Cia Pé no Mundo: criatividade negra na dança contemporânea

Com dez anos de existência, Cia Pé no Mundo apresenta em junho a videodança “Fora da Caixa – Repertórios Corporais”, que questiona a falta de representatividade negra em espaços de arte. Segundo uma pesquisa realizada pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) em 2016, pessoas negras representam apenas 2,5% de diretores e roteiristas no Brasil. Um levantamento do projeto Negrestudo, disponível no site Projeto Afro e feito com 24 galerias de arte da cidade de São Paulo entre 2019 e 2020, constatou que somente 4,36% des artistas eram negres, sendo 0,8% mulheres negras. Enquanto isso, pessoas brancas representavam 93,56% do total. Embora essas pesquisas sejam mais recentes, em 2012 já havia pessoas se questionando sobre a falta de representatividade negra no cenário da arte. Há 10 anos, os diretores, coreógrafos e bailarinos Cláudia Nwabasili e Roges Doglas fundaram a Cia Pé no Mundo que, além de contestar o racismo presente na dança contemporânea, busca referenciais que se relacionem com a identificação ancestral do povo preto. Conforme consta no site oficial, o pensamento da Cia Pé no Mundo se relaciona “com a circularidade ou não circularidade dos corpos negros, suas condições e ações em outros lugares que não só no Brasil”. Para isso, parte de uma perspectiva das diásporas negras africanas, que fizeram com que a população preta passasse a estar “em todos os lugares do mundo, não sendo nem mais ‘só’ negros africanos e nem negros alienados quanto à sua ancestralidade em uma nova cultura e/ou território desafiador”. No entanto, nos estudos oficiais da história da arte ocidental, são pouquíssimos os registros e documentações que representem as pessoas negras. Um dos objetivos da companhia é, assim, desenvolver pesquisas não só em dança, mas também em outros campos, como literatura, história, sociologia e comunicação, para “contribuir com a desmistificação de manifestações culturais brasileiras e afro-brasileiras, valorizando-as como elementos possíveis para a concepção da arte contemporânea, e despertar no público o interesse e a necessidade de reconhecer narrativas históricas das diferentes vivências e corpos negros”. “Por meio da linguagem da dança, queremos materializar contemporaneidades e tornar possíveis novos imaginários sobre passados, presentes e futuros negros na dança e no mundo”, explicam os dançarinos Espetáculo marca 10 anos da Cia Pé no Mundo E para comemorar uma década de existência e resistência, a Cia Pé no Mundo apresenta no mês de junho a videodança “Fora da Caixa – Repertórios Corporais”. Revisitando pensares, coreografias e mirando novos horizontes, Nwabasili e Doglas trazem intervenções guiadas pelas nuances visuais, arquitetônicas e cenográficas de onde são propostas. Além disso, reafirmam a pesquisa de linguagem e desenham novos traços, a fim de ampliar os discursos e possibilidades. “Enquanto pessoas pretas, possuímos diversos referenciais que se conectam com a nossa origem ancestral. Essas referências podem e devem ser ferramentas de materialização e corporificação dos nossos fazeres. Ainda precisamos falar sobre isso. E essa necessidade de fala só revela o quanto o racismo persiste na sociedade. A arte não está isenta dessa problemática. Ela é apenas um reflexo disso tudo”, afirmam E o nome escolhido para o espetáculo, “Fora da Caixa”, não poderia ser mais proposital. Segundo os artistas, a intenção é questionar o que é o “clássico” e, mais ainda, como foi construído o imaginário de “clássico” no Brasil, e se é possível “furar a bolha” e estar “fora da caixa” “A intervenção “FORA DA CAIXA” é sobre estar fora da caixa preta, fora dos palcos e ocupando diversos espaços, mas é, sobretudo, fora da caixa no sentido de romper com estereótipos que nos colocam em alguns lugares e nos retiram de tantos outros. Para nós, a grande reflexão deste trabalho é: Qual será o clássico brasileiro no futuro?”. As exibições começaram no dia 14 de maio e seguem até 21 de junho, entre onlines e presenciais (veja a programação abaixo). Inovador, o espetáculo traz coreografias diferentes dependendo do espaço onde acontece, já que os artistas selecionam as danças que mais dialogam com o local. Assim, o corpo interfere no espaço, enquanto o espaço interfere no corpo para a recriação. Não é necessário fazer a retirada de ingressos; basta chegar com antecedência ao local. Confira a programação completa Dia 10/6, sexta (presencial e online), às 19h – Centro de Referência da Dança (CRD) e Youtube do CRD – São Paulo Dia 11/6, sábado (presencial e online), às 19h – CRD e Youtube do CRD – São Paulo Dia 11/06, sábado – Oficina online CRD das 10h às 13h Dia 21/06 terça-feira, (exibição presencial), às 19h30 – Oficina Cultural Oswald de Andrade FOTOGRAFIA: Clarissa Lambert Reportagem produzida em parceria com a assessoria de comunicação Bianco.
Emerge Artistas Visuais: Renan Andrade

Nos últimos seis meses, o artista visual Renan Andrade participou de três exposições no Rio de Janeiro. Conheça o seu universo particular
Brisa Flow traz amor entre pessoas originárias para as telas

“Making Love”, lançamento de Brisa Flow, tem como tema principal o afeto entre origináries que, infelizmente, não está presente no audiovisual Desde o lançamento de seu álbum de estreia, “Newen”, em 2016, Brisa de la Cordillera, também conhecida como a artista mapurbe Brisa Flow, constrói sons e imagens a partir da vivência de seu corpo no mundo, criando caminhos que desprendem das amarras da colonialidade. Criada em Minas Gerais, Brisa é pesquisadora, defensora da música indígena e ativista dos direitos dos povos originários. Em suas canções, ela pauta discussões políticas como a luta pelo território, demarcação de terras, moradia, mulheres indígenas e periféricas, maternidade, mercado de trabalho e corpos marginalizados, como a comunidade LGBTQIAP+. No último dia 13, a cantora lançou “Making Luv”, single que precede seu terceiro álbum, “Janequeo“, que estará disponível ao público em junho de 2022. Em um período em que pessoas indígenas aparecem constantemente na imprensa apenas em situações de violência, Brisa traz como tema o afeto entre pessoas originárias. A artista conta que a canção surgiu quando o beatmaker e MC Tidus, natural de Las Vegas, a encontrou na internet e falou que queria produzir uma música com ela. Assim que Brisa recebeu o instrumental, já ficou “empolgada” e sentiu que queria fazer uma música e gravar um clipe com origináries protagonizando afeto já que, infelizmente, isso não está presente no audiovisual. Ela complementa: “Esse é um reflexo do colonialismo que não nos quer felizes. Ainda vivemos em Abya Yala, com o genocídio dos povos originários, que nos mata para garimpar e vender terras e destrói culturas, línguas e conhecimentos nativos. Diante dessa violência, a prática do afeto entre pessoas indígenas torna-se um ato político. Making Luv’ é sobre amor em seus mais íntimos significados, de companheirismo a coragem” Em parceria com o coletivo Mi Mawai, o audiovisual foi gravado na Mata Atlântica e ilustra o entrelaçar dos corpos pelas tranças e o movimentar dos mesmos com a Terra e as águas, como práticas de amor não coloniais. A construção da obra aconteceu de forma horizontal e coletiva e a harmonia da vivência se reflete no resultado. Brisa conta: “Eu já tinha trabalhado antes com o Mi Mawai, o coletivo é aliado dos artistas originários. Eu fiz a trilha sonora de um documentário que eles realizaram sobre o direito autoral na música indígena”. O clipe também tem a participação do artista audiovisual e beatmaker Ian Wapichana. Uma curiosidade interessante é que, apesar de “Making Luv” ser uma música sobre amor, o relacionamento entre Brisa e Ian só começou após a gravação do som. “O que muita gente não sabe é que eu e o Ian não éramos namorados nessa época. Nós nos conhecíamos como companheiros de trabalho no MECAInhotim, mas começamos a nos relacionar depois desse videoclipe”, afirma a artista. Assista ao clipe de “Making Luv” Leve como o vento Brisa de la Cordillera recebeu esse nome de seus pais, artesãos caminantes. A cantora, licenciada em Música pela Fiam Faam, pesquisa e defende a arte dos povos originários e o rap como ferramentas necessárias para combater o epistemicídio, que é o processo de invisibilização e ocultação das contribuições culturais e sociais não assimiladas pelo “saber” ocidental. Newen, seu álbum de estreia, foi lançado em 2016 e significa “força”, em Mapuzgundun (língua nativa do povo Mapuche). A obra musical esteve entre os 20 melhores discos do ano selecionados pelo jornal Estadão. Em 2017, ela foi a artista aposta da Folha de São Paulo e recebeu o prêmio “Olga Mulheres Inspiradoras”. Seu segundo disco, Selvagem Como o Vento, foi lançado em 2018 no Instituto Tomie Ohtake e destacou-se em listas de 50 melhores discos da música brasileira nos sites da Red Bull, Genius e outros canais de música. Em 2020, lançou de forma experimental o EP Free Abya Yala, um trabalho de improvisação jazzrap. O título significa “América Livre” ou “Terra Fértil Livre”, sendo Abya Yala (no idioma do povo Kuna) o nome que vem sendo utilizado por artistas indígenas para referir-se ao continente americano. As músicas foram produzidas em colaboração com um quarteto de jazz e inspiradas nas pesquisas de Brisa Flow sobre freestyle e música originária. O EP foi premiado e recebeu elogios pela crítica musical como um trabalho anti colonial experimental. FOTOGRAFIA: Jon Thomaz Reportagem produzida em parceria com a assessoria de comunicação ALETS COMUNICAÇÃO.
Terreiro de Mãe Alana é referência em clipe de Paulo Fraval

Cantor e compositor Paulo Fraval divulga o seu mais novo single-clipe, “Ilás de Oxalá”, que tem como referência o terreiro de Mãe Alana Alana de Carvalho é uma mulher trans e quilombola que chegou aos 40 anos vivendo no Brasil, o país que mais mata pessoas trans e travestis – entre os que contabilizam os dados. Mesmo vivendo em uma comunidade cotidianamente bombardeada pelas brutalidades da desigualdade social, dedica boa parte da vida a buscar melhorias e oportunidades para quem está à sua volta. Líder de um terreiro em Calabar, bairro periférico da cidade de Salvador (BA), Mãe Alana é uma referência no acolhimento de jovens LGBTQIA+ que se encontram em situação de abandono social. Para continuar este trabalho de amparo, foi lançada uma campanha de financiamento coletivo para a construção da Casa Dandara Amazí, que visa promover a dignidade e amparar pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, oferecendo moradia, alimentação, educação, formação, afeto, acolhimento e respeito. Para marcar este lançamento, o cantor e compositor Paulo Fraval divulga o seu mais novo single-clipe, “Ilás de Oxalá”, que tem como referência o terreiro de Mãe Alana. Segundo o artista, a canção “fortalece a narrativa potente e poética de oração” e retrata “todas as potencialidades de Alana”, com quem tem uma forte amizade. Para a moradora do Calabar, “Ilás de Oxalá” é uma oportunidade de sensibilizar mais pessoas a doarem, divulgarem e ajudarem a concretizar o sonho de construção da Casa Dandara Amazí, que será um espaço de acolhimento e “preparação dos corpes trans para reentrada na sociedade”. Mãe Alana detalha: “Será a abertura da primeira casa estadual de acolhimento para nossos corpos LGBTQIA+. Esse sonho não é só meu, mas de todos nós. Será uma casa de preparação para reentrada na sociedade, oferecendo cursos de empreendedorismo social, formação educacional, pedagógica e letramento”. Paralelo entre candomblé e resistência LGBTQIA+ Como muitos artistas independentes, Paulo Fraval, que é natural do Ceará, sofreu com a falta de políticas públicas e apoio financeiro para gravar suas músicas, sobretudo por ser um artista queer que aborda narrativas de resistência e afetividades LGBTQIA+ periféricas embebidas por uma estética candomblecista. Segundo ele, foram dois anos idealizando essas imagens, sonhando, buscando, juntando dinheiro e planejando. “A execução deste trabalho aconteceu depois de uma longa travessia, mas Oxalá bateu o pé e nós conseguimos! Em um momento onde as pessoas sentem-se bastante confortáveis para expressar seus ódios e fobias, nós as convidamos para encontrar conforto no amor e no acolhimento”, pontua. O artista ressalta, ainda, que “Ilás de Oxalá” foi escrita por Almerson Cerqueira Passos, poeta baiano, gay, preto, do subúrbio, intelectual e grande estudioso do candomblé. Paralelo entre a religião e a resistência LGBTQIA+, a música tem forte presença da figura do Ilá que, para Fraval, é muito mais do que a voz e o modo de se identificar do Orixá quando está entre nós. “É a própria natureza falando, gritando, nos lembrando do que é Orixá: o espírito da natureza. Seguindo esta narrativa, Almerson traça um paralelo entre os nossos próprios gritos de residências que, assim como os orixás, também são diversos”, explica. Assista ao clipe de “Ilás de Oxalá”: IMAGENS: Divulgação
Emerge Artistas Visuais: Jonathan de Sousa

Mestrando em Artes na Universidade Federal do Ceará, Jonathan de Sousa pesquisa a pele do corpo humano como objeto.
A ausência gritante de protagonistas gordas no cinema

Confira seleção de filmes com pessoas gordas protagonistas, que vivem suas jornadas sem que seus corpos sejam a grande questão da história.
As danças encantadas do Núcleo Experimental de Butô

Companhia realizará oficinas, espetáculos e encontros sobre danças afro-ameríndias. Primeira conversa online acontece hoje (25/04) com coreógrafo Djalma Moura.
Irreverente, Burlesco sai dos palcos e invade livros

Dançarina Mirela Perez lança “A Semiótica do Burlesco”, em que narra um apanhado histórico das origens da dança criada por mulheres A performance de Christina Aguilera e Cher no filme Burlesque, assim como o glamour da música Lady Marmalade, estrelada por Aguilera, Lil’ Kim, Mya e Pink, popularizaram a dança Burlesco no mundo todo. O estilo, que remonta ao século 16, surgiu na Europa como paródias de obras tradicionais da literatura e do teatro. No seu cerne, o Burlesco já tem como essência burlar um padrão, uma cultura. Mesmo há centenas de anos, mulheres usavam essa arte para questionar os padrões da época, a partir de brincadeiras com as técnicas de dança, teatro, circo e mágica. Atualmente, os pilares do Burlesco se mantêm firmes. E foi toda essa irreverência, além da beleza, cor e alegria, que fizeram Mirela Perez levar o Burlesco para uma área que parece ter pouca proximidade com a dança: a academia. Salto alto, brilho e muito glamour não é o que imaginamos encontrar nos corredores das universidades. Mesmo assim, estimulada por sua orientadora, a dançarina decidiu pesquisar o tema no mestrado e mais: transformá-lo em livro. Em 2022, lançou “A Semiótica do Burlesco” (compre aqui), em que traz um apanhado histórico das origens da dança, bem como uma análise semiótica detalhada sobre os elementos visuais que compõem o individual feminino, dividido em três: Glamour, Fetiche e Desconstrução. Devido à escassez de material acadêmico sobre o tema, Mirela optou por fazer uma pesquisa de campo e entrevistar as responsáveis por dar vida à técnica: as alunas da Escola Burlesca de São Paulo. Fundada em 2005, a Escola Burlesca de São Paulo é a primeira escola dedicada ao ensino da prática no Brasil. O negócio é gerido por Shaide Halim, mais conhecida por Lady Burly. Formada em Broadway Jazz, Jazz Clássico e balé, Shaide também é professora na escola, que conta com outras quatro mulheres no quadro de funcionárias. A proposta de valor – e o propósito – da escola é difundir a dança para profissionais e entusiastas da arte, sem esquecer dos conceitos históricos, sociais e intelectuais que compõem o universo do Burlesco. A história do primeiro contato de Mirela com a escola é curiosa. Ela conta que marcou uma data para conhecer espaço e entrevistar Lady Burly. Porém, no dia marcado, a professora esqueceu da entrevista e achou que ela estava lá para fazer uma aula experimental. “Fiz a aula e a entrevista”, diz Mirela, aos risos. “Me apaixonei pela dança e não parei mais de frequentar a escola”. Criado por mulheres, Burlesco enfrenta preconceito e machismo Em seu artigo “De onde vem o Burlesco”, a artista Giorgia Conceição, conhecida como Miss G, revela que a história do que hoje chamamos de Burlesco é feita por “mulheres, freaks e marginais, artistas pouquíssimo valorizados, que formam um lado obscuro e pouco conhecido do teatro e das artes cênicas”. Por isso, por mais que seja uma prática centenária, o Burlesco ainda é alvo de muitos olhares tortos e preconceituosos. Mirela chama atenção para o machismo que as dançarinas sofrem, principalmente por se tratar de uma performance sensual. Ela explica: “O estereótipo associado as dançarinas tem origem numa educação religiosa deturpada, entre pessoas mal resolvidas com o próprio corpo e a sexualidade. O Burlesco é um espelho que obriga as pessoas a enxergar algo que elas ainda não estão preparadas para ver” No meio conservador da academia, a artista enfrentou barreiras tanto psicológicas quanto práticas, como assédio moral e dificuldade em buscar revistas acadêmicas para publicar artigos sobre o tema, sobretudo de outros alunos. De acordo com Mirela, uma vez que o Burlesco é uma arte que aborda sensualidade, sexualidade e glamour, ele acaba adentrando o “hall das futilidades acadêmicas”. Assim, há certa estranheza e invalidação da pesquisa, em prol de uma “nobreza de aplicação de tema”. Mirela ressalta, porém, que a técnica busca justamente o contrário: ajudar as pessoas a se enxergarem em todas as suas multiplicidades e facilitar a jornada de autodescoberta e empoderamento, assim como fez com ela. “O Burlesco devolveu minha autoestima e me deu controle sobre o meu corpo e minha sexualidade”, conta. IMAGENS: Divugação
Susano Correia: inquietações do ser frente a si próprio

Artista visual, famoso na internet com suas pinturas sobre questões existências e psicológicas, está com exposição inédita em São Paulo.
Travesti Biológica: Mavi Veloso exalta corpes trans em EP de estreia

Brasileira morando na Holanda, Mavi Veloso lança álbum visual Travesti Biológica e aborda as singularidades de viver entre duas culturas diferentes.