Diversidade precisa ir muito além de bandeirinhas na fachada. Saiba como e por que as marcas devem fortalecer a nossa causa
*Esta reportagem contém linguagem neutra de gêneros gramaticais e ironia.
Começa o mês do Orgulho e minha caixa de e-mails fica lotada de ofertas de empresas divulgando desde perfumes, chinelos de dedos e plataformas de streaming até associações de supermercado (essa foi nova para mim, confesso). Como no capitalismo tudo é sobre “money”, é previsível que as marcas queiram surfar na onda LGBTQIAP+, uma vez que a o “dinheiro rosa” movimenta por ano mais de R$ 400 bilhões no Brasil, de acordo com dados da Out Leadership. Um exemplo prático é a Parada LGTQIAP+ que em sua última edição, em 2019, trouxe R$ 403 milhões para a cidade de São Paulo (não é pouca coisa, né, mona?). Até aqui, nenhum problema, certo? Mais ou menos, pois seria lindo se as marcas fossem além da bandeirinha no perfil do Twitter e causassem impacto positivo real, na base da questão.
SÓ EXISTIMOS EM JUNHO?
Apesar de ser óbvio dizer que as vozes da diversidade precisam ser escutadas em todas as épocas do ano, junho é o mês que os holofotes são direcionados à população devido ao Dia do Orgulho LGBTQIAP+. É o caso da Casa Chama, ONG que apoia pessoas transvestigêneres. Atualmente, dois projetos da casa estão em curso: o 2º Chama Festival Transversalidades e o Chama Festival em Ação, ambos focados na contratação e remuneração de profissionais trans da economia criativa e realizados com apoio de editais de cultura da cidade de São Paulo. Apesar do aporte de recursos públicos, a organização tem dificuldades para equilibrar o orçamento anual devido à gastos de manutenção e custos extras, como uma recente compra de itens de proteção individual contra a Covid-19. De acordo com Digg Franco, fundador da Casa Chama, que recentemente recebeu apoio do Bradesco e da Budweiser, conseguir um patrocínio privado é árduo:
“As marcas têm ações pontuais em junho, mas as organizações sociais precisam de apoio recorrente para manter o impacto positivo. Parece que só existimos no Mês do Orgulho”
Outra questão é fazer com que as demandas da organização seja devidamente atendidas pelas empresas, e não que a ONG tenha que se encaixar num projeto pensado pela marca com foco em negócios. Para Digg, falta diálogo e compreensão das marcas para entender quais são as necessidades reais da população trans. Vale destacar que a prática do mercado para o Dia do Orgulho LGBTQIAP+ é as empresas conceberem projetos em agências de publicidade, onde há baixíssima diversidade e conhecimento da realidade travestigênere. “As empresas têm que nos procurar e perguntar: o que vocês pensam e o que querem?”, diz Digg.
REPRESENTATIVIDADE DA PORTA PARA DENTRO
Eu to MORRENDO 🗣 pic.twitter.com/anY3BjcarK
— iuca (@_iucaa) June 14, 2021
Apesar de sermos uma fatia considerável da população, muites de nós ainda têm dificuldades em encontrar emprego – uma realidade ainda mais latente para as pessoas trans e negres – ou de se assumir dentro das empresas em que trabalhamos. Segundo a Out Leadership, 68% dos brasileiros LGBTQIAP+ já sofreram homofobia no ambiente de trabalho, o que reduz a produtividade e a retenção. Para além dos dados, uma reclamação que escuto de pessoas trans do meu convívio é o desrespeito aos seus pronomes.
Há também relatos que nascem ainda na fase de entrevistas, quando candidates são considerados pelos RHs como “muito afeminades” ou “agressives” e, por isso, não são aptes para serem contratades.
Autora do livro “Como ser um líder inclusivo” e fundadora da Gestão Kairós, consultoria de sustentabilidade e diversidade, Liliane Rocha cunhou o termo “lavagem da diversidade”. Derivado do “greenwashing“, utilizado quando as empresas dão uma falsa aparência de preocupação com o meio ambiente, o “pinkwashing” é a apropriação de atributos da diversidade sem, de fato, haver a preocupação de construir locais mais inclusivos. Ela explica:
“Um caso o típico de Pinkwashing é a empresa fazer ações de marketing no Dia do Orgulho LGBTQIAP+, mas não contratar profissionais que representem a população e nem promover um ambiente seguro, inclusivo e igualitário para eles”
Liliane diz que as grandes empresas brasileiras ainda estão longe de ter representatividade, principalmente em cargos de liderança – e esse é o calcanhar de Aquiles do mercado e onde podemos mirar nossas flechas. Afinal, qual o valor de se colocar uma bandeirinha do arco-íris na fachada se a diretoria é composta exclusivamente por homens e mulheres cisgêneres heteros e branques? Aqui cabe lembrar um caso de 2017, quando a Coca-Cola publicou fotos de seu Comitê de Diversidade, formado apenas por homens brancos e cisgêneros (desapontada, mas não surpresa).
Uma esperança que acalenta o coração (e o bolso) é o trabalho de organizações que auxiliam grandes empresas a trilharem o caminho da diversidade real. Além da Kairós, são exemplos a Camaleão.co e a TransEmpregos, que oferecem serviços de mentorias, palestras, workshops e intermediação de recrutamento e seleção de LGBTQIAP+.
Fundada em 2013, a TransEmpregos possui parceria com o Fórum de Empresas e Direitos LGBTQI+. Segundo a fundadora Márcia Rocha, em 2013, seu ano de fundação, a organização atendeu apenas uma profissional. Porém, a partir de 2015, a ONG firmou parceria com o Fórum de Empresas e Direitos LGBTQI+, composto por onze multinacionais. Hoje, a lista de empresas parceiras está em quase 100 e, em 2018, a organização intermediou 700 novas contratações. Uma das empresas parceiras é a Atento, de serviços de relacionamento com o cliente, que possui mais de mil pessoas trans no quadro de funcionáries.
DIVERSIDADE TAMBÉM É DINHEIRO
Em 2017, um estudo da organização McKinsey & Company mostrou que empresas com diversidade de gênero em suas equipes executivas eram 21% mais propensas a ter lucratividade acima da média do que aquelas que eram neutras. Com um olho no peixe e outro no gato, parece que uma fatia do mercado tem buscado aumentar a diversidade em seus quadros. Um recente estudo da Gupy, empresa de tecnologia para recursos humanos, apontou que o número de vagas exclusivas para os chamados “grupos diversos” cresceu no Brasil, sendo que o aumento foi de 39% para profissionais negres e 37,5% para LGBTQIAP+. A startup analisou cerca de 60 mil vagas abertas entre julho de 2020 e maio de 2021.
Ao mesmo tempo que o crescimento merece ser comemorado, ainda há pontos de atenção. Maira Reis, fundadora da consultoria Camaleão.co, lembra que é necessário que as lideranças das empresas tenham o genuíno desejo de ser pró-diversidade:
“Apenas funcionários ativos e conscientes não mudam a cultura organizacional de uma corporação. A diretoria precisa ter interesse na pauta, nem que seja por pressão da sociedade”
E, falando em pressão social, neste dia 28 de junho, Dia do Orgulho LGBTQIAP+, foi lançada a Frente Nacional Transpolítica, que reúne parlamentares trans e travestis eleitas no Brasil e movimentos sociais organizados pela defesa dos direitos das populações de gênero e sexualidade dissidentes. O manifesto da frente pode ser lido neste link.
E, para finalizar, fica a convocação: bora somar?