Reportagem por Isabelle Zanardi, Maria Mesquita e Vitor Scavacin, alunos do curso de jornalismo da Universidade São Judas Tadeu, parceira da Emerge Mag*
Diante dos diversos estímulos digitais, é uma missão difícil manter a atenção dos jovens voltada para o hábito de leitura. De três anos para cá, um aliado improvável entrou em cena, transformando o cenário literário a partir de um nicho de criação de conteúdo, o chamado Booktok (junção do termo book, que significa livro em inglês, e o nome da rede social TikTok).
Com mais 170 bilhões de visualizações, a hashtag #Booktok é uma das principais engrenagens do TikTok — rede que vem crescendo exponencialmente com vídeos curtos e conteúdos personalizados pela tecnologia de algoritmos. Só no Brasil, são 15 bilhões de visualizações. A influência no mercado literário e editorial é tanta que algumas livrarias físicas e digitais têm adotado uma repartição chamada de “Queridinhos do TikTok”, onde ficam expostas obras que viralizaram na rede social e acabaram se tornando um sucesso de vendas.
A rede já percebeu sua influência e, na Bienal do Livro do Rio de Janeiro — um dos principais eventos literários do país —, é uma das patrocinadoras oficiais do evento. “O BookTok Brasil mostra que o TikTok não só molda a cultura da nova geração, mas também possui grande influência nos hábitos diários das pessoas”, comenta Kim Farrell, Diretora Geral de Operações do TikTok na América Latina, em nota publicada no site da plataforma sobre o encontro.
“O BookTok Brasil mostra que o TikTok não só molda a cultura da nova geração, mas também possui grande influência nos hábitos diários das pessoas”
KIM FARELL, EMPREENDEDORA
O público alvo é o infanto-juvenil, que inclusive domina a rede social. Segundo dados da própria plataforma, 66% dos usuários do TikTok têm menos de 30 anos. A maioria tem entre 16 e 24 anos de idade. A rede é a mais usada entre crianças e adolescentes, com idades entre 9 e 17 anos: 34% tem o aplicativo com o preferido.
Do hit à fofoca literária
E nem só novos leitores são formados pelos conteúdos do Booktok. De um hit viral do TikTok, Arquelana desenvolveu a história de seu primeiro livro “Realidade Paralela” (2021), publicado de forma independente.
A música era “Still Into You”, da banda americana de rock Paramore, viralizada anos após seu lançamento em 2013. Na rede social ao lado, o Twitter, um usuário publicou que alguém deveria escrever um livro baseado no som. “Comecei a escrever na hora. Uma semana depois, ‘Realidade Paralela’ estava pronto”, conta a escritora. Logo que publicada, a história foi um sucesso e passou pelo ‘boom’ nas bookredes.
Antes do Booktok, conteúdos sobre a literatura já povoavam a internet. O que a plataforma trouxe de inovador foi a forma de produzir esse conteúdo. Assim como em todas as redes sociais, os usuários desenvolveram jeitos próprios de se comunicar dentro do TikTok, as chamadas trends (tendências em português). Alguém cria uma linguagem ou formato e estes são replicados infinitamente dentro da plataforma.
Uma das mais famosas no meio booktoker são as fofocas literárias. O método de divulgação surgiu em 2021 e consiste em contar o enredo de um livro como se fosse uma experiência pessoal, tal qual uma fofoca. O objetivo é prender a atenção do telespectador até o final do vídeo, com a surpresa nos últimos segundos de que aquela história se trata de um livro. A obra é impulsionada e o vídeo ganha mais visualizações — uma das principais maneiras de mensurar o engajamento e remunerar o conteúdo (a partir de uma quantidade de seguidores e números de interações, o TikTok passa a pagar o criador de conteúdo).
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Booktok como refúgio
O aumento de leitores no Brasil e no mundo também se deu por conta da pandemia. Uma pesquisa realizada pela Nielsen BookScan e divulgada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) apontou que, entre janeiro e setembro de 2021, foram vendidos 36,1 milhões de exemplares de livros, aumento de 39% em comparação ao mesmo período de 2020. A pandemia fez com que muitos leitores retornassem para o refúgio das histórias ou até mesmo iniciassem o hábito de leitura. Paralelamente, o TikTok ganhava força entre o público jovem, servindo de distração da crise global.
A rede virou palco para compartilhar livros lidos, novas obras e até mesmo de resgate de histórias mais antigas. Graças aos booktokers, por exemplo, o livro “Mentirosos”(Editora Seguinte, 2014), da autora E. Lockhart, foi revivido por meio de resenhas, diários e vlogs de leitura e foi um dos livros mais vendidos de 2020. Por demanda popular, a obra ganhou uma continuação, “Família de Mentirosos”, lançada no ano passado.
Um dos precursores do BookTok Brasil é o influenciador digital e escritor Tiago Valente. Seu primeiro vídeo foi um resumo de “Dom Casmurro” em 30 segundos, em 2020. Hoje, ele tem mais de 400 mil seguidores no TikTok e traz vlogs, recomendações e receitas literárias. Ele conta que, pelos seus números, conseguiu um contrato com uma editora e agência de publicação antes mesmo de ter um livro escrito.
TIAGO VALENTE, CRIADOR DE CONTEÚDO
“Nem existia sinopse ou ideia para um livro. Tudo aconteceu graças à comunidade que eu já tinha no TikTok. Pude devolver para a literatura tudo aquilo que aprendi com ela”
O Booktook é uma comunidade formada pela paixão compartilhada por livros. A partir de uma hashtag que agrupa os conteúdos, os usuários desenvolveram uma nova maneira de descobrir, compartilhar e discutir literatura e um ambiente que indivíduos de diferentes origens e interesses se conectam.
Para Arquelana, o aplicativo está revolucionando o universo literário. “Tem livros, autores, gêneros que eu jamais ouviria falar se não fosse pelo TikTok. Para mim ele é, hoje, a maior forma de divulgação de livros. Você não fideliza, mas as pessoas veem. O primeiro contato, o primeiro ‘tchan’ para comprarem o seu livro, o TikTok faz isso de uma maneira absurda”.
Mas como em qualquer plataforma de mídia social, é necessário ter uma abordagem crítica em relação ao conteúdo compartilhado, filtrando o que está sendo proposto para o bem-estar do consumidor digital. Embora o TikTok seja uma ferramenta poderosa, é fundamental diversificar fontes para complementar a experiência com outras leituras.
É certo, porém, que a rede social teve um impacto significativo na comunidade literária independente, oferecendo oportunidades para escritores iniciantes. Esses influenciadores, autores e leitores, tudo ao mesmo tempo, se esforçam para levar conteúdos para milhões. Abre-se uma porta para o conhecimento por meio das páginas digitais.
*Edição por Teresa Cristina
