Empresas usam benefícios inclusivos para reduzir desigualdades 

11/11/2025

Mais flexíveis, benefícios atendem necessidades de diferentes perfis de trabalhadores, incluindo mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+.

O Brasil é o país mais desigual do mundo. É o que constatou, mais uma vez, um recente relatório do banco suíço UBS. O cenário brasileiro de concentração de riqueza nas mãos de poucos e miséria para muitos é pior do que o da África do Sul, país em que há menos de 40 anos ainda mantinha um sistema de segregação racial institucionalizado. 

Nosso país também é mais desigual que a Índia, onde vigorou, por mais de 3.000 anos, uma estrutura social hereditária e rígida, as castas. O sistema de segregação foi proibido somente em 1950.

Nesse contexto, no Brasil, trabalhar numa empresa que oferece plano de saúde, vale-alimentação e auxílio educacional, entre outros benefícios, concede acesso à direitos básicos, mas que ainda não são realidade para uma parcela significativa da população. 

Não é por menos, os benefícios corporativos costumam figurar como o segundo item mais valorizado pelos funcionários, logo após a remuneração. 

Por outro lado, há empresas atentas às transformações sociais que têm utilizado os benefícios para reduzir desigualdades. Nesses casos, além de complemento de renda e atrativo para bons talentos, os benefícios inclusivos são ferramentas para promover o bem-estar com respeito às diferenças.

LEIA MAIS: Empresas adotam dados para aumentar a diversidade e inclusão.

O cenário é detalhado na última edição da Pesquisa de Benefícios, realizada pela Aon, consultoria de gestão de pessoas, seguros e riscos. O levantamento teve participação de 929 empresas que operam no Brasil, de diferentes segmentos e portes. Dessas, 70% estão revisando seus pacotes de benefícios para torná-los mais flexíveis e alinhados às necessidades de diferentes perfis de colaboradores, incluindo mulheres, pessoas negras, profissionais LGBTQIA+ e pessoas com deficiência.

BENEFÍCIOS INCLUSIVOS: licença parental estendida e subsídio para reprodução assistida cresce nas empresas (foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil).

Por exemplo, licença parental igualitária, independente de gênero, já é realidade em quase um quarto das empresas consultadas. Nessas companhias, seja mulher ou homem, os funcionários recebem licença de seis meses quando se tornam mães ou pais. 

Na última semana, a questão da licença paternidade ganhou destaque na mídia, após a Câmara dos Deputados aprovar a ampliação dos atuais cinco dias para 20 dias. A ampliação será gradual, em três anos. No entanto, o texto da lei ainda passará por nova análise no Senado e, depois, segue para sanção presidencial. Mesmo se aprovada, não há data estimada para entrar em vigor. 

Numa escala menor, a pesquisa também mostra a existência de subsídio para tratamento de reprodução assistida (3%) e subsídio a casais homoafetivos para adoção de filhos (1,5%). 

Para Leonardo Coelho, vice-presidente de Health & Talent na Aon Brasil, essas políticas são importantes para a inovação e desenvolvimento sustentável das empresas. 

“Ao investir em políticas inclusivas, as organizações não apenas atendem às demandas sociais, mas também colhem benefícios significativos em termos de engajamento e performance.”

Leonardo Coelho, vice-presidente de Health & Talent na Aon Brasil.

Outra pesquisa que aborda o tema foi realizada em setembro pela To.Gather. A consultoria de dados analisou as práticas das signatárias do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, movimento empresarial com atuação permanente que reúne cerca de 160 empresas em torno de dez compromissos com a promoção dos direitos da população. 

O levantamento constatou que 61% das companhias têm benefícios inclusivos específicos para funcionários LGBTI+. 

Os mais comuns são licença parental para casais homoafetivos (78%), apoio psicológico em transição de gênero (78%) e apoio jurídico no processo de adoção para casais homoafetivos (32,2%). Reembolso ou subsídio para procedimentos cirúrgicos e tratamento hormonal para readequação de gênero são realidade em 30,5% e 23,7% das empresas, respectivamente.

VEJA TAMBÉM: Nas empresas, diversidade sobrevive à onda conservadora.

ACELERAÇÃO DE CARREIRA E SUBSÍDIOS PARA SER QUEM REALMENTE É

Signatária do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, a Stellantis é um grupo que reúne 14 marcas de automóveis, incluindo Fiat, Jeep, Peugeot e Dodge. No Brasil, são mais de 16 mil funcionários [alguns aparecem na foto que abre essa reportagem].

A empresa tem um robusto pacote de benefícios, que vai muito além do que o exigido por lei. Um deles é o Plural Mentoring, focado em funcionários de grupos subrepresentados. O programa conecta profissionais experientes (mentores) a outros funcionários (mentorados) para compartilhar conhecimento, desenvolver habilidades e superar desafios profissionais. Considerando todas as edições, a participação LGBTI+ soma 17%. 

Outro programa de educação e desenvolvimento é o Rocket, de aceleração de carreira e formação de novos líderes. Na última edição, mais de 50% dos participantes eram mulheres. 

Há ainda programas de capacitação exclusivos para pessoas negras da área de finanças e outro para jovens de engenharia. 

Já o benefício mais recente, lançado em janeiro, é reembolso para retificação documental motivada por autodeterminação de gênero. Um dos beneficiados é Bernardo Pedrosa, funcionário da fábrica da Stellantis de Betim, em Minas Gerais. 

Engenheiro Bernardo Pedrosa, benefício inclusivo
DIGNIDADE: o engenheiro Bernardo contou com apoio da empregadora par realizar a transição de gênero.

Desde a adolescência, Bernardo tem interesse por máquinas e motores. Ainda em 2010, ingressou num curso técnico de mecânica industrial. Dois anos depois, iniciou a graduação em Engenharia Mecânica.

Durante a faculdade, ingressou na Stellantis como estagiário. Desde então, não saiu mais. Foi promovido a mecânico de veículo experimental, líder de equipe e analista até chegar ao atual cargo: coordenador de logística e gestão de frota. 

Na trajetória de mais de 13 anos na empresa, Bernardo fez a transição de gênero, que culminou na autodeclaração enquanto homem trans no seu cadastro na empresa. 

Ele confessa que não sabe se a transição foi mais desafiante para ele ou para a empresa. Por um período, o seu crachá ainda manteve um registro diferente em relação ao seu novo gênero.

Porém, recebeu apoio médico e psicológico e, rapidamente, realizou a cirurgia de redesignação sexual, com subsídio da Stellantis. 

“Tanto para mim quanto para a empresa, houve muito aprendizado durante a minha transição de gênero. As políticas e benefícios inclusivos me deram dignidade de ser quem sou, o que ampliou o meu desempenho profissional.” 

Bernardo Pedrosa, funcionário da Stellantis.

AUXÍLIO EDUCACIONAL FAZ COM QUE PESSOAS TRANS CONTINUEM NA EMPRESA

No último mês do Orgulho LGBTQIA+, a plataforma de empregos Infojobs divulgou uma pesquisa que aponta que 7 em cada 10 jovens da comunidade desistem de vagas por temer a cultura da empresa.

Entre os entrevistados, 56% afirmaram que as empresas onde trabalham ou já trabalharam nunca implementaram ações afirmativas de diversidade, e 66% disseram que não receberam nenhum tipo de treinamento sobre inclusão.

Em contraponto, empresas com programas de diversidade podem usar suas boas práticas para reforçar a imagem de marca empregadora e atrair bons talentos diversos, que ainda são subaproveitados no mercado. 

Esse é o caso da Tim. Ano passado, a companhia telefônica figurou entre as 10 melhores empresas para se trabalhar (Great Place to Work), na categoria de até 10 mil funcionários. O destaque se deu especialmente devido às boas práticas de diversidade. A Tim alcançou a sétima posição no quesito LGBTI+ e a 20ª nos quesitos 50+, Mulher e Étnico-Racial.

SAIBA MAIS: Grupos de afinidade fomentam os direitos humanos nas empresas.

A operadora se destacou por iniciativas como o Transforma TIM. Criado em 2022, o programa contrata pessoas trans e oferece bolsa de 100% para que elas realizem graduação online. Também há consultoria jurídica, apoio psicológico e reembolso para transição de gênero, tudo custeado pela empresa. O programa foi desenvolvido em conjunto com a plataforma de empregabilidade Trans Emprego

De acordo com o último censo de diversidade da empresa, 12% dos funcionários se autodeclaram LGBTQIA+. Pessoas trans somam 35 colaboradores. 

Importante lembrar que, há dez anos, a regra que reinava no mundo corporativo era simples e direta: pessoas trans, apenas da porta para fora. 

De acordo com Felipe Xavier da Silva, consultor sênior de diversidade da Tim, benefícios inclusivos precisam ser justificados com dados que demonstrem viabilidade e resultados positivos. O lado positivo é que a relação custo-benefício dos investimentos tem se mostrado equilibrado, principalmente quando comparados com os da população geral (cis). 

“A representatividade de pessoas trans nas empresas ainda é baixa. Então, benefícios de equidade, que geram transformações profundas na vida delas, não têm custo elevado”. 

Felipe Xavier da Silva, consultor sênior de diversidade da Tim.

Em todos os casos, consultorias corporativas apontam que empresas que investem em políticas e benefícios inclusivos colhem ganhos tangíveis: melhora do clima organizacional, maior produtividade e fortalecimento da marca empregadora. 

Em um mercado competitivo, a inclusão, além de ser uma questão ética e direito fundamental, se mostra mais um investimento estratégico do que um gasto adicional.

Quem escreveu

Foto de Guilherme Schanner

Guilherme Schanner

Jornalista pós-graduado, gosta de escrever e falar sobre cultura e sustentabilidade. Apaixonado pela natureza, é líder escoteiro desde a infância. Trabalhou no Fala! Universidades e O Estado de São Paulo (Estadão).

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