Reportagem: Talitha DeJesus e Guilherme Schanner. Edição: Karol Pinheiro.
“O mundo é diferente da ponte pra cá”. Só quem é morador de uma favela, ou circula pelas vielas de uma, entende na alma a expressão de Mano Brown. O barulho constante de motocicletas e funk indica que se está em um ambiente urbano – o contraste com a vida nos bairros mais ricos é gritante.
“Os conglomerados habitacionais de condições humanitárias mínimas”, as chamadas favelas, nasceram do descaso público, e também da luta do povo brasileiro por moradia. Dois grandes acontecimentos históricos revelam a origem das fwavelas. O primeiro é a Abolição da Escravatura (1888), que deixou negros e negras à deriva. Sem terra, eles começaram a criar cortiços, que posteriormente viriam a ser chamados de favelas.
O segundo, que remonta à própria origem do termo, foi a Guerra de Canudos (1896-1897). Como narra Euclides da Cunha em “Os Sertões”, soldados foram enviados ao combate no interior da Bahia com a promessa de que, ao voltar para o Rio de Janeiro, teriam uma casa. A promessa não foi cumprida pelo governo. Eles, então, subiram o Morro da Providência, também conhecido como Morro da Favela, porque o local era coberto de planta faveleira. #FavelaTambémÉÁrvore.
Ao longos das décadas, o aumento da demanda por moradias fez as pessoas ocuparem terrenos baldios e encostas de morros. Essas comunidades se expandiram e se tornaram cada vez mais complexas, com a construção de casas de alvenaria, comércios e serviços.
Mais de 100 anos depois, são muitas as favelas brasileiras. Na cidade de São Paulo, 9,4% da população da cidade vive em favelas, segundo o Mapa da Desigualdade de 2022.
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ALÔ COMUNIDADE
Atrelada ao negro e ao pobre, o termo favela passou a ser usado de maneira pejorativa. Por isso, com o tempo, outros termos como “comunidade” e “periferia” surgiram como forma de diminuir o estigma da violência e do tráfico de drogas comumente atrelado às favelas.
Segundo estudo dos pesquisadores Rafael Melo Pereira, Carolina Lescura de Carvalho Castro e Bernardo Lazary Cheibub, líderes comunitários e agentes de turismo do Morro de Santa Marta, no Rio de Janeiro, muitos dos moradores dizem que o termo “comunidade” reflete melhor a ideia do que são esses conglomerados habitacionais, isto é, organização e solidariedade. A grande mídia e o poder público promoveram esse conceito como uma forma de diminuir o desprezo atrelado às favelas e tornar os moradores dessas comunidades mais integrados à cidade.
Nas últimas décadas, contudo, surgiram movimentos sociais e culturais que reivindicam o uso do termo “favela” como uma forma de romper com estereótipos negativos e preconceituosos. O lance tem sido afirmar a importância da cultura e da identidade dos moradores de favelas. De acordo com André Fernandes, jornalista e diretor da Agência de Notícias das Favelas, a tentativa de substituição de “favela” por qualquer outra palavra é uma forma de apagar as lutas e conquistas de seus moradores. Para ele, o mais importante é dar dignidade aos moradores das favelas e atender suas necessidades.
DO MORRO PARA O ASFALTO
Embora a história do lugar e dos moradores estão atreladas às dificuldades de viver à margem, Favela é nome próprio. É um espaço de convivência, solidariedade e resistência, onde as pessoas desenvolvem formas criativas de enfrentar de contornar obstáculos e construir sua própria identidade e cultura.
Um exemplo que bebe na fonte dessa potência – e ajuda a ressignificar o termo – é o ExpoFavela. O evento paulistano reúne empreendedores e startups de favelas e investidores num olhar de negócios e inovação. Criada em 2022, a ExpoFavela surgiu como uma plataforma para dar visibilidade a empreendimentos que surgem nas periferias, e que são muitas vezes ignorados pelo mercado tradicional. O evento de lançamento recebeu mais de 30 mil visitantes, com menções em 38 veículos de comunicação, que atingiram cerca de 135 milhões de pageviews.
Em 2023, a feira acontece entre nos dias 17, 18 e 19 de março, no World Trade Center (Av. das Nações Unidas, 12551, Brooklin Novo). Serão mais de 500 expositores, além de workshops, palestras, debates, mentorias, cursos e pitches de startups. Também haverá conferências sobre cultura das periferias, com a presença de Paula Lima, Kondzilla, Mc Sophia, Manoel Soares e Paulo Lins.
Para o CEO da Favela Holding, Celso Athayde, que é um dos organizadores do evento, a ideia é incentivar as empresas a olharem para dentro das favelas e descobrir as possibilidades de negócios que surgem a partir das comunidades. Ele complementa:
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