A narrativa é icônica. Em 1969, não ser heterossexual era crime em Nova York (e ainda é em 70 países, como Afeganistão, Maldivas, Nigéria, Qatar e Líbano). A repressão era tão grande que quem andava pelas ruas da cidade americana poderia ser preso se não estivesse vestindo ao menos três peças de roupas “condizentes” com o sexo determinado nos documentos oficiais.
Mas havia um lugar na cidade em que as pessoas poderiam se sentir um pouco mais livres. Era o bar Stonewall Inn, no bairro East Village.
“Era um lugar seguro para nós”, disse Mark Segal, que na época frequentava o bar, durante uma recente entrevista ao New York Times.
Acontece que o Stonewall tinha como proprietário um mafioso italiano, que vendia bebidas de forma ilegal – prática bem comum naqueles tempos.
O dono do bar subornava os policiais da cidade, que realizavam batidas no local para pegar o “arrego” e zombar dos frequentadores, que estavam interessados unicamente em dançar no único estabelecimento que os aceitava.
Mas, na madrugada do dia 28 de junho, foi diferente. A polícia invadiu o local e passou a revistar geral. Havia 200 pessoas lá dentro. Os policiais passaram a checar os documentos e os genitais dos frequentadores. Diante do abuso, muitos e muitas se recusaram a revista e foram arrastados para fora. A ideia era mandar todes para a delegacia.
Embora haja divergência, alguns relatos apontam Stormé DeLaverie, mulher negra e lésbica com perfil masculino, como uma das primeiras a serem agredidas. Ela lutou por mais de 10 minutos com os policiais. Quando foi finalmente rendida, gritou para a multidão, que já se formara do lado de fora, “por que vocês não fazem alguma coisa?”.
Boom. Houve uma chuva de garrafas, pedras e tijolos contra as viaturas. Outras duas pessoas que teriam tomado a linha de frente foram Marsha P. Johnson, mulher trans negra, que anos depois fundou movimentos de luta e proteção de LGBTQI+ (sua história pode ser vista no filme A morte e a vida de Marsha P Johnson, disponível na Netflix) e Sylvia Rivera, mulher trans descendente de imigrantes latinos.
Embora há nomes de destaque, a revolta foi um ato coletivo de contestação a uma sociedade repressiva.
Na sequência do tumulto, houve um incêndio que deixou o bar em ruínas. Viaturas também foram destruídas. Enquanto isso, os frequentadores do Stonewall – enquanto não estavam tacando pedras – zombavam dos policiais, dançavam e se beijavam na frente de todo mundo.
“A dor, a raiva, a frustração, a humilhação, a constante insistência, a constante agitação que causaram em nossas vidas: foi a hora de se livrar disso tudo”, afirma Martin Boyce, outro frequentador ouvido pelo The New York Times.
A ação, que durou menos de uma hora, é considerada uma das mais radicais, transformadoras e simbólicas do movimento LGBTQI+.
No ano seguinte, em 1970, milhares de pessoas se reuniram para relembrar a revolta. Houve atos em Nova York, Los Angeles, San Francisco e Chicago. Em 1971, a marcha começou a acontecer em Londres, Paris, Berlim Ocidental e Estocolmo.
Os atos deram início às paradas LGBTI+ contemporâneas. É por esse motivo que, mundialmente, as paradas são realizadas em junho.
Há menos de uma semana, aconteceu a parada de São Paulo, a maior do mundo, que contou com 3 milhões de pessoas. No dia anterior, houve também a 2° Marcha do Orgulho Trans de São Paulo e a 17ª edição da Caminhada das Mulheres Lésbicas e Bissexuais.
50 anos depois da primeira fagulha de Stonewall, voltamos ao Brasil. Como canta Alice Guel, estamos no país que mais mata travestis.
De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, até o dia 31 de maio, 56 travestis, mulheres transexuais e homens trans foram mortos em território brasileiro em 2019.
Então, fica a pergunta para quem ainda não age: “por que vocês não fazem alguma coisa?”
Menção honrosa a Dandara, Larissa, Alana, Brenda, Luana e toda a população LGBTQI+.
IMAGENS : Reprodução