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“Eu sou assexual”

29/05/2024

Falar abertamente de sexo ainda é um tabu. Se afirmar como uma pessoa assexual, que não sente vontade de transar, pode ser ainda mais.

“É difícil respeitar algo que não se entende”, diz Mônica Lour. Natural de Alagoa Grande, no interior da Paraíba, a comunicadora de 26 anos vem de um núcleo familiar conservador. Durante a infância, viveu sob forte influência evangélica. O fato fez com que a falta de libido passasse despercebida durante a adolescência. Porém, aos 17 anos, já fora da igreja e imersa em movimentos políticos progressistas, o não desejo sexual ainda persistia. “Foi aí que me dei conta que era uma pessoa assexual”, afirma ela.

Ser assexual é não sentir necessidade e vontade, total ou parcial, de fazer sexo. Diferente do celibato ou abstinência sexual, a assexualidade não é uma escolha, e sim uma característica de pessoas que vivem bem sem sexo. Representada pela letra A na sigla LGBTQIA+, a assexualidade é considerada uma orientação sexual.

Hoje, após anos de terapia, Mônica não tem dúvidas sobre quem é, e leva uma vida confortável. É funcionária da Universidade Federal de Campina Grande e tem um relacionamento lésbico há quase dois anos.

Porém, ainda há desafios para pessoas assexuais. Viver numa sociedade obcecada por sexo pode ser frustrante. E exemplos não faltam: crianças ainda são estimuladas a brincar a de “namoradinhos”; na masculinidade tóxica, o sexo é sinônimo de dominação; a relação entre liberdade sexual e castidade ainda é um critério para categorizar mulheres; na mídia, o sexo gera lucro.

Importante destacar que o caso de Mônica não é raro. Embora pouco discutida, estimativas apontam que cerca de 7,7% das mulheres brasileiras e 2,5% dos homens, entre 18 e 80 anos, são assexuais, segundo dados de 2017 do Programa de Estudos da Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (ProSex-IPq).

Em uma conversa com a Emerge Mag, a Mônica compartilha suas experiências, perspectivas sobre afeto e orientações para jovens que estão se descobrindo assexuais.

LEIA MAIS: Numa sociedade obcecada por sexo, como é ser assexual?

A descoberta da assexualidade

Aos 17 anos, comecei a trabalhar para um sindicato de trabalhadores rurais ligado ao Movimento dos Sem Terra (MST). Entre diversas ações de incidência em políticas públicas, havia programas de defesa dos direitos de mulheres camponesas. Lá, participei de atividades sobre equidade de gênero e tive contato com pautas que iam além da heteronormatividade. Entre conversas com amigas e pesquisas na internet, fui me descobrindo assexual, mas ainda não me sentia segura o suficiente para me afirmar. Aos 18 anos, dei meu primeiro beijo. Aos 19, tive a primeira relação sexual. Na época, tive um relacionamento heterossexual que durou sete meses. O término se deu porque o menino não entendia o fato de eu não querer transar, embora tivéssemos momento de intimidade. Eu ficava sempre naquela ‘sou ou não assexual’ e ‘será que isso é só uma fase’. Hoje, me identifico como uma pessoa assexual fluída, que é aquela que alterna entre diferentes níveis de não desejo.

“Sou birromântica, ou seja, me apaixono tanto por meninos quanto por meninas. Inclusive, tenha uma namorada”

MÔNICA LOUR
Relacionamento com pessoa sexual
MÔNICA LOUR: ASSEXUALIDADE NÃO PRECISA DE TRATAMENTO MÉDICO

Eu e a Beatriz estamos juntas há um ano e sete meses. Até me conhecer, ela não sabia o que era assexualidade. Logo de cara, conversamos sobre. Temos um relacionamento leve. Compartilhamos interesses e objetivos de vida. Há muita harmonia entre nós. Há momentos em que eu me disponho a ir a lugares que ela gosta mais e ter experiências que não significativas para ela, e vice-versa. Sexualmente, entendo que o nosso relacionamento é um desafio para ela, porque ela pode sentir falta de sexo. Mas, como eu disse, conversamos bastante. Ela me conhece bem. Até onde for confortável para mim, a gente vai. Quando não for, não vamos – e não há cobrança. A gente sempre tenta equilibrar ao máximo os desejos dela e os meus, que são mínimos. Nosso relacionamento é monogâmico. Por respeitar a pessoa que amo, que tem desejos que não posso não corresponder, já pensei em ter relacionamento não-mono. Porém, me dei conta que não é para mim. Lido de maneira bem específica com afetos. Minha namorada também não vê necessidade de ter relação aberta. É importante o casal estabelecer acordos que sejam recíprocos. Relacionamentos por conveniência ou quando uma pessoa abdica de si para satisfazer as vontades da outra não é saudável.

VEJA TAMBÉM: Amor e Sexo PCD: pessoas com deficiência também transam

A relação entre assexualidade, traumas e religiosidade

Precisamos deixar bem claro que a assexualidade não é uma disfunção hormonal, um distúrbio ou uma doença psicossomática [doença que tem origem psicológica e causa sintomas físicos]. O que acontece é que determinadas pessoas não têm desejo sexual devido experiências traumáticas, situações de abuso e doenças – mas isso não é ser assexual, no sentido de orientação sexual. No meu caso, eu tive uma influência forte da igreja evangélica durante a infância, onde o sexo era repleto de tabus e envolto em dogmas. Mas não posso responsabilizar a influência cristã por determinar a minha assexualidade. Eu me afastei da igreja durante a adolescência. Depois, vivi em ambientes de maior liberdade sexual, durante os trabalhos ligados ao MST e num centro de formação de jovens. Eu não era mais Mônica que havia sido até a adolescência.

“Por mais que eu tivesse passado da fase do celibato, da castidade e da valorização da virgindade, eu ainda não tinha vontade de fazer sexo”

Orientações para pessoas que estão se descobrindo assexuais

Respire fundo e calma. Falar de sexo ainda é um tabu – falar de pessoas que não gostam de sexo é mais tabu ainda. Se identificar como assexual faz parte do processo de autoconhecimento, que é longo e requer paciência. Compartilhe suas dúvidas apenas com pessoas que gostam de você e procure fontes confiáveis de informação. Também recomendo acompanhamento psicológico, com um profissional que entenda do assunto e não veja a assexualidade como um transtorno psiquiátrico. Infelizmente, há casos de adolescentes que “trancam” a sua identidade devido à pressão dos pais, que os tratam como doentes. O acompanhamento psicológico é necessário porque o período de descoberta é confuso, e tende a ser mais difícil, doloroso e demorado quando se está sozinho.

Quem escreveu

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Guilherme Schanner

Graduado em jornalismo pela Universidade Mackenzie, gosta de escrever e falar sobre cultura e sustentabilidade. Apaixonado pela natureza, é líder escoteiro desde a infância. Com experiência em produção e edição de conteúdo digital, trabalhou no Fala! Universidades.

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