Esta reportagem contou com apoio do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+.
Em gestão de pessoas, people analytics é a utilização de dados, ferramentas tecnológicas e análise de informações para embasar decisões. O objetivo é substituir suposições e preconceitos por fatos. Assim, é possível identificar tendências, prever comportamentos e criar ações para melhorar o desempenho e a satisfação dos trabalhadores numa empresa.
Após 12 anos em consultorias de recursos humanos, a analista e desenvolvedora de sistemas Erika Vaz, 32 anos, notou a ausência do uso de dados em programas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI).
O déficit tecnológico dificultava a inserção e o desenvolvimento de carreiras de pessoas de grupos minorizados (mulheres, pessoas negras, pessoas LGBTQIA+ e pessoas com deficiência, entre outras).
Para mitigar o problema, Erika criou a To.Gather, startup especializada em analisar e mensurar dados para tornar os ambientes de trabalho mais justos, representativos e acolhedores.
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Ela explica que, embora o Brasil seja naturalmente diverso, o quadro de funcionários da maioria das empresas não reflete a pluralidade do nosso povo, principalmente em cargos de liderança. Dessa forma, os dados são usados para fundamentar e monitorar o progresso de programas DEI, além de corrigir falhas com antecedência.
São métricas comuns em diversidade corporativa:
- Métricas de Diversidade, como a proporção de funcionários por raça, gênero, etnia, idade e orientação sexual, segmentadas por nível hierárquico (operacional, tático e estratégico/alta liderança);
- Métricas de Equidade, como a diferença salarial e a taxa de promoções entre as pessoas de grupos subrepresentados e a média geral da empresa;
- Métricas de Inclusão, que compara a população geral da empresa com os grupos demográficos do país ou empresas de referência. Por exemplo, as mulheres negras representam 28,5% da população nacional, porém, é um dos grupos que menos está em cargos de gestão nas companhias.
Geralmente, após escolher as métricas que serão monitoradas, as empresas fazem mapeamentos e diagnósticos para compreender o cenário interno. Depois, podem comparar os seus dados com os de outras empresas do mesmo segmento (benchmarking).
Na sequência, estipulam as metas, como ter 20% dos cargos de gerência ocupados por pessoas negras, garantir que 50% dos entrevistados para áreas técnicas sejam mulheres e identificar, via autodeclaração, a orientação sexual de 90% dos funcionários.
“As métricas mostram se o plano de ação do programa de diversidade tem tido sucesso e aponta os caminhos para melhorias, permitindo decisões alinhadas aos objetivos do negócio.”
Erika Vaz, cofundadora da To.Gather.
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DADOS PARA ACELERAR CARREIRAS
Com 50 mil funcionários no Brasil, a Atento já sabia que era uma empresa majoritariamente feminina e negra. Dados do RH apontavam que cerca de 70% das posições eram ocupadas por mulheres, a maioria pretas e pardas
No entanto, a empresa queria aprofundar as métricas de diversidade. Em 2022, realizou o primeiro censo de DEI, que abordava desde questões de diversidade sexual e de gênero (DSG) até a identificação de egressos do sistema prisional.
Desde então, o objetivo tem sido refletir a pluralidade encontrada nos centros de atendimento nos cargos de liderança.
“Queremos que a representatividade seja intencional, estratégica e visível em todos os níveis da empresa, não só na base.”
Matheus Felipe Oliveira, gerente de ESG da Atento.
Em relação a demografia, hoje a Atento está próxima de atingir equilíbrio de gênero e raça em cargos executivos. Entre gerentes, coordenadoras e supervisoras, pessoas negras e mulheres, incluindo trans, já são maioria.
O feito só foi possível devido às políticas, benefícios e mudanças estruturais. Tudo começou em 2001, quando a Atento se associou ao Instituto Ethos. Em 2013, adotou o uso de nome social, antes da obrigação via lei. No ano seguinte, tornou-se signatária do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, movimento empresarial com atuação permanente que reúne atualmente cerca de 160 empresas em torno de dez compromissos com a promoção dos direitos humanos.
Já em 2016, a Atento firmou parceria com a ONU Mulheres. Na mesma época, iniciou um programa de contratação de profissionais trans, com participação em feiras de empregabilidade e letramento interno, com intermediação da plataforma TransEmpregos.
Com diversidade dentro de casa, a empresa tem usado dados para mensurar a evolução de carreira dos profissionais. Para isso, contou com apoio do Movimento pela Equidade Racial para repensar critérios de promoção e desenvolvimento.
Importante lembrar que muitas regras de gestão de pessoas ainda reforçam a discriminação, como privilegiar pessoas brancas, com experiência internacional e formadas em universidades inacessíveis para as classes C, D e E.
Neste sentido, a Atento forneceu 4 mil bolsas de inglês para funcionários negros e criou um programa de mentoria exclusivo para pessoas com deficiência, de modo a acelerar a ascensão de suas carreiras.
“Queremos cada vez mais mulheres, pessoas negras e pessoas trans com carreiras duradouras no segmento de tecnologia”, diz Mateus.
EMPRESA PRECISA SER UM REFLEXO DA SOCIEDADE
Desde o começo do ano, muitas empresas estadunidenses decidiram limitar ou acabar de vez com programas de diversidade. A motivação foi evitar represálias do governo de Donald Trump, que assinou decretos que afirmavam que tais práticas eram “discriminatórias” e que empresas poderiam ser sancionadas em caso de descumprimento. Uma das empresas que pisou no freio lá nos EUA foi o McDonald’s.
Porém, a Arcos Dorados, a maior franquia independente do McDonald’s, que opera a rede de restaurantes na América Latina e Caribe, decidiu manter as políticas de DEI. Num evento do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI, realizado em maio, o CEO Rogério Barreira já havia afirmado que diversidade era um dos pilares fundamentais, pois a empresa precisava refletir a sociedade em que está inserida.
Em conversa com a Emerge, Fábio Sant’Anna, diretor de gente, diversidade e inclusão da Arcos Dorados, reafirmou o posicionamento, e explicou como se dá na prática.
Por aqui, o McDonalds tem mais de 70 mil funcionários. Para promover e proteger aqueles de grupos subrepresentados, há um comitê de diversidade e inclusão, que atua em seis eixos: gênero, raça e etnia, diversidade sexual, saúde e bem-estar, intergeracionalidade e pessoas com deficiência.
Para materializar as estratégias no dia a dia da empresa, há grupos de afinidade, como a Rede de Mulheres e a Rede Orgulho Arcos (LGBTQIA+) e o Squad de Pessoas Neurodivergentes.
“Reafirmamos que nada muda no Brasil: seguimos investindo em iniciativas estruturadas em diversidade e inclusão, sempre com base em escuta ativa, programas concretos e resultados mensuráveis.”
Fábio Sant’anna, diretor de gente, diversidade e inclusão da Arcos Dorados.
Falando em resultados mensuráveis, a empresa possui um robusto sistema de métricas de diversidade. Via autodeclaração, a empresa identificou mais de 8 mil funcionários LGBTQIA+, incluindo 900 pessoas trans. Ou seja, 22% de toda a força de trabalho é formada por pessoas da comunidade. O índice é bem maior do que a média nacional, estimada em 12% num levantamento da Unesp e USP, realizado em 2022.
Considerando somente cargos de liderança, a representatividade LGBTI+ na Arcos Dorados é de 15%. Uma dessas pessoas é Leandro Corrêa, gerente de gente, diversidade e inclusão. Ele entrou na empresa aos 16 anos, como atendente num restaurante de Blumenau, em Santa Catarina. Durante a transição para gerente da unidade, iniciou a graduação em administração. Posteriormente, concluiu um MBA em gestão de talentos e desenvolvimento humano e especialização em business partner e diversidade e inclusão em direitos humanos.
“Ao entrar na empresa, ainda não me entendia como um homem gay e contar com o acolhimento fez toda a diferença para que eu pudesse encontrar a minha própria verdade e seguir evoluindo na profissão”, disse Leandro em uma entrevista recente para o portal Dois Terços.
Para Fábio Sant’Anna, o fato de 88% das lideranças de restaurantes terem iniciado suas carreiras como atendentes é um reflexo do compromisso com a inclusão. Outro ponto alto é a contratação de pessoas com deficiência, que somam 2 mil funcionários. Destes, 72% são pessoas com deficiência intelectual e mais de 60% está em sua primeira oportunidade profissional.
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Uma vez que o Brasil é um país majoritariamente negro, a Arcos Dorados capacitou 21 mil funcionários em letramento racial. No momento, outras 400 pessoas negras que ocupam cargos de liderança estão participando de um programa de desenvolvimento de carreira em parceria com o instituto de ensino superior Insper.
“Mais do que abrir portas, queremos garantir que todas as pessoas que fazem parte da nossa companhia encontrem um ambiente seguro, respeitoso e representativo, permitindo a elas que explorem seu máximo potencial”, finaliza Fábio.
FOTOGRAFIAS: divulgação.