Dilemas da representatividade LGBTQIA+ no audiovisual

23/05/2025

Três jovens falam sobre os desafios de representatividade LGBTQIA+ na cultura pop, apontam falhas e como chegar a histórias mais autênticas.

A maneira como as pessoas LGBTQIA+ são retratadas na mídia está no centro de discussões sobre diversidade e inclusão. A falta de representatividade ainda são barreiras que limitam a visibilidade dessa comunidade. Mas como essas questões impactam a cultura pop e o cotidiano de quem busca se ver nas telas, livros e músicas?  

Para explorar esse tema, conversamos com três pessoas LGBTQIA+ aficionados em cultura pop. Com experiências, idades e perspectivas distintas, cada uma compartilha sua visão sobre os avanços e os desafios da representatividade LGBTQIA+ no segmento e explica o que não cabe mais em filmes e séries.  

São nossas fontes: André Santos, 25 anos, vendedor em Santa Bárbara d’Oeste, interior de São Paulo; Thiago Gonçalves, 37 anos, gerente de produtos digitais, ator e publicitário; e Julia Lopes, 20 anos, estudante de Serviço Social na Unifesp, de Santos, litoral paulista. 

VEJA TAMBÉM: As drag queens que minam o conservadorismo na periferia.

JULIA LOPES: 20 anos, bissexual e estudante de serviço social.
Quais caracterizações de personagens LGBTQIA+ estão ultrapassadas nos dias atuais?

Julia: Falando sobre minha vivência como uma pessoa bissexual, sempre cortam essa parte da pessoa ser bissexual. Lembro do filme Rua do Medo (diretora Leigh Janiak, 2021, Netflix), no qual a personagem principal, Samantha, tem um relacionamento com a Deena. No início do filme, elas estão brigadas. Depois, Samantha aparece ficando com um menino. Eles acabam ignorando o fato de que ela pode ser bissexual e apresentam como única possibilidade a Samantha ser lésbica. Seria importante ter representatividade bi nas telas. Me cansa um pouco as mídias ignorarem algumas vivências. 

Como o público LGBTQIA+ reage à falta de profissionais abertamente LGBTQIA+ trabalhando nas produções? 

Thiago: Profissionais LGBTQIA+ existem e sempre existiram na grande mídia. Acredito que muita gente estava, profissionalmente, no armário. Era diferente no passado e, atualmente, esse olhar crítico nos deu a possibilidade de contar de fato as nossas histórias para o público. E nem faz tanto tempo assim, o Reynaldo Gianecchini foi falar muito recentemente sobre sua sexualidade de maneira aberta. Há outros atores, também de longa data como o Luiz Fernando Guimarães, que fazia Os Normais (diretor geral José Alvarenga Júnior, TV Globo, de 2001 a 2003). Ele é um baita ator que nunca falou sobre ser gay publicamente, só agora. É um pouco da prova de que essas pessoas estavam ali nos bastidores, às vezes até na frente das câmeras, mas não se sentiam seguros e não tinham espaço para serem abertamente quem são.

O Queerbaiting (sugerir representatividade LGBTQIA+ sem concretizá-la) ainda é um problema? Pode dar exemplos recentes? 

Julia: Eu lembrei da série Stranger Things (diretores Irmãos Duffer, 2016, Netflix). No começo da série, os personagens Mike e Will desenvolvendo um grande afeto, ainda não explicitamente romântico. Logo, os fãs começaram a shippar o casal na internet. Os produtores ouviram o público e, na quarta temporada, tentaram criar o romance. Porém, não funcionou na trama. O Mike acaba se envolvendo com uma personagem feminina. Então é óbvio que eles não irão ficar juntos. Lembro do Queerbaiting quando saiu a série, colocaram os 2 de capa na nova temporada como se algo entre eles fosse acontecer, no fim nada disso é real. Esse é um caso de Queerbaiting. Foi feito para falar “olha que legal, a série tem um casal gay”, mas, na realidade, não tem.

Thiago: Sinto que, muitas vezes, é uma estratégia de marketing falar que uma série tem pessoas LGBTQIA+. Isso até me surpreende positivamente, porque muito recentemente isso não vendia. Era repreendido. Finalmente sacaram que existe um público a fim de ver histórias gays, casais diversos e histórias diversas — e isso vende. É legal saber que isso vende, pois as produtoras estão atendendo a demanda do público. Porém, há outras possibilidades de história que podem nos atender, e que não seja Queerbaiting

ANDRÉ SANTOS: 25 anos, homem trans e vendedor.
Quais produções recentes acertaram na representatividade LGBTQIA+? E quais ainda erram? 

André: Um bom exemplo de acerto é Manhãs de Setembro (dirigido por Luís Pinheiro e Dainara Toffoli, de 2021-2022, pela Amazon Prime). A cantora Liniker atua como personagem principal. É abordada uma vivência muito sobre dificuldades reais, de uma mulher negra sendo trans no Brasil. Ao mesmo tempo, não tira a leveza da personagem e da história. Um exemplo que eu critico é Euphoria (dirigido por Sam Levinson, desde 2019, pela Max). A personagem Jules, uma mulher trans, tem o estereótipo “a drogada”, que mantém relações sexuais com homens só para fugir de si mesma. É algo extremamente equivocado, e ainda muito comum sobre pessoas LGBTQIA+. 

SAIBA MAIS: Por dentro de uma ball de vogue de quebrada.

Por que a “tragédia LGBTQIA+” já não é mais bem recebida?

André: Lembro quando comecei a assistir Pose (dirigido por Ryan Murphy, Brad Falchuk e Steven Canals, de 2018 a 2021, pela FX). Eu sempre ficava esperando alguma coisa ruim acontecer. Na época, não tinha muita convivência com pessoas trans. Assisti a série bem antes da minha transição. O contexto da história de Pose, é o contexto da vida das personagens, permeado por questões sociais reais. Existe um final feliz, que é a personagem principal, Blanca, conseguir montar a própria casa. É importante para mostrar que podemos chegar onde a gente quiser.

THIAGO GONÇALVES: 37 anos, homem gay, gerente de produtos digitais, ator e publicitário.
Como a comunidade LGBTQIA+ pode continuar a incentivar por melhor representatividade LGBTQIA+ no audiovisual?

André: precisamos pautar mais recortes sociais e mostrar a diversidade dentro da comunidade. Vou dar um exemplo real. Recentemente, tentei reunir pessoas trans da minha cidade, Santa Bárbara d’Oeste, pois nasci e cresci aqui e ainda não tenho contato com as poucas pessoas trans da região. O objetivo era tirar um dia para que a gente pudesse sentar e conversar sobre as nossas demandas e posicionamentos políticos. Porém, não deu certo. Primeiro, a maioria das pessoas tinha pouca disponibilidade, pois precisam dedicar muito tempo para gerar renda e sobreviver. Além disso, sinto que elas sentem que não tem lugar de fala e capacidade para se organizar politicamente. Essa dificuldade vem de uma questão histórica, de sempre ser o outro que fala pela gente. Então, quando há oportunidades de pautar nossas demandas, precisamos confiar em nós mesmos.

Thiago: Sobre o incentivo à representatividade LGBTQIA+, o importante é sermos protagonistas do mercado audiovisual, sendo diretor do filme, roteirista, câmera, ator e atriz, entre outros cargos da produção. Além de tomar à frente do mercado, também precisamos consumir produções feitas pela nossa comunidade. Sempre faço questão de apoiar festivais e assistir filmes independentes. São maneiras de incentivar esse universo e as nossas próprias histórias. 

Julia: É o que o Emicida fala é “nós por nós”. Sempre falo para os meus alunos, ninguém mais está por nós além de nós mesmos. Então, eu acho que o melhor incentivo é ocupar lugares, fazer coletivos, se apoiar, criar essa rede de afeto. É isso que faz a gente ter força para continuar todo dia. Aqui em Santos, eu faço parte de um grupo de mulheres negras, e está sendo muito importante para mim. Está fazendo parte da minha trajetória. Em 2025, temos nos encontrado uma vez ao mês. Sentamos e conversamos sobre a vida, as partes boas e também as ruins. A gente se acolhe muito, e está sendo realmente uma rede de afetos que eu nunca tinha sentido antes.

FOTOGRAFIAS: acervo pessoal e reprodução.

Quem escreveu

Picture of Redação Emerge Mag

Redação Emerge Mag

Revista digital de cultura, direitos humanos e economia criativa interseccional e consultoria de diversidade e impacto social (ESG).

Inscreva-se na nossa

newsletter

MATÉRIAS MAIS LIDAS

ÚLTIMAS MATÉRIAS

NEWSLETTER EMERGE MAG

Os principais conteúdos, debates e assuntos de cultura, direitos humanos e economia criativa interseccional no seu e-mail. Envio quinzenal, às quartas-feiras.