Jogos como ferramenta de impacto social

17/10/2023

Dos jogos digitais aos de carta e tabuleiro, games têm a capacidade de conscientizar e propor soluções a problemas da sociedade.

Dos jogos digitais aos de carta e tabuleiro, games têm a capacidade de conscientizar e propor soluções a problemas da sociedade.

O maior diferencial de um jogo a outras mídias é o protagonismo que traz ao usuário, tomando ação em diferentes narrativas e explorando conceitos e ideias em primeira mão.

Segundo Paulo Freire, considerado pai da educação brasileira, o conhecimento é construído pelas interações em nosso meio social e meio ambiente. A brincadeira, nesse contexto, permite a vivência de experiências que usualmente não se teria contato.

Por exemplo, o princípio dos jogos de RPG (role playing game, no inglês) é encenar e sentir na pele um personagem, como um grande guerreiro ou um poderoso mago, em uma história que se desenrola a partir das escolhas dos jogadores.

Levando em consideração esses pontos, o potencial educativo desse meio é gigantesco e se aproveita dos games, aplicativos, jogos de tabuleiro, entre outros. A Emerge Mag BR pôde conhecer marcas e estúdios de jogos que se comprometem em fazer, através dos seus produtos, um impacto positivo na sociedade.

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NOS JOGOS, REPRESENTATIVIDADE TAMBÉM IMPORTA

Um processo de educação muito usado atualmente é a gamificação, que usa a dinâmica de jogos para incentivar e ensinar de forma lúdica. Isto é utilizado tanto nas salas de aula, quanto no ambiente de trabalho, fazendo o uso de simulações e competições para estimular conhecimento e atingir resultados.

Através dos temas abordados em jogos, por exemplo, é possível apresentar a diversidade e promover inclusão. O jogo de cartas Favela Venceu, do estúdio Maloca Games, ilustra bem essa possibilidade. Nele, os jogadores competem para construir e desenvolver uma favela que forneça qualidade de vida e estrutura.

A Maloca Games é uma marca de jogos de tabuleiros baseados na cultura afro-brasileira, criando jogos que celebram aspectos da cultura negra e aumentam a conscientização de maneira positiva.

Dando o nome de “Afrogames”, o objetivo da marca é criar jogos de tabuleiro em que a comunidade das periferias e pessoas pretas se identifiquem e se vejam representados, além de viabilizar jogos de qualidade para pessoas de baixa renda.

Rennan Gonçalves, um dos fundadores da Maloca, conta que a ideia dos Afrogames é trazer protagonismo aos povos marginalizados e o afrocentrismo para o cenário dos jogos de tabuleiro. O desafio, segundo ele, é a falta de empresas focadas nisso.

“A gente sempre quis achar jogos com nossas temáticas, com as nossas representações e, infelizmente, não existia”

RENNAN GONÇALVES, FUNDADOR DA MALOCA GAMES
RENNAN GONÇALVES E KAROLINE PEREIRA, FUNDADORES DA MALOCA GAMES. Foto de Kalinca Maki

Acima de tudo, os jogos da Maloca buscam conscientizar para problemas contemporâneos sem focar muito nos aspectos negativos. No Favela Venceu,  a dinâmica está na manutenção de uma comunidade: saúde, educação, segurança e outros temas são explorados e os jogadores são convidados a explorarem a cultura da favela.

Em outro jogo de cartas da marca, o Axé: a Energia dos Orixás, o jogador tem que acumular o máximo da sua energia (axé), representado por uma das três cores nas cartas. Em religiões afro-brasileiras, o termo representa a energia sagrada dos orixás, divindades da religião iorubá.

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O PODER DA LINGUAGEM

No meio digital, há um potencial maior de impacto social dado o grande número de gamers. A Pesquisa Games Brasil indicou que 70% dos brasileiros jogam algum tipo de jogo eletrônico; 59% desses jogadores se consideram não-brancos (pardos, pretos, amarelos, indígenas e outras etnias).

São muitos os exemplos de jogos digitais com mensagens de impacto, como Shadow of the ColossusThe Last of Us e Life is Strange. Eles carregam conceitos de preservação, autoconhecimento e diversidade, entre outros temas relevantes para a vivência contemporânea.

Um exemplo mais atual e independente é o jogo em pixel art Master Lemon, da Pepita Digital, um game sobre autodescoberta e o valor de idiomas estrangeiras. Criado por Julio Santi, é o primeiro jogo da Pepita e já ganhou o prêmio “Pitch for Change Award“, no festival Games for Change América Latina Award, que reconhece games de impacto social no continente latinoamericano.

GAMEPLAY DE MASTER LEMON. Divulgação

Master Lemon é sobre as aventuras do personagem Limão em uma ilha desconhecida, sem memória de nenhum idioma. O objetivo é reaprender a linguagem enquanto explora a região, um lugar fantástico em que os idiomas e as culturas nascem.

O jogo apresenta culturas marginalizadas de maneira criativa e possibilita a degustação de um pouco de suas línguas. Da cultura Maori a polonesa, o usuário aprende palavras em quests (missões, na linguagem gamer) e as usa em diversos cenários.

Até mesmo palavras do português são introduzidas nas missões, como é o caso de “Gambiarra”. O jogo traz o significado do termo — improviso de juntar coisas para criar algo novo — que é usado como um comando durante as quests. Agora, como já se pode imaginar, a gambiarra pode dar certo ou não.

Segundo Julio Santi, Master Lemon é um jogo em que se pode conhecer novas culturas e a si mesmo. Também é uma homenagem a um falecido amigo do apelidado de Limão, que era um poliglota.

“A palavra ‘Đèn pin’, em vietinemita, significa lanterna. Mas há um aspecto cultural também. Um sentido de esperança, iluminação e resistência”

JULIO SANTI, DESENVOLVEDOR DO MASTER LEMON

INOVAÇÃO NA ÁREA SOCIAL

A capacidade educativa que os jogos têm ainda é um campo fétil para novas ideias. Segundo Gilson Schwartz, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e presidente da ONG Games for Change na América Látina, os games podem conectar alunos, artistas e desenvolvedores a um nível internacional.

Em uma entrevista para a Gama Revista, Schwartz apontou meios de inovação a partir dos jogos, como os games que não foram desenvolvidos para salas de aula, mas que podem ajudar os estudantes a compreender assuntos que serão debatidos na matéria. 

Pegando exemplos de jogos, como Sim City e Age of Empires, o professor diz que os jogos podem complementar o ensino dos jovens e estimular habilidades e competências, como leitura, senso crítico e lógica.

Quem escreveu

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Guilherme Schanner

Graduado em jornalismo pela Universidade Mackenzie, gosta de escrever e falar sobre cultura e sustentabilidade. Apaixonado pela natureza, é líder escoteiro desde a infância. Com experiência em produção e edição de conteúdo digital, trabalhou no Fala! Universidades.

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