Série da Netflix destaca não binariedade, racismo e sexualidade, temas que ainda são escassos nas escolas brasileiras.
*Contém spoiler.
A terceira temporada de Sex Education foi lançada em setembro de 2021 na Netflix e trouxe consigo vários temas que o conservadorismo tenta incansavelmente jogar para baixo do tapete. Não que as primeiras temporadas já não incomodassem os defensores da família tradicional brasileira, ao mostrar explicitamente e de forma normalizada casais LGTQIA+ e discussões sobre sexo, vaginas e pênis.
Nesta última, no entanto, houve a introdução de assuntos como a não binariedade, que virou o novo alvo do gritedo bolsonarista-cristão no Brasil [como a Emerge falou aqui]. Na trama, es personagens Layla e Cal são NB – u últime é interpretade por Duah Saleh que, na vida real, é uma pessoa não-binária.
Além disso, os temas transcendem os adolescentes e há mais destaque para as relações adultas, como a gravidez acima dos 40 anos de Jean Milburn e o novo romance de Maureen Groff, que não aceita voltar com o ex-marido mesmo quando ele tenta provar que “mudou” ao descobrir um novo hobby, a culinária (#risos).
Porém, nem tudo são flores. A série recebeu algumas críticas pela forma como trata as temáticas raciais, principalmente em relação a Eric, que vive na sombra de Otis, e namora Adam, um rapaz branco que o humilhou diversas vezes (para ler mais sobre o assunto, indico este texto).
Educação sexual: uma discussão urgente
Como jornalista e futura professora (que pretende conviver bastante com adolescentes), a temática que eu gostaria de destacar aqui é justamente a educação sexual, que norteia a série desde o início – não é à toa que o nome da produção é Sex Education.
Se na primeira temporada eram es alunes do Colégio Moordale que pautavam a educação sexual dentro de um banheiro abandonado, onde funcionava a clínica de Otis e Maeve que depois ganhou os palcos, a segunda terminou com o musical erótico “Romeu e Julieta”, escrito por Lily.
Já na terceira temporada, logo de cara percebemos que as dificuldades delus serão ainda maiores. Michael Groff é substituído na direção da escola por Hope, que vende uma imagem de descolada e amiga des alunes. No entanto, não demora muito para ela se mostrar uma pessoa transfóbica, racista e opressora. O que começa com uma linha para forçar os adolescentes a andar em filas se transforma em proibição de quaisquer mudanças corporais, como piercings e cabelos coloridos. Além disso, Hope se recusa a pautar discussões da não binariedade, como ter um banheiro sem gênero, e usa Vivienne como “token”, expressão utilizada quando uma pessoa serve apenas para dar uma imagem progressiva, mas não há preocupação com a igualdade e inclusão de fato, apenas na imagem para quem vê de fora.
Além disso, sob o pretexto de “transformar a imagem” de Moordale, Hope se mostra completamente contrária à educação sexual. Para ela, a solução é assustador es jovens, mostrar o sexo como algo perigoso, incentivar a abstinência e botar toda a culpa de uma gravidez indesejada na pessoa que tem útero.
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Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência
Infelizmente, qualquer semelhança da terceira temporada de Sex Education com a realidade não é mera coincidência. A educação sexual não é tema comum no Brasil – e o cenário tem piorado desde que Jair Bolsonaro chegou ao poder. Em janeiro de 2020, Damares Alves, ministra da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos, afirmou que o governo promoveria a abstinência sexual entre jovens, numa ação em parceria com Nelson Neto Júnero, criador do movimento “Eu Escolhi Esperar”, que incentiva pessoas a fazer sexo apenas depois do casamento.
A sexualidade, dessa forma, vira um tabu – mas só para pais, mães e filhes, já que entre os jovens o assunto rola solto. Você que está lendo essa matéria, assim como eu, foi adolescente um dia, e sabe como masturbação, sexo e pornografia são assuntos extremamente comuns nas rodinhas de amigues. Jogar o tema para baixo do tapete, especialidade do conservadorismo, não vai fazer com que ele deixe de existir, ainda mais na era da internet, onde tudo é instantâneo e de fácil acesso.
E os dados falam por si. Segundo relatório divulgado em 2020 pelo Observatório Nacional da Família, a média de idade do início da vida sexual do brasileiro é de 12,7 anos para os homens e 13,8 anos para as mulheres. Além disso, estudos mostram que nenhum projeto pautado em cima da abstinência sexual para reduzir o índice de gravidez na adolescência foi promissor. Diversos especialistas defendem, ainda, que conversar sobre sexualidade previne casos de abusos e de infecções sexualmente transmissíveis e desenvolve a maturidade nos relacionamentos.
Me dói falar que, certamente, ainda falta muito chão para chegarmos no patamar de pautar tais discussões como é feito em Sex Education. Porém, a introdução cada vez maior de temáticas LGBTQIA+, sexualidades e a normalização de nossos corpes e vontades, seja através de séries, filmes, livros ou do bom e velho Twitter, é a plantação de uma sementinha para que, em um futuro, sejamos livres para r(existir).
IMAGENS: Divulgação Netflix