Reportagem de Maurício Espíndola, aluno de jornalismo da Universidade São Judas Tadeu, realizada via convênio de ensino dual com a Emerge Mag, sob supervisão de Jaqueline Lemos.
Figurando entre as três maiores playlists brasileiras do Spotify, e com um impacto cultural que atravessa fronteiras, o funk brasileiro consolida-se como um fenômeno global. Porém, o caminho que o levou da periferia ao mainstream é marcado por batalhas sociais, adaptações mercadológicas e resistência criativa.
Nascido nos anos 1980 nas favelas do Rio de Janeiro, o funk foi um grito de liberdade em comunidades marginalizadas. Em seu início, sem apoio da indústria fonográfica, encontrou nos bailes de quadra e em fitas cassete gravadas artesanalmente uma forma de sobrevivência. Antes da virada do milênio, alcançou visibilidade com o funk melody de Claudinho & Buchecha. Nos anos seguintes, foi a época dos sucessos comerciais da Furacão 2000, como Cerol na Mão e Dança da Motinha.
LEIA MAIS: Dentro e fora dos palcos: o corre das mulheres no funk.
Duas décadas depois, o funk tem ainda mais vertentes, que refletem a pluralidade cultural brasileira, como o brega funk em Pernambuco. Inclusive, o ritmo nordestino foi tema de capítulo da série Narrativas Negras Não Contadas, lançada pela Warner Bros. Discovery no final de 2024.
Um das artistas emergentes do funk brasileiro é DJ Pétala. Em atividade desde 2021, a jovem de 19 anos é integrante do Submundo, coletivo de festas independentes feito por pessoas negras e periféricas.
Criado em Campinas, no interior de São Paulo, o coletivo realiza eventos para dezenas de milhares de pessoas, em diferentes capitais do país.
Especializada em Funk Mandela e Hip Hop, Pétala tem sets que percorrem uma ampla e diversificada gama de música preta e periférica, o que inclui desde dancehall e house até vertentes de música popular brasileira.
“Funk é liberdade, e seria estranho se não tivesse mudado ao longo da história. Desde o seu início, ao transformar sons de garrafa PET em batida eletrônica, mostra que qualquer coisa pode ser música.”
DJ Pétala.
Pétala conta que teve seu primeiro contato com o funk durante festas familiares. Apesar da resistência inicial de sua mãe, que criticava algumas letras, Pétala encontrou no gênero, um meio de expressão e criatividade.
“Eu queria dançar porque era legal, mas minha mãe dizia: ‘não dança isso, olha a letra dessa música'”, lembra ela. “Isso ficou na minha cabeça, como se gostar de funk fosse errado”.
UMA QUESTÃO DE DIVERSÃO
DJ RaMeMes, 25 anos, é conhecido por suas batidas frenéticas que ultrapassam 200 bpm (batidas por minuto) e por músicas com letras abstratas que contagiam os bailes de todo o país. Em 2023, ele produziu a música “Calma amiga”, de Anitta e Pabllo Vittar.
“O funk inova a cada dia que passa. Eu faço brincando com a música. A reinvenção em cada batida é o que mantém a arte viva e infinita.”
DJ RaMeMes.
Natural de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, DJ RaMeMes iniciou sua jornada no funk após assistir a uma apresentação do Skrillex com o MC Bin Laden, que misturava dubstep com funk. Sem conhecimento musical formal, ele transformou experimentações em hits que mesclam elementos de drum and bass, piseiro e arrocha.
Com 54 mil seguidores no Instagram e agenda lotada — há poucos dias ele participou de um festival na Neo Química Arena que reuniu 70 mil pessoas —, DJ RaMeMes afirma que um dos fatores que faz o público se conectar com o seu trabalho é a diversão.
“As pessoas percebem que eu realmente me divirto fazendo o que eu faço”, diz ele. “Elas entram na onda, só curtindo a bagaça”.
A DIVERSIDADE DENTRO DO FUNK
É notável o impacto econômico da constante inovação do funk. Segundo a Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), mais de 60% das músicas de funk lançadas em 2023 foram produzidas de forma independente, fortalecendo uma cadeia produtiva que inclui DJs, produtores, coreógrafos e estilistas.
Por um lado, a ascensão de artistas como Anitta e Ludmilla criou um grande mercado. No entanto, a alta demanda de comercialização trouxe novos desafios.
DJ Erick.JPG, de 27 anos, é um expoente do funk alternativo LGBTQIA+. Artista não-binário, combina influências do hyperpop com beats periféricos. Criade em Carapicuíba, cidade da Região Metropolitana de São Paulo, Erick iniciou sua carreira em casas bastantes conhecidas pelos jovens paulistanos, como a Tokyo, no centro da capital.
Erick faz um paralelo entre o funk alternativo e o comercial. O primeiro é uma manifestação autêntica, lapidada na interação entre artista e público, que traz a originalidade para transcender o efêmero.
“O funk comercial já nasce com investimento e uma fórmula para ser vendido. O alternativo vem dos artistas independentes, tocando em bailes e sendo descoberto de forma orgânica.”
DJ Erick.JPG.
Para Erick.JPG, o funk ainda sofre com uma síndrome do vira-lata. Ou seja, um complexo de inferioridade cultural que descreve a crença inconsciente de que o Brasil, sua cultura e seu povo são inferiores aos de nações do norte global.
Para DJ Pétala, a originalidade do funk também é uma questão de postura. É sobre o que o você coloca na música, para quem você toca e o impacto que quer causar. “Ver um grupo periférico e preto transformar o cenário musical é inspirador”, diz ela. “Provamos que o céu é o limite quando você faz com coração e esforço”.
Sobre representatividade LGBTQIA+, Erick.JPG comemora o fato de hoje haver “mulheres, bichas e travestis transformando o gênero em algo muito mais diverso”. No entanto, ele bate na tecla de que ainda é necessário maior respeito ao talento e protagonismo de pessoas da comunidade.
“Sempre houve pessoas LGBTQIA+ no movimento funk, mas ainda há o desafio da representatividade e pertencimento, principalmente das faveladas”, diz Erick.JPG.
Embora não faça parte da comunidade, DJ RaMeMes aponta que hoje seu público é majoritariamente LGBTQIA+. Para ele, de fato, ainda há o problema da discriminação sexual e de gênero. “O que a gente tenta é mudar isso, para que mais pessoas possam continuar contribuindo com criatividade e inovação na cena.”
FOTOGRAFIA DE ABERTURA: Dada Boninii.