Efe Godoy é uma artista plástica natural de Belo Horizonte, Minas Gerais. Com 11 anos de experiência, ela se considera uma fazedora de imagens, sobretudo imagens de hibridez. Enquanto uma pessoa trans, o que encanta Efe é justamente a mistura de natureza — seja humano e animal, seja animal e planta —, que transborda em suas pinturas em aquarela e desenhos.
Na série A cada vez que eu esqueço de dizer algo, brota um pensamento novo que pode ser esquecido outra vez, produzida entre 2024 e 2025, Efe apresenta fotos antigas, garimpadas em antiquários. Após rasgá-las, ela cria desenhos de plantas a partir das fissuras.
Composta por 10 fotografias-desenhos, a série faz parte da exposição Territórios Diluídos, da Galeria Diáspora, em cartaz até o dia 17 de maio, na capital paulista.
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A exposição é baseada no ensaio Manifesto Ciborgue, da filósofa e zoóloga americana Donna Haraway. O texto discute a relação entre ciência, tecnologia e feminismo socialista, e propõe uma nova visão sobre a natureza humana.
Com a obra publicada em 1985 na mente e no coração, as curadoras Ana Carla Soler e Marina Frúgoli selecionaram nove artistas mulheres com trabalhos que entrelaçam as temáticas.
Ana e Marina afirmam que o projeto para a exposição surgiu de um interesse comum das duas. Durante vários encontros, elas realizaram aproximações estéticas de artistas que tinham pesquisas sobre a presença feminina no sistema das artes e também sobre corpo, espaço, cidade e questões indígenas.
Logo, elas começaram a listar artistas que tinham produções próximas da ideia de hibridismo e metamorfoses.
Territórios Diluídos conta com artistas representadas e não representadas por galerias. A exposição se propõe estar no sistema das artes com trabalhos de pesquisas consolidadas e artistas que buscam transitar por diferentes formas de expressão.
Assim como outras iniciativas da Galeria Diáspora, Territórios Diluídos questiona e desafia as estruturas tradicionais do mercado de arte, ampliando o acesso e a visibilidade a novas narrativas e propostas inovadoras.
Vale destacar que a galeria tem um programa de abertura de espaço para novos artistas e novos compradores e colecionadores de arte contemporânea.
NARRATIVAS BÍBLICAS E MITOLÓGICAS
Artista da mostra, Bruna Amaro costuma se debruçar sobre a representação feminina nas liturgias bíblicas e mitológicas, principalmente as greco-romanas. Ela conta que o ponto de partida da sua pesquisa veio do próprio descontentamento com a ausência de mulheres vitoriosas na história da arte. Do incômodo, ela chegou a história de um dos símbolos de vitória mais famoso do ocidente: a coroa de louros.
Ela encontrou a resposta numa história mitológica. Numa disputa entre Apolo, deus das artes, música e medicina, e Cupido, o pequeno deus do amor, o segundo utiliza uma flecha encantada para fazer o primeiro se apaixonar pela ninfa Dafne. Porém, Cupido usa outra flecha em Dafne, que a faz sentir repulsa de Apolo.
Cansada da perseguição de Apolo, a ninfa pede para seu pai a transformar numa planta, e se torna um loureiro. Insatisfeito com a rejeição, Apolo arranca galhos da árvore para fazer sua coroa, que se torna, então, a sua marca.
“O que mais me impressionou na história da coroa de louros é que um símbolo de vitória tem origem num ato de violência contra uma mulher.”
Bruna Amaro, artista plástica.
Em Territórios Diluídos, Bruna apresenta a obra Jael, de 2025. Ela explica que, no Livro de Juízes, do Primeiro Testamento e da Bíblia Hebraica, Jael é uma mulher que se voluntariou para dormir com Sísera, militar que liderava um exército contra os hebreus. Com intenção de cessar os ataques, Jael aproveita o sono do militar para matá-lo.
Em Jael, a artista plástica utiliza diferentes materiais e costura manual para representar a heroína com a cabeça do inimigo nas mãos [veja a artista e a obra na foto de abertura desta reportagem].
MÁQUINAS, HUMANOS, ANIMAIS, PLANTAS E ENTIDADES ESPIRITUAIS
Doutora e mestre em artes visuais, a artista plástica Yoko Nishio também participa de Territórios Diluídos, com Indexados, de 2020. A série de pinturas de óleo sobre tela apresenta partes de rostos de diferentes pessoas, como acontece numa reunião online. A curadora Ana Carla reflete sobre a obra:
“No mundo digital, bidimensional, a gente continua sendo gente? Nosso corpo ainda é lido como um conjunto? Imagens fragmentadas, de pequenas partes de nós, dizem quem somos?”
Ana Carla Soler, uma das curadoras de Territórios Diluídos.
Já Moara Tupinambá, artista natural de Maery, Belém do Pará, apresenta na exposição o quadro Yara, recém-produzido. A obra representa o ser de histórias ancestrais dos Tupinambás, parte mulher e parte peixe, que vive nos rios e seduz homens.
Por sua vez, a artista plástica Cristina Suzuki questiona, assim como Yoko, se a parte do todo também nos define. Figura 1 e Figura 1 espelhada e alternada é uma série de carimbos com tinta acrílica de piso sobre placa de MDF.
Com o trabalho Escolha, lançado em 2019, Guilhermina Augusti explora as infinitas possibilidade de ser, a partir de diálogos com animais selvagens.
SERVIÇO
Exposição Territórios Diluídos
Curadoria: Ana Carla Soler e Marina Frugoli.
Até 17 de maio.
Galeria Diáspora. Av Rebouças, 2915, Pinheiros, São Paulo/SP.
Ter e Qua – sob agendamento | Qui e Sex – 11h às 19h | Sáb – 11h às 16h.
Entrada gratuita.
FOTOGRAFIAS: Kalinca Maki.