Pesquisar
Close this search box.
Pesquisar
Close this search box.

Samba Negras em Marcha, quando música e atuação social caminham lado a lado

24/01/2018

Grupo reúne 29 cantoras e percussionistas que elevam a voz para resgatar a presença feminina no samba, além de debater igualdade de gênero e raça

No próximo dia 13 de fevereiro, o Samba Negras em Marcha fará sua primeira apresentação de 2018. O coletivo de mulheres sambistas será uma das atrações do “ElesPorElas”, ação global da ONU Mulheres, que acontecerá no Museu de Arte Moderna de São Paulo. O evento é um esforço para envolver homens na remoção de barreiras sociais e culturais que impedem a ascensão feminina, o chamado machismo estrutural.

A apresentação será mais um reconhecimento para as integrantes, que usam a voz e a percussão para debater a igualdade de gênero e o empoderamento feminino.

O Samba Negras em Marcha é composto por mulheres entre 20 e 60 anos, oriundas de diferentes movimentos artísticos e sociais da cidade de São Paulo, como Levante Mulher, Coletivo Luana Barbosa, Coletivo Anarco Punk Aurora Negra e Movidas pela Capoeira. No repertório, as músicas ressaltam a africanidade e as potencialidades femininas.

No mundo musical, a inspiração é Elza Soares, Dona Ivone Lara, Sandra de Sá, Margareth Menezes e Clementina de Jesus. Há também referências a grupos independentes como o Ilú Oba de Min, composto exclusivamente por mulheres ritmistas que tocam músicas de matriz africana e afro-brasileira. Jackie Cunha, uma das fundadoras, comenta a proposta:

“O comportamento eurocentrista adotado no Brasil fez com que nós perdêssemos as nossas raízes. Quando escolhemos o samba para ser nossa manifestação artística, resgatamos a nossa ancestralidade negra”

MAHU LIMA, MARA LÚCIA E JANA CUNHA: GRUPO FOI FORMADO DURANTE OS PREPARATIVOS PARA A 1º MARCHA NACIONAL DAS MULHERES NEGRAS (Foto: Kalinca Maki)

O discurso racial e de gênero é intrínseco na banda. Criada em meados de 2015, meses antes da I Marcha Nacional das Mulheres Negras, que aconteceu no dia 15 de novembro daquele ano. A manifestação reuniu mais de 50 mil participantes, de acordo com as organizadoras, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. O objetivo era reivindicar direitos e propor a unicidade da luta negra, liderada por mulheres.

As fundadoras do Samba Negras em Marcha participavam da organização da marcha e a ideia de ter uma banda surgiu no encerramento de um ciclo de debates. Criar apresentações musicais também serviria para arrecadar fundos para a realização do protesto, ao mesmo tempo que poderia ser um momento de descontração para as participantes. Nesse sentido, Mara Lucia lembra:

“As plenárias de organização da Marcha Nacional das Mulheres Negras abordam temas fortes, como racismo e violência. Mas também tínhamos a preocupação de criar um espaço para um respiro, que se deu por meio da música”

MULHERES NA HISTÓRIA

Duas características destacam o Samba Negras em Marcha de outros movimentos musicais: a primeira está explícita em seu nome, que remete a um movimento para referenciar e exaltar a resistência da mulher negra; a segunda é o fato de o grupo ser aberto. Assim, é natural, a cada apresentação, identificar um novo rosto entre as participantes veteranas – o que explica o alto número de componentes. São 29!

MICHA NUNES E CINTHIA ABREU: MAIORIA DAS INTEGRANTES DO GRUPO NÃO OBTÉM RENDA COMO MUSICISTAS (Foto: Kalinca Maki)

Recentemente, as integrantes passaram a contar com o talento de Camila Trindade, Maíra Rosa e Cris Palazzo para produzir canções originais. A letra da primeira música autoral, composta por Camila, é um recado claro: “A mão que toca o tambor é feminina”.

Aqui, elas dão uma aula de história. Após a abolição da escravidão no Brasil, a elite do país tentou apagar toda e qualquer manifestação afro-brasileira e iniciou-se uma nova perseguição aos negros.

No final do século XIX, reuniões embaladas a música eram encerradas na base da violência pela polícia. Foi aí que, no Rio de Janeiro, mulheres negras de religiões de matriz africana passaram a abrigar músicos dentro de seus terreiros. Sob o “disfarce” de encontro religioso, o ritmo sofria menos repressão.

O maior nome desse movimento é Tia Ciata, mãe de santo baiana que mantinha um centro religioso homônimo no centro do Rio. Escondidos em sua casa, Pixinguinha, Donga, Heitor dos Prazeres, João da Baiana e outros compositores se reuniam para criar música. Era a origem do samba.

Tia Ciata foi tão importante para o gênero musical que as agremiações carnavalescas surgidas entre os séculos XIX e XX costumavam desfilar em frente ao seu endereço, a casa de número 117, na rua Visconde de Itaúna.

Porém, quando o samba finalmente foi aceito no âmbito público sob o status de símbolo nacional, no segundo Governo Vargas (1951-1954), o machismo passou a inviabilizar a participação de mulheres na manifestação cultural, especialmente se quisessem ser compositoras ou cantoras.

Hoje, a maior lembrança da importância da mulher na história do samba fica por conta da ala das baianas, obrigatória nos desfiles de carnaval. Sobre esse ponto, Micha Nunes dá a letra:

“O homem tomou para si o samba e a história do samba, esquecendo-se que o samba só persistiu porque as mulheres abriram as portas dos seus terreiros para a música acontecer”

CAMINHADA DIÁRIA

Se quando estão no palco ou na mesa do bar a imagem que transparece é de alegria, no dia a dia a realidade é dura. A dificuldade de se manter no meio musical é alta. “Pega a programação dos bares de samba de São Paulo”, sugere Mara. “Quase não tem mulheres tocando. Eles acham que o nosso lugar é do lado de fora, rebolando”.

BANDA REÚNE MULHERES DE DIFERENTES MOVIMENTOS ARTÍSTICOS E SOCIAIS DE SÃO PAULO (Foto: Maíra Domingues)

Há uma grande escassez de espaços comerciais que pagam cachês justos para as musicistas – e isso impede que elas vivam exclusivamente do samba. A maioria trabalha em atividades que não têm a ver com a música: são assistentes sociais, professoras, funcionárias públicas e estudantes.

De acordo com Cinthia Abreu, às vezes, o custo para se deslocarem até um bar com os instrumentos musicais é maior do que a remuneração paga pelos donos dos estabelecimentos. “É como se tivéssemos que pagar para fazer um show”, diz ela.

Outro problema é a intromissão de homens durante as apresentações. “Eles chegam na roda e, sem pedir licença, pegam os instrumentos para tocar”, diz Mahu Lima. “É um absurdo”.

Diante dessa realidade, o grupo optou por selecionar os eventos que participa. Hoje, elas só tocam em lugares com sinergia nas lutas que são naturais do samba e da marcha.

Há um ano e meio, elas fazem apresentações mensais gratuitas, sempre nas primeiras sextas-feiras do mês, no Aparelha Luzia, centro cultural e político na região central da cidade. Elas também costumam realizar apresentações e ensaios na Casa de Cultura do Butantã.

Nos últimos anos, o Samba Negras em Marcha realizou apresentações em eventos da Uneafro, no Sarau das Manas, no Sarau das Rosas, na Virada Feminista e nos encontros mensais de mulheres sambistas, na Praça Elis Regina. Mas a grande maioria dos eventos que participam está ligada à arrecadação de fundos para outros projetos, especialmente para manter de pé terreiros de candomblé e umbanda. Como costuma dizer Cinthia, o lance é que “a nossa luta carrega o nosso samba e o nosso samba carrega a nossa luta”.

IMAGENS: Maíra Domingues (foto de abertura) e Kalinca Maki

Quem escreveu

Inscreva-se na nossa

newsletter

MATÉRIAS MAIS LIDAS

ÚLTIMAS MATÉRIAS

NEWSLETTER EMERGE MAG

Os principais conteúdos, debates e assuntos de cultura, direitos humanos e economia criativa interseccional no seu e-mail. Envio quinzenal, às quartas-feiras.