Grupos de afinidade fomentam os direitos humanos nas empresas 

20/06/2025

Saiba como Vivo e Petrobras reúnem funcionários com vivências semelhantes para debater e implementar boas práticas de diversidade.

A trajetória profissional do gaúcho Day Oliveira, 43 anos, é intrínseca à Petrobras. Ele ingressou na empresa quando tinha 20 anos, ao concluir o curso técnico de química. Duas décadas depois, Day atua na gerência de automação, como especialista em instrumentação analítica, área que se dedica à medição de características físico-químicas do petróleo, gás natural e efluentes líquidos. Sua rotina consiste em viagens regulares de helicóptero, uma vez que é responsável pelos equipamentos de sete plataformas instaladas na costa brasileira. 

Durante o período dedicado à empresa, o visual de Day mudou bastante. Atualmente, ele ostenta cavanhaque, alargadores nas duas orelhas e cabelo raspado, que deixa bem visível a tatuagem na lateral da cabeça. Mas uma coisa permanece igual. 

“Eu sempre me entendi como uma pessoa trans masculina, desde criança. Mas só me declarei na empresa aos 35 anos. Há dois anos, fiz a tatuagem do símbolo trans”. 

Day Oliveira, funcionário da Petrobras.

Junto com Tiago Franco, Day é coordenador do grupo de afinidade LGBTQIAPN+ da Petrobras. Batizado de Orgulho, o grupo reúne funcionários que pertencem à comunidade, ou têm familiares ou amigos que pertencem, com o objetivo de fortalecerem laços. Embora não obrigatório, o grupo também pode fomentar uma agenda corporativa de diversidade, equidade e inclusão (DEI).

SAIBA MAIS: Autodeclaração LGBTI+ nas empresas favorece carreiras e políticas públicas.

São cerca de 100 funcionários no grupo. Quinzenais, os encontros abordam situações do cotidiano, sugestões de melhorias internas, acolhimento de pessoas em situação de vulnerabilidade e integração. A taxa de engajamento costuma ser de 15%. 

“A Petrobras tem refinarias do tamanho de uma cidade”, afirma Tiago. “O grupo acaba conectando pessoas que trabalham próximas.” 

AFINIDADE: Isabel, Tiago e Day, trabalhadores LGBTQIA+ da Petrobras .

Diferentemente de outras empresas líderes de segmento, a Petrobras começou a ter práticas institucionalizadas de DEI recentemente.

Após um diagnóstico de riscos sociais do negócio, foi criada a Comissão de Direitos Humanos, responsável por gerir a implementação da agenda em toda a companhia. Composta por 110 membros, com representantes de mais de 40 gerências, a comissão tem três subcomissões, sendo uma delas exclusiva para diversidade, equidade e inclusão. Foi responsabilidade da subcomissão lançar uma política formal de DEI em setembro de 2023. 

Neste sentido, a empresa tem um grande desafio. Uma vez que tem o Governo Federal como acionista majoritário, seis dos onze conselheiros de administração são indicados pela gestão em vigor. Ou seja, podem acontecer mudanças drásticas na companhia a cada mudança de governo.

“A atual gestão tem como premissa ‘cuidar das pessoas’”, afirma Day. “Logo, foi um momento propício para emplacar uma política de diversidade, que se tornou um marco histórico na Petrobras”. 

De acordo com Isabel Cristina Mello de Souza, assistente social da gerência de Diversidade, Equidade e Inclusão, a empresa já permitia, em gestões anteriores, o uso de nome social e de banheiros de acordo com identidade de gênero e inclusão de dependentes homoafetivos no plano de saúde. Porém, não havia segurança psicológica o suficiente para as pessoas se autodeclararem LGBTQIA+. 

“Eu somente revelei para o RH que sou casada com uma mulher após o lançamento da política de DEI”, afirma a assistente social.

Para levar o debate para mais pessoas, o grupo de afinidade criou a Caravana do Orgulho. O programa consiste em palestras de sensibilização e letramento presenciais em diferentes unidades da companhia. 

Ano passado, a caravana visitou duas refinarias e 12 plataformas. Mais de 4 mil funcionários foram beneficiados, a grande maioria de áreas operacionais, como caldeiraria, mecânica e movimentação de carga. 

Paralelo à caravana, a Petrobras criou vídeos que mostravam funcionários LGBTQIA+ junto a familiares e amigos, sendo que os últimos falavam sobre admiração e orgulho em relação aos trabalhadores. Inicialmente proposto para comunicação interna, os vídeos foram publicados nas redes sociais da empresa, com grande repercussão [abaixo, os vídeos de Isabel e Day].

APÓS IMPORTAR MODELO, EMPRESAS BRASILEIRAS DEVEM EVOLUIR POR CONTA PRÓPRIA 

Com origem nos Estados Unidos, os grupos de afinidade corporativos se disseminaram pelas empresas nos anos 90 a partir da criação dos programas de diversidade e inclusão. Com o objetivo de discutir experiências e defender mudanças, um dos primeiros grupos formais foi o National Black Employees Caucus (Convenção Nacional dos Empregados Negros), da Xerox, lançado em 1970, na esteira dos conflitos raciais dos anos 60.

De lá para cá, os grupos de afinidade têm sido essenciais para trazer representatividade e pertencimento para trabalhadores de grupos sub-representados dentro das empresas.

Geralmente, os integrantes são voluntários, que atuam em áreas ligadas diretamente às iniciativas ou programas de diversidade, com possibilidade de dedicar parte da sua carga horária semanal para atividades do grupo. 

São funções comuns: pleitear criação de políticas e práticas institucionais de DEI; fortalecer o vínculo entre os trabalhadores, e entre eles e a empresa; e implementar treinamentos, eventos e campanhas de conscientização. 

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De acordo com a edição 2025 da pesquisa Diversidade, Equidade e Inclusão nas Organizações, realizada pela Deloitte, nas grandes empresas brasileiras, os grupo de afinidade mais populares são os de mulheres (78%), étnico-racial (78%), LGBTQIA+ (71%), pessoas com deficiência/neurodiversidade (70%), geracional (47%) e jovem aprendiz (42%). 

Das 256 organizações consultadas pela Deloitte, 14% estabeleceram contrapartidas para os integrantes. São elas: reconhecimento não financeiro (83%), reconhecimento em mídias sociais (46%), reconhecimento financeiro (25%), premiações públicas (17%) e dias de folga (4%). 

De acordo com Reinaldo Bulgarelli, secretário executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, educador e pioneiro em diversidade corporativa, os grupos de afinidade das empresas brasileiras tiveram como referência as organizações norte-americanas, importando aspectos de uma outra cultura.

Por exemplo, ainda há empresas que mantêm grupos sem ter um programa de diversidade. Os grupos ficam focados no segmento priorizado, e não no cuidado com a qualidade das relações. Nem todos os grupos de afinidade de pessoas LGBTI+ possui pessoa hetero e cisgênero, por exemplo. Sem estar em um sistema de governança, os grupos funcionam sem estratégia, metas e indicadores. Isolados, funcionam sem endereçar análises, críticas e sugestões às esferas com poder de decisão. 

Outro problema são as empresas que delegam aos grupos a responsabilidade de criar e implementar a agenda de diversidade. Nesses casos, os funcionários acabam sobrecarregados, o que resulta em ações com baixa eficiência. 

Sendo um movimento empresarial, com atuação permanente, que reúne 160 empresas em torno de dez compromissos com a promoção dos direitos da comunidade, o Fórum estimula e apoia a criação de grupos de afinidade. Os grupos podem, por exemplo, ampliar diagnóstico e aprendizados internos, além de propor soluções para diferentes grupos de interesse da empresa, incluindo os externos. 

“É altamente recomendável a empresa formalizar os grupos de afinidade no sistema de governança e gestão, para garantir que as suas atividades e proposições tenham respaldo institucional.”

Reinaldo Bulgarelli, secretário executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+.

EMPRESA REFERÊNCIA, VIVO CRIARÁ GRUPOS REGIONAIS EM TODO O BRASIL

A Telefônica Brasil, a Vivo, é a maior empresa de telecomunicações do país. São mais de 33 mil funcionários diretos, além de 96 mil prestadores de serviços e trabalhadores terceirizados.

O programa de diversidade da empresa foi lançado em 2018. Há foco em quatro pilares: Gênero, LGBTI+, Raça e Pessoas com Deficiência. 

Devido a maturidade no tema, a estrutura é robusta. A vice-presidência de pessoas conta com uma gerência de diversidade, responsável pela governança, estruturação de políticas e implementação das ações.

Em paralelo, há um comitê de diversidade, composta por mais um VP, executivos de negócio e um sponsor, a pessoa responsável pelos relatórios, monitoramento de indicadores e validação das iniciativas de DEI.

Na sequência, há subcomitês para cada um dos pilares. Os grupos de afinidade respondem aos subcomitês. Cada grupo possui quatro líderes. Desses, três são eleitos pelos integrantes e um é indicado pela área de diversidade. As gestões duram dois anos. 

De acordo com Ana Cecília Simões, diretora de gestão de talentos e transformação cultural da Vivo, os grupos servem para potencializar conexões, despertar senso de pertencimento, oferecer acolhimento, escuta e trocas. A partir das muitas vivências, ajudam a tornar o ambiente corporativo mais diverso e inclusivo. 

“Os grupos de afinidade ajudam as pessoas a se sentirem seguras para se expressar de maneira genuína. A empresa se torna um espaço de maior criatividade e colaboração.”

Ana Cecília Simões, diretora de gestão de talentos e transformação cultural da Vivo.

Com sete anos de existência, os grupos da Vivo têm sido aprimorados constantemente. Por exemplo, o grupo de pessoas com deficiência deu origem a outros com necessidades específicas. Hoje, há comunidades para autistas e para famílias atípicas. Por sua vez, o grupo de Mulheres criou um clube de leitura, com troca de experiências pessoais num clima de sororidade.

Para monitorar os impactos quantitativos, a Vivo tem uma plataforma autoral de indicadores. Em 2025, a meta é que cada área da empresa tenha 9% de funcionários LGBTQIA+. Metas individuais para cada área são importantes para manter equilíbrio nas equipes, como evitar a concentração de pessoas da comunidade no atendimento e poucas em áreas técnicas. 

Hoje, considerando o quadro geral, a empresa já atingiu a meta: 9,5% dos funcionários autodeclarados são LGBTI+. 

DIVERSIDADE NA VIVO: em 2025, 56% dos trainee são pessoas negras e 11% pessoas com deficiência.

Agora, o desafio tem sido levar a pauta para além da matriz. Para isso, a empresa está expandindo os grupos de afinidade em sete células regionais, que contemplarão todo o país. 

A empresa criou até um edital para orientar os funcionários. Entre as regras, está que cada célula terá dois líderes para cada pilar, totalizando 56 lideranças — todos serão eleitos via voto direto. O diretor de cada regional vai validar os nomes mais votados. 

A medida visa criar um vínculo de responsabilidade da nova liderança, que terá quatro horas semanais para se dedicar ao grupo. O edital também demonstra a seriedade da iniciativa para todos os funcionários da empresa. 

Ana Cecília explica que as células regionais ajudarão na capilaridade do programa de diversidade. Também será uma ferramenta de atuação local, com criação de campanhas específicas para cada território. 

Vale lembrar que, no início do ano, a Vivo contratou 36 novos trainees, num programa que atraiu mais de 35 mil candidatos. Entre os selecionados, 56% são pessoas negras e 11% profissionais com deficiência.

A executiva finaliza citando o manifesto de diversidade da Vivo: “mais empatia, menos preconceito. Mais acolhimento, menos julgamento.”

FOTO DE ABERTURA: Free Pik.

Quem escreveu

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Italo Rufino

Jornalista pós-graduado em marketing com dez anos de experiência. Trabalhou na revista Exame PME (Editora Abril), nos sites Diário do Comércio e Projeto Draft e na ONG de urbanismo social A Cidade Precisa de Você. Natural de Diadema (RMSP). Pai de uma criança de 10 anos. Fundador da Emerge.

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