Em 2012, o 5º Jamboree Nacional Escoteiro foi sediado no Rio de Janeiro (RJ). A atividade promovida pela União dos Escoteiros do Brasil (UEB) reuniu milhares de crianças, jovens e adultos voluntários de vários estados, em um grande acampamento. O slogan, “Muitas origens, um só país”, refletia uma das ideias bases do Movimento Escoteiro: ainda que diferentes, todos são irmãos no escotismo.
Fundado em 1907 pelo tenente-general do Exército Britânico, Robert Baden-Powell, na Inglaterra, o centenário Movimento Escoteiro reúne, hoje, mais de 100 mil membros no Brasil. De lá para cá, muita coisa mudou. Questões sobre representatividade e diversidade estão sendo cada vez mais pautadas e exigidas, assim como as soluções para as suas ausências.
O objetivo da UEB é que o escotismo se torne o maior movimento de educação juvenil do País, influenciando e engajando jovens rumo à mudanças positivas em suas comunidades e no mundo. Mas como fazer isso se, apesar de marcado por diferentes origens e baseado no valor da irmandade, o Movimento Escoteiro ainda tem várias influências conservadoras?
O escotismo brasileiro é composto por centenas de grupos espalhados pelo país, cada um dividido em quatro seções, organizadas por idade. O Ramo Lobinho, com crianças de 7 a 11 anos, o Ramo Escoteiro, com membros dos 11 aos 15, o Ramo Sênior, com jovens dos 15 aos 18, e o Clã Pioneiro, que vai dos 18 aos 21. Não há indicadores que mensurem a representatividade e diversidade no movimento. Por isso, conversamos com alguns membros para entender como é a vivência escoteira quando se é LGBTQIA+.
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ACOLHIMENTO ENTRE A JUVENTUDE VERSUS A RESISTÊNCIA DE RESPONSÁVEIS
Joana Barros, 19, é estudante de física na Universidade de São Paulo (USP), pioneira do Clã Luis Betran Ruano e membro do Grupo Escoteiro Guia Lopes 39º/SP há 12 anos. Durante a pandemia, se entendeu pansexual e, diferente de outros espaços, não houve segredo ou dificuldade para “sair do armário” entre os colegas de seção.
O mesmo aconteceu com Kauanny Moutinho, 18, pioneira do Grupo Escoteiro Romano 305º/RS. Lésbica, ela também se sente segura no escotismo, já que há vários outros membros da comunidade LGBTQIA+.
O sentimento de irmandade e união é um dos motivos pelos quais as jovens se sentem à vontade para se expressarem como são no Movimento Escoteiro. Elas aprendem, no escotismo, não só práticas escoteiras e técnicas de sobrevivência, mas fazem reflexões sobre questões atuais e possíveis soluções, com o objetivo de se tornarem indivíduos melhores para suas comunidades.
“O ambiente escoteiro é um dos poucos em que sinto que posso baixar a guarda”
KAUANY MOUTINHO, GUIA NO MOVIMENTO ESCOTEIRO
O esforço de aplicar medidas afirmativas na instituição escoteira encontra – como em outros espaços de educação juvenil – resistência de pais, responsáveis e adultos voluntários conservadores. O argumento é de que os valores da instituição escoteira não aprovariam tal “agenda radical”.
Segundo Ana Fonseca, coordenadora de diversidades da UEB, a desconstrução dessas narrativas deve ser feita com paciência e de forma amigável. “A pasta trabalha principalmente com educação de adultos. Muitos não sabem conceitos básicos sobre diversidades, por isso é importante ter uma linguagem acessível e tranquila, que acolha as dúvidas”, diz.
O posicionamento oficial dos Escoteiros do Brasil é que a LGBTfobia, além de qualquer outro tipo de discriminação, é contrária aos princípios escoteiros de tolerância e respeito às diferentes formas de pensar e existir.
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GRUPOS ESCOTEIROS EM COMUNIDADES TRADICIONAIS
Por esses e outros desafios, o acolhimento à comunidade LGBTQIA+ não é um padrão no escotismo brasileiro. Há grupos que estão diretamente ligados a instituições mais conservadoras, como igrejas, movimentos étnicos tradicionais ou até órgãos de segurança pública, onde ainda é um tabu a presença de membros da sigla.
Mas há luz no fim do túnel. Alessandra Aya Kodama, 33, é lésbica e chefe escoteira no Ramo Sênior do grupo Hongwanji 67º/SP. Depois de assumir sua sexualidade, ela tinha receio em expressá-la no ambiente escoteiro, já que o templo budista Honpa Hongwanji, que sedia o grupo, é uma comunidade tradicional. Mas agora Aya fala abertamente sobre o assunto. “Até brinco com os seniors sobre como conversar com garotas”.
É um trabalho em desenvolvimento, mas as atitudes dos jovens podem mudar como um grupo escoteiro enxerga a diversidade, mesmo estando dentro de comunidades tradicionais. Aya explica que os Clãs Pioneiros são os que mais têm autonomia e por isso são os mais ativos na causa LGBTQIA+. Ainda há uma certa resistência, porém, quando esses jovens assumem cargos de chefia, como adultos voluntários.
FALTA DE VISIBILIDADE PARA PESSOAS TRANS
Embora haja mais jovens trans no escotismo do que há algumas décadas, é menos comum ver chefes ou escotistas voluntários da comunidade. Um problema que afeta e contradiz a imagem do escotismo como um ambiente acolhedor.
Yu Golfetti, 29, no comando do Ramo Sênior do Grupo Guia Lopes, é uma das poucas mulheres trans chefes escoteiras conhecidas. Ela opina que a UEB deveria fazer um gesto de abraço e garantir mais visibilidade para as pessoas Ts da sigla.
“Vejo que um aumento da representatividade seria muito necessário, até para que a gente pudesse captar famílias que são LGBTQIA+, a trazerem seus filhos”, diz. Ela pontua que o estereótipo militarizado difundido fora do movimento não é verdadeiro e afasta membros da sigla.
“É a partir do momento que a gente se abre para essa representatividade que mudamos essa visão e traremos pessoas que irão ajudar na mudança do movimento”
YU GOLFETTI, CHEFE ESCOTEIRA DO RAMO SÊNIOR DO GRUPO GUIA LOPES
Reforçando a visão de Yu, Ana Fonseca defende que a forma como as relações interpessoais no Movimento Escoteiro são construídas é baseada no respeito. “Apesar de tudo, o esforço para combater a intolerância e o ódio tem que vir de nós, para assim estarmos prontos para fazer nosso melhor possível”, em alusão à Promessa Escoteira, juramento feito por todos os membros durante a formação no escotismo.
ILUSTRAÇÃO DE ABERTURA: Colagem por Teresa Cristina Silva.