no final desta reportagem). As roupas usadas na obra audiovisual são de materiais reutilizáveis das famosas fábricas de sandálias e bolsas de napa (corino) e foram confeccionadas por costureiras e artistas plásticas da região.

Criada em 2016, a Vou Assim é uma plataforma de empregabilidade e articulação com ações voltadas à representatividade e demandas socioculturais LGBTQI+ com foco na comunidade trans. Entre as frentes de trabalho estão audiovisual, moda, cenografia e social media. Recentemente, a Vou Assim lançou o projeto LGBTQIA+ Quer Trabalho, que realiza capacitação profissional de jovens periféricas para inserção no mercado de trabalho. Posteriormente, a Vou Assim vai mapear profissionais para criar uma agência de emprego e um e-commerce de obras de arte e produtos criativos. Esta segunda etapa da iniciativa tem como parceiro Todxs, organização sem fins lucrativos que visa a inclusão de pessoas LGBTQI+ na sociedade por meio de iniciativas de formação de lideranças, pesquisa, conscientização e segurança. Pimentel, fundadora da Vou Assim e embaixadora da Todxs, explica:

“Grande parte do mercado do trabalho ainda nega acesso a LGBTQIA+ por preconceito; e não por falta de habilidade dos profissionais. Já ouvi de entrevistadores ‘você é muito afeminado’ para um trabalho que nem vocal era. Ou seja, para conseguir o emprego, eu teria que apagar a minha expressão, a minha voz e quem eu sou”.

Aqui, cabe uma curiosidade. A origem do nome do ateliê tem a ver com os questionamentos que Pimentel era acostumada a ouvir devido seus trajes. “Durante toda a minha vida, escutava as pessoas falando para mim ‘você vai assim? Se for, não vou sair com você não'”, diz ela. “Ai eu respondia: ‘sim, vou assim!'”.


TRABALHO EM REDE

Além de Pimentel, integra a Vou Assim Valéria Zion, Aurélio Prates Rodrigues, Fefa e Felipa Anastácia, as duas últimas oriundas do projeto LGBTQIA+ quer trabalho.

Devido a pandemia, as atividades da agência foram adaptadas para o online, com lives de oficinas e rodas de conversa sobre redução de danos e IST’s e cursos de moda, editorial de moda, cenografia, audiovisual e artes gráficas. Para encerrar o projeto, será realizada a 1ª Semana de Arte Periférica da Vou Assim, a mostra e série de espetáculos Periferia é Arte e o lançamento do videoclipe Sertransneja.

De acordo com Felipa e Fefa, as atividades oferecem novas perspectivas de trabalho, uma vez que jovens transvestigêneres têm dificuldades para conseguir emprego com carteira assinada. Ambas entrevistadas enfatizam o impacto da Vou Assim em suas vidas, uma vez que, além da capacitação profissional, a agência oferece uma rede de contatos e apoio.

No caso de Fefa, por exemplo, trabalhar com a Vou Assim foi uma alternativa de geração de renda após o fim do auxílio-emergencial pago pelo Governo Federal. Por sua vez, Felipa já conseguiu fechar desfiles na Casa dos Criadores via intermédio da agência. Ela comenta:

“Precisamos criar redes de fortalecimento. Ao ganhar editais e alcançar oportunidades de emprego, é importante trabalhar juntas e construir projetos com outras pessoas LGBTQIA+”

Entre as principais parceiras da Vou Assim estão a marca de moda África Plus Size (já perfilada pela Emerge); a gestora e incubadora de projetos culturais e socioambientais periféricos FUNANI; o coletivo cultural Cabeças (também já perfilado pela Emerge) e a estilista Vicenta Perrotta, fundadora do Ateliê Transmoras e da marca Use VP. De acordo com Vicenta, a parceria se deu de forma orgânica, uma vez que as organizações fazem parte das mesmas ações para aumentar o impacto social dos projetos. A estilista complementa:

“A gente não faz moda. Nossa proposta é construir um outro discurso a partir do que estamos fazendo, vestindo e consumindo e colocar nossos corpos num outro lugar, enquanto não alienado. É usar o corpo para questionarmos nós mesmas e o meio que estamos inseridas, lugar este que muitas vezes não queremos mais vivenciar. Assim, usamos o processo de criar roupas para construir outras possibilidades de vida”

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ESPERANÇA NUMA TERRA DEVASTADA

No primeiro trimestre de 2021, a taxa de desemprego no Brasil bateu recorde e subiu para 14,7%, atingindo 14,8 milhões de pessoas. Entre jovens de 18 a 24 anos, a taxa é ainda maior: 29,8%, conforme auferiu o IGBE ao fim de 2020. Por sua vez, um estudo da Unicamp e UFMG apontou que a população LGBTQIA+ está mais vulnerável ao desemprego e à depressão por causa da pandemia e possui taxa de desemprego de 21,6%, considerando todas as idades.

Por outro lado, é observado um crescente interesse por inclusão em grandes empresas – e não somente pela questão de conscientização, mas principalmente por demandas dos negócios e busca por lucro. Um relatório lançado em 2020 pela McKinsey & Company, consultoria global de estratégica de negócios, mostrou que empresas com diversidade de gênero em suas equipes executivas – onde a maior parte das decisões estratégicas e operacionais são tomadas – são 21% mais propensas a ter uma rentabilidade acima da média do que as outras. Isso quer dizer que investir em justiça social traz vantagens competitivas para as empresas.

Nesse meio campo, há plataformas brasileiras que estão aproveitando as oportunidades, ao mesmo tempo que gera impacto social positivo. É o caso da Camaleao.co, que mantém um banco de talentos LGBTQIA+, conecta profissionais com as empresas e realiza ações e palestras de inclusão no mercado de trabalho. Outra plataforma é a Transempregos, que reúne milhares de currículos de pessoas Transexuais de todo Brasil e desenvolve ações de acolhimentos para profissionais e de conscientização para empresas.

TATA LOPES E PIMENTAL, FUNDADORA DA VOU ASSIM: EMPREGABILIDADE E ARTICULAÇÃO

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EMPRESAS, MELHOREM!

Estimativas apontam que a população LGBTQIA+ no Brasil é composta por cerca de 20 milhões de pessoas, ou seja, 10% da população. Embora a inclusão tenha ganhado força nos últimos anos, ainda há um vasto caminho dentro das empresas quando o assunto é valorização de corpos dissidentes. Liliane Rocha, CEO e fundadora da Gestão Kairós, consultoria de sustentabilidade e diversidade, comenta:

“Representar a mesma demografia de um país dentro do quadro funcional de empresas e instituições é o parâmetro mais próximo que podemos chegar de igualdade e justiça social – é não é isso que ocorre nas empresas nacionais”

Recentemente, a consultoria aplicou um Censo Demográfico em empresas clientes e constatou que, na média da amostragem geral, cerca de 6% dus profissionais são lésbicas, gays e bissexuais e 0,4% são transgênero. Quando é feito o recorte entre lideranças – nível gerente e acima – os números caem para 1,21% e 0,08%, respectivamente. O estudo também ouviu us empregades e constatou que 38% dus autodeclarades lésbicas, gays, bissexuais e transgênero não percebem valorização do tema dentro das empresas. “Isso mostra como as pessoas LGBTQIA+ anseiam por um mínimo de abertura ou oportunidade para conseguirem enfim externalizar no ambiente de trabalho essa parte tão fundamental sobre suas identidades”, Luís Eduardo Oliveira, relações públicas e analista de diversidade e comunicação da Kairós.

E há outra questão, a falta de conhecimento sobre diversidade sexual dentro das empresas é um dos principais entraves. De acordo com Liliane, as lideranças não compreendem as diferenças entre o sexo biológico do nascimento, a expressão, a orientação sexual e a identidade de gênero. “Em geral, notamos que lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros seguem não sendo contratados pelas empresas ou, se estão sendo contratados, não se sentem confortáveis em declarar a sua orientação sexual e identidade de gênero”, diz a especialista.

FOTOGRAFIAS: Marcos Santos, Victor Reiz, Lucas Cardoso e João Vicente.

Esta reportagem integra o projeto Mapeamento de Artistas, Ativistas e Coletivos Culturais Edição 2021 da Emerge Mag, realizado com apoio da Lei Aldir Blanc na Cidade de São Paulo, da Secretaria Municipal de Cultura/Prefeitura Municipal de São Paulo e do Governo Federal.

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Revista digital de cultura, direitos humanos e economia criativa interseccional e estúdio criativo de Diversidade, Equidade, Inclusão e Impacto Social.

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