“Eu, lutador trans recém iniciado a terapia hormonal, entro no ringue para lutar com um homem cis. Ele vai lutar comigo ou vai querer provar que é mais homem que eu?”. A fala é de Cris Macfer, artista marcial há dezoito anos e lutador trans pioneiro no MMA (Artes Marciais Mistas).
Sua história nas artes marciais começou aos 13 anos, em Ervália, Minas Gerais, cidade onde nasceu. O irmão mais velho já praticava o esporte, mas sua perspectiva era violenta e isso incomodava Cris. Ele decidiu, então, entrar para um projeto social de Hapkido e Taekwondo, tendo as artes marciais como uma prática de conexão e transformação.
Dezoito anos depois, Cris Macfer acumula títulos, em diferentes modalidades. É tricampeão mundial, bicampeão brasileiro e pentacampeão mineiro de Hapkido, além de títulos mundiais de jiu-jitsu.
Em 2016, já formado em Educação Física pela Universidade Federal de Viçosa, fundou o Instituto Macfer de Artes Marciais e a Escola de Artes Marciais Team Macfer. O propósito era promover a evolução pessoal pelo esporte, sem o foco na violência, assim como foi com ele.
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SUPERANDO OS NOCAUTES
Durante sua trajetória vitoriosa, porém, Cris Macfer sofreu alguns nocautes. Ainda em Ervália, antes de se entender um homem trans, foi expulso da academia que treinava por começar a namorar uma menina da equipe.
Quando foi para Viçosa, cidade onde reside atualmente, sua mãe relutou bastante para que voltasse a praticar Hapkido. Ele não só voltou a praticar, como também ingressou no jiu-jitsu e no muay thai. E foi em 2013 que entrou no MMA.
Cris comenta que sempre teve resistência ao esporte por achar muito violento. “Eu sou um pouco avesso a isso. Sempre procurei fazer lutas onde eu pudesse trazer um pouco mais de plasticidade, um pouco mais de técnica e as pessoas conseguissem ver a beleza da arte marcial de uma forma geral”, explica.
Sua carreira dentro do MMA está pausada desde 2021, quando fez sua última luta na categoria feminina. O artista marcial vai começar sua terapia hormonal nos próximos meses, decisão que o fez decidir suspender momentaneamente sua carreira como lutador.
Cris se entendeu como uma pessoa trans em 2015. Porém só foi falar sobre isso três anos depois. “Eu já era um atleta com reconhecimento, tinha nove anos de carreira. E eu queria ser respeitado. É um sonho fazer aquilo que amamos e estava me causando um transtorno muito grande”.
A forma de contar para as pessoas que é um homem trans foi através do seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na graduação, que focou em pessoas transgêneros nas artes marciais. Um TCC sobre ele mesmo, como disse.
Mesmo assim, nada mudou na sua carreira. Ele continuou a ser tratado no feminino e lutando na categoria feminina. Foi durante a pandemia, em um momento em que olhou muito para si, que Cris tomou a decisão de criar uma nova categoria dentro das artes marciais. Para ele, não fazia mais sentido continuar lutando na categoria feminina e nunca se sentiu confortável para disputar a masculina.
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PROJETO TRANS FIGHTER
Assim, Cris Macfer, enquanto Instituto Macfer, iniciou uma captação em massa de atletas trans dentro do Brasil e no exterior. Quando viu, tinha mais de 40 atletas inscrites. “Percebi que havia uma demanda e, então, iniciei o projeto Trans Fighter”.
Mais do que um evento de combate, o Trans Fighter busca garantir que os atletas consigam seguir suas carreiras dentro do esporte, por meio de assessoria e a possibilidade de poderem ter bolsas para treinarem em academias.
“O projeto Trans Fighter é, principalmente, uma forma de educar. É educar atletas para que elus entendam que não é sobre se sobrepor ao adversário, mas que aquele adversário é parte do processo de evolução”, comenta. Além da educação interna, a intenção é instruir a sociedade sobre a temática de atletas trans.
A primeira edição aconteceu em São Paulo e contou com atletas de Brasília, Curitiba, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. O evento teve o apoio da deputada federal Erika Hilton, que ajudou a conseguir o Centro Olímpico como local da competição. Além de ser o primeiro torneio exclusivo de atletas trans dentro do MMA no mundo, também foi o primeiro a ter uma arbitragem completamente feminina.
Fotos: Rodarlen Rocha
Edição: Teresa Cristina